A contratação da consultora norte-americana Alvarez & Marsal (A&M) pelo Governo moçambicano para conduzir a reestruturação da dívida pública divide opiniões entre economistas e analistas. Enquanto alguns especialistas aplaudem a medida, por representar um sinal de compromisso com a consolidação fiscal e a credibilidade externa, outros alertam para riscos de dependência, custos elevados e desafios de execução num contexto institucional ainda frágil.
O Diário Económico (DE) noticiou recentemente que o Executivo formalizou a contratação da A&M por ajuste directo, ao abrigo da Resolução n.º 34/2025, de 22 de Outubro, com o objectivo de elaborar um novo plano de reestruturação da dívida e apoiar a Estratégia da Dívida Pública para o período 2026-29.
Neste contexto, o DE ouviu dois especialistas — Moisés Nhanombe, economista e antigo investigador do Departamento de Investigação Konrad Adenauer da Universidade Católica de Moçambique, e Wilker Dias, presidente da Plataforma Eleitoral Decide, organização de âmbito nacional dedicada à cidadania e democracia — para analisar os impactos, riscos e oportunidades desta intervenção técnica internacional.
Segundo Wilker Dias, uma consultora como a A&M inicia o seu trabalho com uma avaliação dos impactos directos da dívida sobre a economia, seguida da monitoria da aplicação das suas recomendações e da participação activa nas negociações com credores. Esta capacidade negocial, diz, é determinante: “A reestruturação não é apenas técnica, é política e estratégica.”

Para além disso, estas consultoras costumam propor reformas fiscais e económicas com impacto directo na arrecadação de receitas, aumentando a margem orçamental do Estado para acomodar a dívida.
Já Moisés Nhanombe salienta o valor reputacional da A&M e o sinal positivo que a sua contratação transmite ao mercado. “Traz know-how especializado em negociação, modelação de cenários e experiência em casos complexos” — disse, lembrando que a consultora pode ajudar a estruturar uma estratégia de dívida mais coerente e sustentável, sobretudo a médio e longo prazo.
Apesar disso, Nhanombe alerta para os riscos: a dependência excessiva de assistência externa pode fragilizar a gestão doméstica e criar uma percepção de tutela. A opacidade em torno do contrato, acrescenta, não contribui para a confiança pública. “A execução será o grande teste”, afirmou. “Se falhar, compromete a credibilidade junto dos credores.”
Wilker Dias enfatiza que Moçambique enfrenta, no essencial, um problema de sustentabilidade agravado por quatro pilares estruturais: o elevado endividamento interno e externo, a fraca arrecadação fiscal, a vulnerabilidade macroeconómica (acentuada por guerras e convulsões sociais) e a ausência de uma visão estratégica para o crescimento.
É neste contexto que ele apela à valorização de sectores como o turismo e ao incentivo ao investimento privado descentralizado: “Quando se concentra o investimento num só grupo político ou económico, bloqueia-se o acesso de outros actores e limita-se a distribuição da riqueza e das receitas.”
O economista Nhanombe, por seu lado, sublinha que grande parte da dívida é de curto prazo e com juros elevados, pressionando o orçamento e comprometendo os investimentos públicos. A exposição cambial também é um factor agravante, pois torna o serviço da dívida mais caro em tempos de desvalorização do metical.
Ambos os especialistas concordam que não basta reestruturar: é urgente diversificar a economia, fortalecer a transparência, melhorar o planeamento orçamental e ampliar a base tributária, sem penalizar desproporcionalmente os contribuintes. Wilker Dias propõe ainda reformas institucionais no aparelho do Estado, para garantir maior controlo e estratégia na gestão da dívida. “Investir no básico, como infra-estruturas e educação, cria condições favoráveis para um crescimento sustentável”, afirma.

No entender de Moisés Nhanombe, a gestão prudente da dívida, com renegociação de condições desfavoráveis e redução da exposição a moedas voláteis, pode libertar espaço fiscal. Acrescenta que o histórico das dívidas ocultas ainda mina a confiança de credores e investidores, o que exige medidas concretas de transparência, prestação de contas e divulgação de informação pública.
Num ponto convergente, os dois especialistas reconhecem que o sucesso da intervenção da Alvarez & Marsal dependerá, acima de tudo, da capacidade interna do Estado moçambicano para aplicar as recomendações, implementar reformas e manter um compromisso sério com a gestão transparente e eficaz das finanças públicas.
Questionados sobre o funcionamento prático da intervenção de uma consultora como a Alvarez & Marsal num processo de reestruturação da dívida pública, os especialistas foram unânimes em reconhecer o carácter técnico e estratégico deste tipo de operação.
Para Wilker Dias, o ponto de partida é o diagnóstico: “Primeiro, esta consultora identifica os impactos directos que a dívida vai criando sobre o funcionamento do Estado e a economia em geral. É uma abordagem analítica que visa compreender onde estão os estrangulamentos e como eles se manifestam”, explica.
Após esse mapeamento, a A&M acompanha a implementação das suas recomendações, monitorizando os avanços e sugerindo correcções. Mas a actuação vai além da assessoria: “Este tipo de consultora tem a capacidade de negociar directamente com os credores, o que pode ser determinante para alcançar melhores condições de pagamento e encontrar mecanismos sustentáveis”, sublinha o analista.
Moisés Nhanombe complementa essa visão, afirmando que o papel da consultora está centrado na estruturação de um plano completo e tecnicamente sólido: “Ela entra para diagnosticar a situação financeira global do país, incluindo a análise da dívida, das receitas, das despesas e da capacidade de pagamento. Com base nesses dados, são construídos cenários e alternativas possíveis, como o alongamento de prazos, a redução de juros ou a conversão de dívidas”, detalha.
Além disso, a consultora fornece modelos de negociação e acompanha a aplicação prática do plano, servindo de apoio técnico permanente ao Governo durante todo o processo. Ambos concordam que, embora não tome decisões políticas, a A&M desempenha um papel de influência estratégica, actuando como braço técnico numa área de alta sensibilidade económica e política.
Texto: Felisberto Ruco

































































