O Governo quer que a maior fábrica do País seja cliente da eléctrica estatal, mas o grupo australiano South32, que detém a Mozal, ameaça sair. O Presidente da República diz não poder aceitar uma proposta de valores que pode levar ao “colapso” da “galinha dos ovos de ouro” que é a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB). Como vai acabar esta negociação? Os empresários moçambicanos já fizeram soar o alarme: além de ameaçar parar em Março de 2026, o accionista maioritário já começou a rescindir contratos. A E&M conta-lhe a história com vários convidados a analisar uma disputa que põe Moçambique à prova face a investidores e parceiros estrangeiros.
Qual seria o impacto para Moçambique se houvesse alterações ao funcionamento da fábrica de processamento de alumínio Mozal? Inaugurada em 2000, foi um dos primeiros grandes investimentos privados no País após a independência. A unidade simboliza o sonho de industrialização de Moçambique e está interligado – por via de tributações, postos de trabalho, contratos com fornecedores e exportações – com inúmeros aspectos da economia nacional.
As condições de fornecimento de electricidade, em termos de potência e preço, são uma preocupação, tal como tem sido relatado pelo Diário Económico. Um dos relatórios financeiros do grupo australiano South32 (accionista maioritário da Mozal, com 63,7%) já a referia no final de 2024: “O grupo considera razoável assumir que será alcançado um acordo para prolongar o fornecimento de energia da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) à Mozal além de Março de 2026”, lia-se no documento. Mas, de lá para cá, a perspectiva da empresa ficou mais pessimista e o cenário agravou-se. O que se passou e quais os intervenientes?

Em Fevereiro, e no seguimento do que já havia sido expresso pelo Executivo anterior, o Governo moçambicano anunciou a intenção de “repatriar”, para uso doméstico, a partir de 2030, a electricidade que exporta da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) para a África do Sul. A posição está expressa na Estratégia para a Transição Energética em Moçambique, até 2050, aprovada pelo Governo, e na altura divulgada pela agência Lusa. “Desde o início das operações, em 1979, a HCB exportou a maior parte da sua produção de electricidade para a estatal sul-africana Eskom, com uma parte menor fornecida à [empresa estatal] Electricidade de Moçambique (EDM)”, lia-se no documento. Segundo os últimos dados, a Eskom comprou 66% do total de energia da HCB, em 2024. Mas, “em 2030, o contrato de aquisição de energia entre a HCB e a Eskom chegará ao fim, e decisões importantes terão de ser tomadas relativamente à comercialização e destino final de energia limpa da HCB”, acrescentava-se. Nos arredores de Maputo, Sul do País, funciona a fábrica de alumínio da Mozal, alimentada por electricidade fornecida pela Eskom — contrato de fornecimento que, por sua vez, termina em 2026. A Mozal é uma das maiores consumidoras de electricidade do País, com necessidades de 900 MW, a que a rede eléctrica moçambicana não consegue responder com fiabilidade. Por isso, com a África do Sul a cerca de 50 quilómetros (em linha recta), a empresa decidiu estabelecer um contrato de energia com a Eskom.
“Neste ano de 2025, além de implementar projectos de reabilitação, a HCB, olhando para a reversão energética prevista para 2030, deve consolidar o seu papel no desenvolvimento energético de Moçambique”, PR Daniel Chapo
Governo quer mudanças na gestão da energia da HCB
O Presidente da República (PR) moçambicano, Daniel Chapo, confirmou, a 23 de Junho, que vai avançar, em 2030, com o processo de reversão energética, com o fim do contrato de fornecimento de electricidade produzida em Moçambique à sul-africana Eskom, em vigor desde 1979.
“Neste ano de 2025, além de implementar projectos de reabilitação, a HCB, olhando para a reversão energética prevista para 2030 — Moçambique passa a controlar a fonte de energia com o fim do contrato com a Eskom —, deve consolidar o seu papel no desenvolvimento energético do País”, disse o chefe do Estado, empossado em Janeiro, confirmando assim a intenção já sinalizada pelo Governo anterior.

Em Julho, o Governo moçambicano clarificou a sua intenção de o fornecimento de energia à fábrica de alumínio passar a ser garantido pela EDM. “O que se pretende é introduzir o ‘player’ [interveniente] EDM, que é a entidade responsável pela comercialização da energia produzida pela nossa hidroeléctrica [de Cahora Bassa – HCB]. E há aqui elementos que têm de ser fechados para o efeito”, disse o porta-voz do Conselho de Ministros, Inocêncio Impissa. “Com certeza que a Mozal não vai ficar sem energia, porque é uma indústria” que interessa “sobretudo” aos moçambicanos, acrescentou.
South32 anuncia fim da produção em Março de 2026
A resposta da Mozal causou uma onda de choque: a meio de Agosto, o grupo South32 referiu, numa informação aos mercados, que vai cortar no investimento e dispensar empreiteiros e fornecedores, uma vez que só tem energia certa para manter a operação até Março de 2026, altura em que termina o contrato de abastecimento de electricidade. O grupo alegou que não tem garantias de continuidade dali em diante.
A empresa fez saber que tem dialogado com o Governo moçambicano, com a HCB e com a Eskom — que compra a electricidade da HCB e a vende à Mozal — “para garantir o fornecimento de electricidade suficiente e acessível”, no sentido de “permitir operar quando o actual contrato [de fornecimento de energia] expirar.” Contudo, os compromissos até agora assumidos “não dão à Mozal” a “garantia de ter electricidade suficiente e acessível além de Março de 2026. Como resultado, limitaremos o investimento na Mozal”, dispensando “empreiteiros associados a partir deste mês [de Agosto]”, referiu-se na informação, antevendo que a fábrica seja colocada em regime de “manutenção” no final do actual contrato.
“Limitaremos o investimento na Mozal”, dispensando “empreiteiros associados a partir deste mês [de Agosto]”, anunciou a empresa, antevendo que a fábrica seja colocada em regime de “manutenção” em Março de 2026
A informação acrescentou que a produção da Mozal, no ano fiscal de 2026, deverá ser de aproximadamente 240 mil toneladas, “reflectindo o menor número de cubas [de fundição] em funcionamento”, face à interrupção imediata do processo de revestimento das mesmas, porque “as operações apenas se prolongarão até Março.”

O documento assumiu “como o cenário mais provável” que a Mozal “opere até ao final do actual contrato de fornecimento de electricidade e seja colocada em manutenção.” O grupo reconhecia já “uma perda por imparidade” de 372 milhões de dólares (318,3 milhões de euros) para sustentar o anúncio.
HCB, a “galinha dos ovos de ouro” em risco
Poucos dias depois, o Presidente moçambicano afirmava que o que estava em causa era uma negociação de tarifas, acrescentando que os valores propostos pela Mozal levariam ao colapso da HCB. “Estamos a defender o interesse nacional e os interesses do povo moçambicano. Não podemos aceitar tarifas que vão levar a HCB a subsidiar a Mozal e colapsarmos a HCB, que é a nossa galinha dos ovos de ouro”, afirmou Daniel Chapo. “Tanto a República de Moçambique como a HCB não têm contrato com a Mozal. Este é o primeiro aspecto. Moçambique, através da HCB, tem contrato com a Eskom, que é sul-africana (…). A ser debatido, este assunto, em princípio, deveria ser com a Eskom, ao nível da África do Sul”, acrescentou. “Estamos, neste momento, a discutir este aspecto, e neste debate sobre as tarifas, de certeza absoluta que um dia se chegará a um consenso”, afiançou.
HCB pode fornecer uma pequena parte; à Eskom caberá o resto
Entretanto, o porta-voz do Conselho de Ministros esclareceu estarem em negociação 350 Megawatts de energia a comprar à HCB. Ou seja, Cahora Bassa só pode fornecer à Mozal até 350 Megawatts dos 950 que necessita a partir de 2026, justificando-se com baixos níveis de armazenamento de água na albufeira, devido à seca que assola a região, prejudicando a produção de energia. “Os remanescentes 600 Megawatts poderão ser fornecidos pela Eskom, da África do Sul, competindo à Mozal encetar diligências para o efeito.”

Inocêncio Impissa reiterou o ponto relativo aos valores em discussão, já apontado pelo PR: “Vendendo a energia à Mozal, na base proposta”, Moçambique iria incorrer num prejuízo, “pois estaria [a fornecer] muito abaixo dos custos de produção e de transporte”, disse. “Moçambique garante fornecimento de 350 Megawatts da HCB à Mozal”, a partir de Março, “ao mínimo preço que permita a cobertura dos custos, incluindo o ajustamento previsto para o ano 2028”, acrescentou.
“Não podemos aceitar tarifas que vão levar a HCB a subsidiar a Mozal e colapsarmos a HCB, que é a nossa galinha dos ovos de ouro”, afirmou Daniel Chapo
Noutro aspecto, o porta-voz do Conselho de Ministros considerou “extremamente baixa” a contribuição fiscal da Mozal, acrescentando ao debate em curso o interesse em rever as obrigações neste domínio. “Embora contribua com cerca de 3,2% do PIB, representa menos de 0,2% das receitas fiscais do Estado”, referiu, apontando para uma “necessidade de reavaliar os termos do pacote fiscal aplicado, bem como outros benefícios para Moçambique.”
Empresários prejudicados com fim de contratos com a Mozal
Nesta negociação entre Governo e Mozal, um dos capítulos mais dramáticos surgiu pela voz da Confederação das Associações Económicas (CTA), anunciando que a Mozal, maior indústria de Moçambique, rescindiu contratos, de forma “súbita”, com cerca de 20 empresas, deixando pelo menos mil desempregados. Uma desvinculação que surge depois do anúncio da travagem nos investimentos e constituição de imparidades, antecipando o fim de produção em Março de 2026.
A associação dos patrões moçambicanos considerou “inadmissível que uma empresa que tanto beneficiou do ambiente fiscal, institucional e económico nacional adopte uma postura que desestabiliza o tecido empresarial nacional e fragiliza a confiança dos investidores”, referiu Álvaro Massingue.

No entanto, para evitar o encerramento das actividades desta indústria, a CTA “entende que o Governo pode considerar concessões na tarifa de energia, mas apenas com contrapartidas claras e estruturantes para a economia nacional. Esta crise pode e deve marcar um ponto de viragem. Não é o momento de abandonar a Mozal”, afirmou. Por exemplo, o Governo pode reavaliar o pedido da empresa, mas pelo menos 40% da produção deve ser destinada a empresas baseadas em Moçambique, para transformar o alumínio localmente em produtos semi-manufacturados e acabados, dinamizando a industrialização. A CTA quer também que o novo acordo aumente o número de empresas locais a prestar serviços a Mozal para beneficiar cada vez mais as pequenas e médias empresas, defendendo que “as decisões sobre o futuro da Mozal devem reflectir os interesses do País e do seu sector produtivo.”
Haverá luz ao fundo do túnel? Na última declaração sobre o assunto, no final de Agosto, o porta-voz do Governo disse que as negociações continuavam num “ambiente de conversa muito mais amigável” com todas as partes envolvidas — Mozal, HCB e Eskom —, visando que os interesses de todos estejam “legalmente protegidos. O Governo moçambicano vai continuar a acarinhar a Mozal, melhorar os termos de negociação e garantir que se mantenha a produzir em Moçambique, com todas as facilidades necessárias, sem prejuízo para qualquer das partes.”

Texto: Felisberto Ruco & Redacção • Fotografia: Mariano Silva & D.R.





























































