Nos últimos anos, houve mudanças aceleradas na forma como utilizamos o dinheiro. Dependíamos quase exclusivamente de notas e moedas físicas, mas, hoje, os pagamentos digitais, as transferências instantâneas e até as criptomoedas tornaram-se relevantes nas nossas vidas.
Esta transformação trouxe novos desafios aos bancos centrais, que precisam de encontrar um equilíbrio entre acompanhar a inovação e manter a estabilidade dos sistemas financeiros. É neste contexto que surgem as moedas digitais emitidas pelos bancos centrais (CBDC, do inglês Central Bank Digital Currencies).
Ao contrário das criptomoedas, como, por exemplo, a bitcoin, que funcionam de forma descentralizada e sem um emissor oficial, as CBDC representam a versão digital de uma moeda nacional, com garantia e suporte do próprio banco central. Alguns países já deram passos importantes neste campo: a Nigéria foi pioneira, em África, ao lançar o e-Naira, em Outubro de 2021.
A China é um dos países que mais avanços fizeram, com a introdução do yuan digital, também conhecido como e-CNY. Desde 2014, o país tem investido em investigação e desenvolvimento, e o e-CNY está disponível em 29 cidades: serve para pagar transportes públicos, distribuir salários de funcionários públicos e para uso em eventos internacionais, como os Jogos Olímpicos de Inverno.
A União Europeia está também em fase de testes para o lançamento do euro digital, com um projecto iniciado em Novembro de 2023 e com lançamento previsto para 2026. A terceira fase do relatório de progresso, publicada em Julho, mostra avanços na criação de um manual de regras para harmonizar os pagamentos digitais em toda a Zona Euro. O Banco Central Europeu (BCE) tem realizado testes com vários participantes, bem como inquéritos junto de vários grupos de consumidores, incluindo grupos mais vulneráveis e pequenos comerciantes, para garantir que o euro digital seja inclusivo, respondendo a preocupações de toda a população.
“As CBDC têm garantia e suporte do próprio banco central”
Com a crescente digitalização do dinheiro, torna-se imprescindível que os bancos centrais acompanhem a evolução. Estas moedas digitais oficiais prometem inclusão financeira, custos de transacção mais baixos, maior eficiência no sistema de pagamentos e até melhor rastreabilidade para combater o branqueamento de capitais e o financiamento ilícito. Contudo, ao mesmo tempo, levantam dúvidas importantes, nomeadamente quanto ao nível de confiança dos cidadãos em sistemas totalmente digitais e controlados pelo Estado. Até que ponto é que isso poderá concentrar ainda mais poder nas mãos dos bancos centrais, limitando a privacidade dos cidadãos?
Por outro lado, enquanto os bancos centrais desenvolvem as suas moedas digitais, milhões de pessoas em todo o mundo recorrem às criptomoedas e às “stablecoins” como alternativa de reserva de valor. Em países com inflação crónica e moedas frágeis, como a Argentina ou a Turquia, o uso de cripto activos para preservar o poder de compra já se tornou uma prática comum. A bitcoin passou a ser comparada ao “ouro digital”, e “stablecoins” indexadas ao dólar, como o USDT, funcionam como refúgio contra a desvalorização cambial. Assim, o debate não é apenas tecnológico: envolve confiança, soberania monetária e até o direito de escolher onde guardar determinado valor.
Quando olhamos para Moçambique, esta discussão ganha contornos ainda mais interessantes. O País tem enfrentado uma forte dependência de importações e desafios de inclusão financeira. Grande parte da população ainda não tem acesso a serviços bancários tradicionais, mas utiliza carteiras móveis para transacções diárias, um passo importante rumo à digitalização. Neste cenário, uma eventual implementação de uma CBDC pelo Banco de Moçambique poderia ampliar o acesso a serviços financeiros formais, reduzir custos de transacção e até trazer mais transparência ao sistema.
No entanto, também existem riscos. Uma CBDC exige uma infra-estrutura tecnológica robusta, confiança na estabilidade institucional e níveis adequados de literacia financeira. Além disso, em momentos de instabilidade cambial, muitos moçambicanos poderão procurar refúgio em activos indexados a moedas fortes ou mesmo em criptomoedas, percebendo-os como formas de protecção contra a perda de poder de compra. Isto poderá revelar que, mesmo com a chegada de uma moeda digital oficial, a disputa entre estabilidade centralizada (CBDC) e liberdade descentralizada (cripto activos) pode intensificar-se.
A tendência aponta para um cenário de coexistência entre diferentes formas de moeda. As CBDC têm potencial para transformar a forma como pagamos, poupamos e interagimos com o Estado, reforçando o papel dos bancos centrais na era digital. Paralelamente, os cripto activos continuarão a desempenhar um papel importante como reserva de valor em economias marcadas pela volatilidade e pela desconfiança institucional. No caso de Moçambique, o desafio será duplo: garantir que a inovação sirva para promover inclusão e estabilidade e, ao mesmo tempo, criar políticas que ofereçam confiança suficiente para que a própria moeda nacional — digital ou física — continue a ser vista como um porto seguro.


























































