Se já foi a um restaurante e viu o sommelier abrir uma garrafa de vinho, talvez tenha notado um gesto curioso: ele cheira a rolha antes de servir. Para quem observa de fora, esse momento pode parecer quase místico — como se, ao inalar o aroma da rolha, o profissional fosse capaz de desvendar todos os segredos do vinho.
Mas será que é isso mesmo?
Antes de tudo, é importante entender que a rolha é um dos principais responsáveis por proteger o vinho ao longo do tempo. Ela impede a entrada excessiva de oxigénio, mas ainda permite uma micro-oxigenação controlada, crucial para a evolução de muitos vinhos.
Só que a rolha também pode ser a vilã da história. Em alguns casos, é o veículo por onde um defeito chamado “TCA” (tricloroanisol) pode contaminar o vinho — o famoso “cheiro de rolha” ou “vinho bouchonné”. Nesse contexto, sim, a rolha pode carregar sinais desse defeito. Mas nem sempre é o caso, e nem sempre é perceptível apenas ao cheirá-la.
Cheirar a rolha: um gesto simbólico (e técnico)
Quando o sommelier cheira a rolha, não está a tentar tirar grandes conclusões a partir dela. Esse gesto faz parte de um protocolo clássico de serviço e pode oferecer algumas pistas iniciais, como:
- Se a rolha está seca ou quebradiça (o que pode indicar má conservação);
- Se há mofo evidente ou odor químico suspeito (possível sinal de TCA);
- Se há presença de vazamento ou oxidação visível.
Contudo, cheirar a rolha jamais substitui a análise do vinho na taça. É apenas um indicativo preliminar — e nem sempre conclusivo.
A verdadeira avaliação de um vinho começa quando é servido. É nesse momento que o sommelier (ou o consumidor, em casa) deve prestar atenção a três aspectos principais:
Aparência
Observe a cor e a limpidez. Um vinho turvo ou com tonalidade muito diferente do esperado para o seu estilo e idade pode levantar suspeitas.
Aroma
Aqui reside o cerne da análise. Um vinho contaminado com TCA, por exemplo, exala um cheiro de papel molhado, mofo, jornal velho ou cave húmida. Outros defeitos também são perceptíveis no nariz: aromas de vinagre (acidez volátil excessiva), acetona, ovo podre (redução) ou vinagre balsâmico (oxidação).
Paladar
Na boca, um vinho com defeitos pode parecer morto, sem expressão, ou apresentar sabores amargos, metálicos ou desbalanceados. Mas atenção: vinho “diferente” não significa vinho estragado. Alguns estilos naturais, envelhecidos ou oxidativos têm perfis únicos que podem confundir.
Resumindo: o ritual tem valor, mas não é tudo
O gesto de cheirar a rolha é parte do ritual do serviço do vinho — um detalhe elegante, que remete à tradição e ao cuidado. No entanto, não deve ser interpretado como a ferramenta definitiva para avaliar a qualidade do vinho. Essa análise precisa vir da experiência sensorial com o líquido na taça.
Aliás, muitos sommeliers experientes nem cheiram mais a rolha, preferem ir directo ao ponto e avaliar o vinho com mais precisão na taça.
E se a rolha estiver com cheiro desagradável?
Se for servir um vinho em casa e perceber que a rolha tem um cheiro estranho, não tome decisões precipitadas. Sirva um pouco na taça, gire, cheire, prove. Só assim poderá confirmar se a bebida está, de facto, comprometida;
Se estiver num restaurante, confie no serviço do sommelier. Ele provavelmente fará essa avaliação antes mesmo de perceber qualquer problema. Se o vinho estiver com defeito, a garrafa será trocada.
Fonte: Revista Menu






























































