Apesar das incertezas sobre o pleno regresso às operações, os avanços no financiamento e nas negociações internacionais reacendem a expectativa em torno dos megaprojectos de gás na bacia do Rovuma. Consórcios das áreas 1 e 4 caminham entre o optimismo e os riscos geopolíticos e de segurança.
O maior projecto da Área 1 da bacia do Rovuma, conhecido como Mozambique LNG, desenvolvido em terra (‘onshore’), prepara-se para um regresso estratégico, após quatro anos de paralisação, após o ataque de insurgentes armados à vila de Palma, causando um número nunca apurado de mortes e desaparecidos. A TotalEnergies, líder do consórcio, anunciou a intenção de retomar a construção este ano, depois de os parceiros de financiamento reassegurarem o compromisso e de haver alegadas melhoria das condições de segurança na zona do projecto, em Cabo Delgado. No entanto, a euforia da “retoma iminente” convive com riscos financeiros, geopolíticos e sociais, que poderão moldar o destino desta aposta de mais de 20 mil milhões de dólares.
Retoma anunciada e cronograma ajustado
Em Setembro de 2024, o ex-Presidente Filipe Nyusi declarou, em Nova Iorque, que a retoma do projecto era “uma certeza” e que o País tinha “criado condições” para que a Total regressasse – dizendo que a suspensão estava relacionada com decisões internas da empresa. O então ministro dos Recursos Minerais e Energia, Carlos Zacarias, já havia afirmado, em Agosto de 2023, que havia “sinais claros de que as condições de segurança” estavam criadas, ao mesmo tempo que o Governo mantinha “diálogo constante” com a TotalEnergies.
Apesar desse optimismo político, o prazo original, que previa o início de produção em 2027, foi adiado para 2029-2030, reflectindo a paralisação prolongada, renegociações financeiras e contratuais.
Na segurança há progressos, mas não há garantias
As autoridades moçambicanas e os militares estrangeiros (do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, SADC) reforçaram a presença na zona de Palma, no perímetro do projecto, permitindo um ambiente mais estável. Em 2023, o ministro da Defesa, Cristóvão Chume, considerou “satisfatórios” os níveis de segurança. Contudo, analistas independentes continuam a alertar que a ameaça insurgente não desapareceu. De facto, vários incidentes ainda ocorrem em zonas periféricas, o que significa que a “segurança suficiente” é, em parte, uma avaliação política e estratégica. Isto além de uma tragédia humanitária em toda a região, devido à população em fuga.
Financiamento reactivado e disputa geopolítica
O US Exim Bank aprovou, em Março de 2025, um financiamento de 5 mil milhões de dólares para apoiar a construção do Mozambique LNG. O banco norte-americano enfatizou que o financiamento privado não estava disponível devido à escala e ao risco do projecto e que a operação evita que China e Rússia assumam o papel de financiadores. Este impulso foi determinante para reabrir o debate sobre a retoma, mas nem todos os financiadores originais regressaram, e a estrutura final de capital ainda está a ser consolidada.
À medida que Moçambique se aproxima da retoma dos megaprojectos de gás, em terra, a nação enfrenta um dilema crucial: aproveitar a riqueza energética, evitando os erros do passado. Como o fazer?
O Mozambique LNG prevê, na primeira fase, duas linhas de liquefacção com capacidade de cerca de 13 milhões de toneladas por ano (mtpa), com possibilidade de expansão para até 43 mtpa. O projecto assenta em recursos de cerca de 65 triliões de pés cúbicos (TcF) de gás natural.
Com a procura asiática e europeia em alta, Moçambique pode beneficiar de uma janela estratégica no mercado global de GNL, mas enfrenta a concorrência de pólos como Qatar, EUA e Papua Nova Guiné, além da pressão da transição energética para reduzir emissões. Neste momento, a retoma da Área 1 parece inevitável, sustentada por declarações oficiais e pelo impulso financeiro norte-americano. Contudo, o sucesso dependerá de factores como a estabilidade militar, alinhamento entre Governo e operadores e o posicionamento competitivo no mercado global.

Da retoma cautelosa à consolidação offshore
A Área 4, por outro lado, entrou na fase em que as decisões industriais e comerciais começam a gerar resultados visíveis e a reconfigurar o calendário energético de Moçambique. O arranque de produção da plataforma Coral Sul, em 2022, fez do País o primeiro produtor de GNL por unidade flutuante em águas ultraprofundas no hemisfério sul, consolidando uma via totalmente autónoma em mar alto (“offshore-offshore”) que contorna os constrangimentos de insegurança em terra.
O projecto, operado pela italiana Eni através do consórcio Mozambique Rovuma Venture (MRV), está a explorar as reservas Coral com capacidade para liquefazer cerca de 3,4 mtpa de GNL que têm seguido, sobretudo, para a Europa, num contexto de procura elevada pós-2022.
Esta pedra basilar (tecnológica e comercial) provou a exequibilidade técnica do Rovuma e abriu espaço a uma “segunda parte” na mesma linha: a plataforma Coral Norte. A 8 de Abril de 2025, o Governo aprovou o plano de desenvolvimento do Coral Norte, num investimento estimado em 7,2 mil milhões de dólares, com capacidade prevista de 3,55 Mtpa e arranque projectado para a segunda metade de 2028.
O eixo em terra e o calendário do Rovuma
Ainda na Área 4, há outro projecto em terra aprovado, liderado pela ExxonMobil, como operadora delegada do Rovuma LNG, mantendo a ambição de erguer uma fábrica com mais de 15 Mtpa em Afungi, ancorada no gás dos reservatórios Mamba (Área 4).
A empresa reafirmou, publicamente, que a decisão final de investimento foi reprogramada para 2026, perspectivando o “primeiro gás” por volta de 2030, num cronograma que reconhece a complexidade do processo de produção e a necessidade de segurança sustentada em Cabo Delgado. A leitura de mercado também pesa: preços mais moderados que os picos de 2022 e uma Europa mais diversificada, mas ainda carente de substituir volumes russos no médio prazo, o que exige contratos de longo prazo.

Capital e parceiros em evolução
A fotografia societária da Área 4 evoluiu. O consórcio MRV (Eni, ExxonMobil e a chinesa CNPC) detém 70% das quotas. ENH, a coreana KOGAS e portuguesa Galp tinham 10% cada. Em 2024, a Galp anunciou a venda da sua participação à petrolífera dos Emirados Árabes Unidos ADNOC, transacção vista por analistas como parte de uma rotação de portefólio para financiar apostas na Namíbia.
Em 2025, a imprensa noticiou a entrada de um veículo ligado a Abu Dhabi no perímetro. Independentemente da arquitectura final, o sinal é claro: o capital do Golfo procura exposição material ao “cluster Rovuma”, somando-se a petrolíferas ocidentais e à chinesa CNPC – um misto que dilui risco e estabelece equilíbrios para a fase de desenvolvimento pesado. Para Moçambique, esta diversificação de “sponsors” pode acelerar decisões finais de investimento e facilitar a engenharia financeira, desde que os termos contratuais salvaguardem conteúdo local, transparência fiscal e estabilidade regulatória.
De fora, um importante alerta
À medida que Moçambique se aproxima da retoma dos megaprojectos de gás, em terra, a nação enfrenta um dilema crucial: aproveitar a riqueza energética, evitando os erros do passado. Como o fazer? Joseph Stiglitz, economista americano, Nobel de 2001, advertiu que países ricos em recursos naturais, correm o risco de cair na armadilha de endividamento excessivo e crescimento desigual. Enfatizou que, sem uma gestão estratégica e inclusiva, a abundância de gás pode acentuar as desigualdades e comprometer o desenvolvimento sustentável. Portanto, a questão persiste: o Rovuma será um motor de prosperidade ou um campo minado? A resposta dependerá da capacidade de o País alinhar investimentos, governança e benefícios sociais.

Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R.






























































