O Tribunal Supremo admitiu esta segunda-feira, 16 de Junho, que a prisão como único recurso para travar o crime organizado “é ineficaz”, defendendo acções colectivas e a recuperação total dos bens obtidos através de actos ilícitos para os desencorajar, informou a agência Lusa.
“A prisão já demonstrou que sozinha é ineficaz para debelar o crime organizado enquanto este permanecer com as vantagens ganhas. É preciso privar o crime organizado dos recursos económicos que acumula com a prática de actividades ilícitas e que usa para o seu próprio fortalecimento. Usa os recursos acumulados para reinvestir no crime, perpetuando as suas acções ilícitas”, disse o juiz desembargador do Tribunal de Recurso de Maputo, Luís Mabote.
O responsável falava em Maputo, em representação do presidente do Tribunal Supremo, durante a abertura do seminário internacional sobre recuperação de activos e justa compensação das vítimas, organizado pelo Centro de Integridade Pública, organização não-governamental, tendo defendido compensações às vítimas do crime organizado.
“Tão importante quanto a recuperação de activos é a compensação das vítimas do crime. Uma justiça focada apenas na punição do agente do crime, sem prestar a atenção devida aos efeitos e ao ressarcimento do sofrimento causado à vítima, é uma justiça incompleta. É preciso mudar de paradigma, é preciso começarmos a promover princípios da justiça restaurativa”, disse o juiz.
Luís Mabote defendeu que já não basta a aplicação da pena de prisão perante a prática de crimes organizados, defendendo serem necessárias outras sanções para desencorajar os infractores que usam os recursos para novos recrutamentos para o crime, que corrompe e fragiliza as instituições do Estado.
“Sem esse compromisso colectivo, até os melhores sistemas legais e as mais completas redes institucionais permanecerão ineficazes. Esta tarefa é de todos nós e a sociedade civil tem um papel decisivo nesta luta. Cabe à sociedade civil exigir transparência, informar o público e promover uma cultura de integridade”, disse o juiz desembargador do Tribunal de Recurso de Maputo.
A prisão já demonstrou que sozinha é ineficaz para debelar o crime organizado enquanto este permanecer com as vantagens ganhas. É preciso privar o crime organizado dos recursos económicos que acumula
No mesmo evento, o Ministério Público adiantou que os activos recuperados tendo em conta actos criminais, além de compensar as vítimas, poderão ser aplicados em projectos de desenvolvimento do País.
“A Procuradoria-Geral da República reconhece que, mais do que sancionar os infractores, é necessária a remoção da esfera do infractor de todo o benefício gerado pela prática do crime, colocando o agente do crime na situação em que estaria se o crime não tivesse acontecido”, disse Naftal Zucula, da Procuradoria-Geral da República de Moçambique (PGR).
Em 29 de Abril, a Lusa noticiou que o Gabinete Central de Recuperação de Activos em Moçambique apreendeu bens orçados em 4,4 mil milhões de meticais (68,9 milhões de dólares) em 2024, contra 1,3 mil milhões de meticais (20,3 milhões de dólares) no ano anterior.
Os dados revelados naquela data pelo procurador-geral Américo Letela indicam que, do total de bens apreendidos, 34 são imóveis, avaliados em mais de 4,2 mil milhões de meticais (65,7 milhões de dólares) e 183 são veículos, no valor de mais de 134 milhões de meticais (2,1 milhões de dólares).
“Ressaltamos a necessidade de aprovação de uma lei de confisco civil, como meio adicional de combate à criminalidade organizada e transnacional, retirando dos criminosos os proventos da sua actividade ilícita”, pediu Américo Letela, que apresentava o relatório anual de actividades da instituição.
Em Junho de 2024, o Ministério Público indicava que, só nos últimos dez anos, o País tinha recuperado quase três mil milhões de meticais (cerca de 46,9 milhões de dólares) em 11 mil processos de combate à corrupção, financiamento ao terrorismo e branqueamento de capitais.