A organização não-governamental Centro de Integridade Pública (CIP), que se dedica ao combate à corrupção, alertou que a actual crise financeira da companhia aérea estatal Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) está a pôr em risco a sustentabilidade da empresa Aeroportos de Moçambique (AdM), devido à “profunda relação de dependência” existente entre ambas, informou esta quinta-feira, 12 de Junho, a Agência de Informação de Moçambique.
Segundo uma investigação conduzida pelo CIP, esta interdependência poderá comprometer a “estabilidade do sector da aviação civil e amplificar os riscos fiscais assumidos pelo Estado”.
A LAM é responsável por mais de 40% das receitas aeroportuárias do País. No entanto, a sua incapacidade de converter essa contribuição em liquidez está a afectar negativamente a tesouraria da AdM, representando um sério risco para a sobrevivência da empresa nacional de aeroportos, indica o relatório.
Em 2023, a dívida da LAM ultrapassava os 4,8 mil milhões de meticais (75,1 milhões de dólares), dos quais 2,6 mil milhões de meticais (31,3 milhões de dólares) eram considerados irrecuperáveis devido a incumprimentos sistemáticos. O CIP alerta que qualquer redução no número de voos ou agravamento da situação financeira da LAM pode comprometer seriamente a capacidade da AdM para gerar receitas suficientes que cubram os seus custos operacionais e obrigações financeiras, mesmo mantendo uma gestão interna eficiente.
A situação é agravada pelas fragilidades estruturais crónicas da AdM. No final de 2023, a empresa apresentava capitais próprios negativos estimados em 1,2 mil milhões de meticais (18,8 milhões de dólares) e acumulava prejuízos superiores a 18 mil milhões de meticais (281,5 milhões de dólares), encontrando-se, assim, tecnicamente falida.
Segundo o CIP, essa fragilidade é ainda acentuada pelos investimentos em infra-estruturas aeroportuárias não rentáveis, que colocam em causa a sustentabilidade financeira da empresa. O Aeroporto Internacional de Nacala, na província de Nampula, destaca-se como um dos investimentos mais dispendiosos, sendo considerado economicamente inviável, com perdas operacionais superiores a 632,2 milhões de meticais (9,9 milhões de dólares) por ano. Também o Aeroporto Filipe Jacinto Nyusi, na província de Gaza, acumulou perdas de 294 milhões de meticais (4,6 milhões de dólares) nos seus dois primeiros anos de operação (2021 e 2022).

A análise indica ainda que, até 2023, a dívida total da AdM ascendia a 18,2 mil milhões de meticais (284,8 milhões de dólares), dos quais cerca de 9,6 mil milhões de meticais (150,2 milhões de dólares) estavam ligados à construção e manutenção do Aeroporto de Nacala. Destes, 57,8% são cobertos por garantias do Estado.
O Aeroporto de Nacala foi inaugurado em 2014 pelo então Presidente da República, Armando Guebuza, e, segundo o CIP, só foi construído devido ao pagamento de subornos. O Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) anunciou, em 2022, que estava a avançar com acusações formais contra o ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, por alegados subornos pagos pela construtora brasileira Odebrecht, com o intuito de garantir o contrato de construção do aeroporto internacional de Nacala.
De acordo com um comunicado do GCCC, reportagens publicadas em 2017 deram conta de “pagamentos indevidos” feitos pela Odebrecht, não só relacionados com a Zona Franca Industrial de Nacala (que inclui o aeroporto), como também com a construção de um novo terminal de carvão no porto da Beira. As investigações subsequentes resultaram na emissão de quatro mandados de captura, dois dos quais dirigidos a ex-ministros, incluindo Chang. Este foi formalmente acusado de corrupção, participação ilícita em negócios, abuso de cargo e branqueamento de capitais.
O GCCC não especificou o montante total dos subornos pagos. Contudo, uma investigação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos concluiu que os subornos pagos pela Odebrecht em Moçambique atingiram os 900 mil dólares.
Até ao momento, não foi definida qualquer data para o julgamento de Manuel Chang. Este encontra-se actualmente a cumprir pena de prisão em Nova Iorque, num processo distinto: o escândalo das “dívidas ocultas”, no qual mais de 2 mil milhões de dólares foram obtidos através de empréstimos fraudulentos contraídos por três empresas moçambicanas junto dos bancos Credit Suisse e VTB, em 2013 e 2014. Esses empréstimos só foram possíveis graças à emissão de garantias ilegais por parte do Governo, representado por Manuel Chang, em violação da Lei Orçamental e da Constituição da República.
O Aeroporto de Nacala acabou por se revelar um investimento dispendioso e de utilidade duvidosa. Actualmente, a LAM é a única companhia aérea com voos regulares para aquele aeroporto. Em 2014, previa-se que o aeroporto viesse a receber meio milhão de passageiros por ano. No entanto, não foram realizados estudos prévios que avaliassem a necessidade da infra-estrutura nem se existia interesse por parte de companhias internacionais em operar naquela rota. A expectativa de que companhias do Golfo utilizassem Nacala como plataforma para operações no continente africano revelou-se totalmente infundada.