O medo de uns pode ser o sonho de outros. Enquanto os viticultores de todo o mundo “perdem o sono” com medo de que as suas colheitas sejam atacadas por fungos, outros rezam para que isso aconteça. Na Hungria, o principal vinho, o Tokay (ou Tokaji) é produzido a partir de uvas podres atacadas pelo fungo botrytis cinerea, que cria um efeito conhecido como “podridão nobre” e deixa o sumo da fruta concentrado, resultando num vinho doce sem igual.
Este vinho, celebrado por várias personalidades ao longo da história da humanidade, é originário de Tokaj-Hegyalja, uma região no Nordeste da Hungria, rodeada pelas montanhas dos Cárpatos, nas margens dos rios Tisza e Bodrog, a cerca de 200 km de Budapeste. Em húngaro, a letra ‘j’ é pronunciada ‘i’. Por isso, quando se tornou popular, o Tokaji ficou conhecido como Tokay.
Não se sabe ao certo quando os vinhos Tokay começaram a ser produzidos. Uma história conta que, em 1650, a região estava em perigo de invasão pelo Império Otomano. Então, o responsável pela produção de vinho decidiu adiar a colheita, já que os muçulmanos condenavam o consumo de álcool.
Com o atraso, ocorreu um aparente infortúnio quando as uvas foram atacadas por fungos. Para não perder a colheita, os cachos contaminados foram separados e, só então, adicionados ao mosto feito a partir das uvas não afectadas. No ano seguinte, quando o vinho foi consumido, percebeu-se que a bebida era um néctar divino.
Tokay: “O vinho dos reis”
Tokay tornou-se, rapidamente, o vinho favorito de várias personalidades, como os músicos Beethoven, Rossini, Liszt, Schubert (que dedicou uma das suas famosas “lieder” ao vinho), Haydn e Johann Strauss (que menciona Tokay na ópera “Die Fledermaus”), por exemplo. Figuras literárias como Goethe, Alexandre Dumas, Bram Stoker (do clássico Drácula) e Friedrich Schiller (que menciona o vinho no livro The Piccolomini), entre muitos outros, também apreciavam o Tokay e imortalizaram a bebida nos seus poemas, livros e canções.
Reza a lenda que, em 1703, Luís XIV (rei da França de 1643-1715) recebeu algumas garrafas de Tokay de Ferenc Rákóczi II, príncipe da Transilvânia. O monarca gostou tanto que logo começou a ser servido na corte de Versalhes. O seu sucessor, Luís XV, também apreciador da bebida, ofereceu um copo a Madame de Pompadour, sua amante, e diz-se que proferiu a famosa frase: “Vinho dos reis, rei dos vinhos”, que continua a ser o slogan do Tokay até hoje.
Podridão nobre
O fungo botrytis ataca apenas algumas regiões privilegiadas do mundo (como os países da Europa Central) e é comum em locais com elevada pluviosidade e humidade, como a região húngara de Tokaj-Hegyalja. Lá, o clima, com o seu Verão muito quente, é perfeito para a proliferação do fungo. Ao atacar as uvas, o fungo perfura a casca, criando uma espécie de ‘peneira’ que permite que parte do líquido escorra, mas que acaba por deixar o açúcar em alta concentração na polpa restante.
Fonte: Revista Adega