Assinalou-se na quarta-feira, 5 de Junho, o Dia Mundial do Ambiente, uma data criada pelas Nações Unidas para sensibilizar governos, empresas e cidadãos para a necessidade de proteger o planeta. Este ano, a efeméride centrou-se na urgência de restaurar ecossistemas e combater a poluição provocada pelo uso excessivo de plásticos descartáveis.
No País, duas vozes reconhecidas do activismo ambiental — Carlos Serra Júnior, director da ONG Cooperativa Ambiental Repensar, e Regina Charumar, reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho na conservação — defenderam que o País enfrenta uma crise ecológica severa que exige medidas estruturais, imediatas e sustentadas.
Um retrato preocupante do País: lixo, poluição e destruição ecológica
Nas palavras de Carlos Serra Júnior, Moçambique vive uma situação ambiental crítica, que começa com “a baixa consciência ambiental” da população. “É um problema de fundo, alimentado pela ausência de uma educação ambiental sistemática e eficaz. Esta lacuna é a origem de muitos dos comportamentos nocivos que vemos no quotidiano, como o descarte descontrolado de resíduos ou o abate indiscriminado de árvores”, explicou.
Nas áreas urbanas, Serra destacou a “gestão deficiente de resíduos sólidos e líquidos”, sendo frequente que águas residuais domésticas sejam devolvidas ao ambiente sem qualquer tratamento. Esta realidade agrava os níveis de poluição, deteriora a qualidade da água e compromete a saúde pública. “Vivemos em cidades que crescem sem planeamento, ocupando zonas de risco — mangais, encostas, florestas costeiras —, com um impacto ecológico brutal”, afirmou o ambientalista.

Além da poluição atmosférica provocada pela queima de resíduos e combustíveis fósseis, Serra sublinhou a ameaça representada pelas práticas agrícolas insustentáveis nas zonas rurais, onde o uso intensivo de lenha e carvão como fonte de energia afecta a disponibilidade dos recursos florestais. “Cerca de 90% das famílias ainda dependem da lenha para cozinhar. Em algumas zonas, a escassez já é sentida e o preço do carvão disparou”, alertou.
Zonas costeiras sob ameaça: erosão, ocupação e perda de mangais
Regina Charumar, activista que recebeu o prémio “Voluntário da Sociedade Civil do Ano (2021)”, centrou a sua análise na realidade das zonas costeiras, nomeadamente Maputo e áreas vizinhas. “Estamos a perder os nossos mangais e as nossas protecções naturais contra a erosão costeira, por causa da urbanização desordenada e do abate indiscriminado de vegetação”, afirmou.
A activista acrescentou que a poluição provocada pela deposição desregrada de lixo nas praias e zonas ribeirinhas está a comprometer o ecossistema marinho e a segurança alimentar das comunidades. “É essencial restaurar ecossistemas como recifes de coral, florestas costeiras, pântanos e terras húmidas. Um ecossistema saudável é a primeira linha de defesa contra ciclones e inundações”, lembrou Charumar.
Desenvolvimento económico versus conservação: uma falsa dicotomia
Ambos os activistas rejeitam a ideia de que o crescimento económico e a conservação ambiental são objectivos incompatíveis. Para Regina Charumar, o problema está na ausência de regras claras e no incumprimento das leis existentes: “É possível explorar recursos naturais como gás, madeira ou carvão, mas tem de ser feito com base na sustentabilidade. Precisamos de pensar nas futuras gerações, respeitar os limites dos ecossistemas e assegurar que os recursos se possam regenerar.”
Serra, por seu lado, destacou que Moçambique tem já “uma nova política florestal e legislação adequada”, mas que falta ainda “vontade política e capacidade institucional” para aplicar a lei no terreno.
Comunidades locais como guardiãs do ambiente
Tanto Serra como Charumar insistem na centralidade das comunidades locais nos esforços de conservação. “São elas que vivem mais próximas dos ecossistemas, conhecem os ciclos naturais, mas muitas vezes não têm acesso a informação nem são incluídas nos processos de tomada de decisão”, disse Regina Charumar.

A activista sublinhou que é essencial educar, consciencializar e criar incentivos reais para que estas comunidades actuem como aliadas da conservação. “Quando percebem os benefícios, tornam-se defensoras activas da biodiversidade — e isso traz impactos positivos, como o acesso a receitas do turismo ou a produtos florestais não madeireiros, como o mel”, exemplificou.
Educação ambiental: o elo perdido
Ambos os activistas lamentam a fraca integração da educação ambiental no sistema de ensino. “A Política Nacional do Ambiente de 1995 já previa acções nesse sentido, mas quase nada foi feito”, criticou Serra, para depois acrescentar: “Temos uma Estratégia Nacional de Educação Ambiental pronta, mas ainda não aprovada. É urgente que o novo Governo a implemente.”
Regina Charumar reforça: “A educação ambiental é tratada como um tema extracurricular, mencionado apenas em datas comemorativas. É necessário integrá-la de forma contínua no currículo, desde o ensino primário até ao superior, para que se forme uma geração verdadeiramente consciente.”
Um apelo aos decisores e à sociedade
Para o Dia Mundial do Ambiente, os dois activistas deixaram mensagens claras e convergentes.
Carlos Serra Júnior apelou a uma mudança de paradigma: “Temos de parar de cortar e começar a plantar. Temos de gerir os nossos recursos de forma sustentável, restaurar os ecossistemas, reorganizar o território e investir na resiliência das comunidades. É agora ou nunca.”
Regina Charumar, por sua vez, dirigiu-se directamente aos decisores políticos e à sociedade: “Precisamos mais do ambiente do que o ambiente de nós. Que não se celebre apenas um dia, mas que se actue todos os dias. Que a educação ambiental deixe de ser um discurso político e passe a ser uma prioridade real. Está nas nossas mãos evitar o colapso.”
Texto: Nário Sixpene