Muito antes de o empreendedorismo ser um conceito em voga, já a ideialab desafiava o status quo. Em 2025, celebra 15 anos a transformar a ambição de milhares de jovens moçambicanos em acções transformadoras para o País.
Quinze anos depois de desafiar o status quo e apostar num conceito ainda pouco conhecido em Moçambique, a ideialab tornou-se uma referência incontornável no ecossistema empreendedor do País. Nesta entrevista, Tatiana Pereira e Sara Fakir, fundadoras da ideialab, revisitam os marcos, as conquistas e os desafios que moldaram o percurso desta empresa pioneira — e espreitamos o futuro que ainda ambicionam construir.
Quais foram os principais marcos e conquistas da ideialab desde a sua fundação, em 2010?
Se pensarmos que, em 2010, empreendedorismo não era um conceito comum no nosso vocabulário, se vivia um grande preconceito sobre o potencial dos jovens e das mulheres para empreender e que todos nos chamavam “loucas” por querermos deixar carreiras estáveis para apostar numa área que poucos compreendiam, para operar num ambiente de negócio complexo como o nosso, para atravessar uma pandemia… a maior conquista é ainda estarmos aqui, termos contribuído para pôr o empreendedorismo no mapa do nosso país, sermos o exemplo de uma micro empresa fundada por duas mulheres, que hoje é uma referência, está a crescer e continua focada no seu sonho de tornar Moçambique num lugar de empreendedorismo.
Como definiriam actualmente a ideialab e como evoluiu nestes 15 anos?
A ideialab é uma organização de apoio ao empreendedorismo. Acreditamos que tem o poder de transformar o mundo e que todos podem tornar-se empreendedores. Capacitamos pessoas, aceleramos a aprendizagem e o crescimento de empresas e contribuímos para o fortalecimento de ecossistemas, sociedades e economias mais resilientes, sustentáveis e inclusivas. Além disso, na ideialab colaboramos e partilhamos informações, conhecimento e metodologias com diferentes partes interessadas no ecossistema, co-criando soluções locais, inovadoras e escaláveis.
As actividades da empresa são realizadas por uma equipa multidisciplinar de quase 26 colaboradores e são apoiadas por fortes políticas e procedimentos em Monitoria, Avaliação e Aprendizagem (MEL), Administração e Finanças, Marketing e Comunicação e uma estrutura de gestão de projectos e qualidade. Ao longo dos anos a ideialab foi sendo reconhecida por diferentes instituições nacionais e internacionais: ganhou o “Prémio de Excelência e Impacto Organizacional 2020” pela Rede de Desenvolvimento Organizacional, o “Melhor Lugar para Trabalhar 2019” em Moçambique, e foi nomeada como um dos 50 principais Heróis Empresariais Africanos pela Fundação Jack Ma e AliBaba em 2020. Além disso, em 2024, a organização recebeu o prémio Navigators Award (ANDE), um reconhecimento do impacto no desenvolvimento do ecossistema e que reforça a nossa contribuição para a criação de empregos, fortalecimento de negócios e crescimento económico sustentável em Moçambique.
“É importante não ter uma visão romântica sobre a vida de empreender – requer muitos desafios pessoais e temos várias vezes vontade de desistir. São escolhas”
Hoje é credenciada internacionalmente pela Youth Business International (uma organização internacional que apoia o desenvolvimento do empreendedorismo em 60 países) e é membro da ANDE (Aspen Network of Development Entrepreneurs). A ideialab é uma empresa certificada pela ISO 9001:2015 e auditada por empresas de referência no mercado.
O nosso portefólio de clientes inclui o Governo de Moçambique, organizações multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, União Europeia, Banco Africano de Desenvolvimento, organizações bilaterais de desenvolvimento e embaixadas (RVO, GIZ, USAID) e empresas do sector privado (Standard Bank, Vodacom e outras), ONG nacionais e internacionais.
Quando fundaram a empresa, alguma vez imaginaram que chegariam a este ponto?
Nunca pensámos… aprendemos que os sonhos se constroem a caminhar, temos de nos manter focados no sonho, ser bastante resilientes (as adversidades do caminho são muitas) e estar sempre a aprender e inovar.
Temos imenso orgulho da ideialab, do nosso trabalho, da nossa equipa, da rede de pessoas, organizações e parceiros que construímos, do impacto que temos na vida das pessoas. Ao mesmo tempo, olhando para os desafios que temos vivido no País, temos cada vez mais certeza da pertinência do nosso trabalho e da urgência de se contribuir cada vez mais para termos uma nação mais empreendedora.
Há (penso ser indiscutível) uma impressão digital da ideialab no fortalecimento do ecossistema empreendedor moçambicano ao longo da última década e meia. Como é que se chega a isso?
Sim, temos uma história de impacto para o mostrar. Os programas da ideialab têm desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento de startups, PME e jovens empreendedores, promovendo uma transformação significativa no ecossistema empreendedor do País. Desde 2010, a ideialab tem sido um catalisador de mudança, oferecendo uma vasta gama de programas que acompanham os empreendedores em todas as fases da sua jornada, desde a geração de ideias até à expansão e sustentabilidade dos negócios.
Estes programas são cada vez mais diversificados, permitindo alcançar diferentes públicos-alvo, como mulheres e jovens, e sectores variados, incluindo o criativo, o verde e a agricultura. Entre 2023 e 2024, passaram pela ideialab mais de 11 000 pessoas, sendo 70% jovens e 48% mulheres, e 57% de fora de Maputo.
Destes, 4176 empreendedores foram capacitados nos programas de referência de Aceleração e Activação.
Assistimos a uma crescente diversificação dos sectores destes negócios, o mosaico é cada vez mais diversificado e colorido, tornando o ecossistema mais rico e dinâmico.
No último relatório, destacamos sectores como o empreendedorismo social, saúde, educação e tecnologia, com exemplos de sucesso como a Associação Chapateca, a Naturalle Beauty Clinic e o Tivane Game Studio, que ilustram a diversidade e inovação impulsionadas pelos programas.
Quais foram os maiores desafios enfrentados nestes 15 anos e que lições foram extraídas ao longo deste percurso?
Foram muitos! Começando por ter de validar que o espírito empreendedor pode ser estimulado, treinado, apoiado; educar o ecossistema (mercado, sociedade) sobre o empreendedorismo; desconstruir mitos e demonstrar o seu valor como um caminho de empregabilidade e para o desenvolvimento económico; e demonstrar que existe uma massa crítica de pessoas (jovens e mulheres) interessadas no empreendedorismo e, assim, validar que temos mercado.
Tudo isto para, depois, começar a construir um modelo de negócio sustentável e que tem as bases para poder crescer, nomeadamente manter sempre a visão e um propósito claro, construir uma metodologia que tem impacto, desenvolver uma equipa jovem, construir um “pequeno-grande” negócio. Estar sempre a apostar em aprendizagem e manter a inovação como uma parte do nosso ADN.
Os projectos que temos em carteira levaram, em média, cerca de 12 meses a serem vendidos. Logo, manter uma carteira de clientes e parceiros continua a ser um desafio constante. A burocracia continua a ser um entrave para a gestão do negócio. É importante não ter uma visão romântica sobre a vida de empreender – requer muitos desafios pessoais e temos várias vezes vontade de desistir. São escolhas! Por exemplo, só conseguimos ter férias dez anos depois. O peso e o tamanho da responsabilidade são cada vez maiores. Há ainda que motivar uma maior partilha entre pares.

De que forma esses desafios moldaram a forma como a ideialab actua hoje?
Somos uma organização com uma gestão ágil, que rapidamente aprende e se ajusta aos desafios do mercado.
Damos sempre o primeiro passo e aprendemos com as nossas falhas, mas nunca paramos de fazer, aprender e inovar. Temos uma metodologia centrada nas necessidades do empreendedor e do ecossistema.
A conversa é de empreendedor para empreendedor. Costumamos dizer que abraçamos os parceiros, não damos apenas apertos de mão. Para nós, pessoas, aprendizagem e impacto importam.
Quais são as prioridades da empresa nos próximos anos?
Entre 2021 e 2024, houve um notável aumento de 45% nas candidaturas, com 3933 candidatos a disputar apenas 1027 vagas disponíveis. O aumento das candidaturas aos nossos programas destaca a necessidade urgente de expandir as iniciativas dentro do ecossistema. Vamos continuar a focar-nos em jovens e mulheres, expandindo uma oferta diversificada, quer para startups, quer para empresas mais maduras. Continuaremos a apostar no digital, em negócios verdes e sustentabilidade, na indústria cultural e criativa e no desenvolvimento de conteúdo local.
Como pretende a ideialab continuar a inovar e a ampliar o seu impacto, tanto em Moçambique como a nível regional ou continental?
Temos três grandes objectivos para os próximos anos: apostar na melhoria contínua e inovação em tudo o que fazemos, focarmo-nos em aumentar a rentabilidade e produtividade, e criar conexões. Pretendemos intencionalmente ampliar o nosso foco para ter um maior impacto a nível de ecossistema, o que envolverá trabalhar em áreas como pesquisa, produção de conhecimento e advocacia, acesso a financiamento, replicar o nosso modelo em diferentes geografias e esferas de actuação. A inovação é alimentada pela nossa cultura interna e é vivida de formas diferentes, mas a base para isso vem de uma aposta grande em aprendizagem, na criação de parcerias e na criação de um ambiente onde todos podem.
Daqui a mais 15 anos, o que se pode hoje imaginar que será a ideialab ou, de outra forma, para onde gostariam que evoluísse?
A ideialab é uma organização muito dinâmica e vai, certamente, evoluir. Considerando a experiência e conhecimento que desenvolvemos nos últimos 15 anos, mais do que nos centrarmos nas necessidades dos empreendedores, queremos progredir e sermos mais activos e relevantes na dinamização do ecossistema.
Só assim conseguiremos ampliar o impacto e tornarmo-nos uma referência internacionalmente, como um hub de ecossistema – um conector de pessoas, conhecimento e recursos, que catalisa mercados e comunidades prósperas onde todos participam e beneficiam activamente. Vamos expandir o nosso alcance geográfico e áreas de actuação.
Texto: Pedro Cativelos • Fotografia: Mariano Silva