A guerra comercial entre EUA, China e UE está a alterar o mapa do comércio global. Para países como Moçambique, na periferia do conflito, mas dentro de cadeias de valor, os efeitos já ai estão.
A imposição de tarifas recorde — que nos EUA podem atingir 245% sobre produtos chineses — está a provocar uma desaceleração do crescimento mundial e a reduzir a procura por matérias-primas. Moçambique, cuja economia depende fortemente da exportação de recursos naturais como carvão, gás, alumínio e grafite, enfrenta uma queda nas receitas externas e uma pressão crescente sobre a balança comercial.
A incerteza geopolítica e comercial pode levar algumas das multinacionais que ponderam investimentos no País a reverem os seus planos, especialmente em sectores como a mineração, energia e agricultura industrial. Em Moçambique, onde o Investimento Directo Estrangeiro (IDE) é crucial para o crescimento económico, esta tendência pode ser uma séria ameaça para iniciativas estratégicas e obras de infra-estrutura essenciais.
Além disso, a maior presença de produtos excedentários no mercado africano, fruto do redireccionamento das exportações asiáticas, pode colocar em risco a competitividade da indústria local, exigindo medidas de protecção e uma resposta coordenada ao nível da política industrial.
Grafite no epicentro da turbulência
Em entrevista à E&M, a Câmara Moçambicana das Minas alerta para os impactos directos da guerra comercial no mercado da grafite, um dos minerais no cabaz de exportações estratégicas do País. De acordo com o director-geral da instituição, António Manhiça, os últimos anos têm sido marcados por uma redução acentuada nos volumes e valores exportados, devido a factores externos como a prática de “dumping” por parte da China, colocando no mercado grafite a preços abaixo do custo de produção. “Esta realidade afecta directamente a competitividade das nossas operações”, afirma Manhiça, sublinhando ainda as dificuldades logísticas, interrupções operacionais em zonas instáveis como Cabo Delgado e a exposição a eventos climáticos extremos, que agravam a instabilidade do sector mineiro.
Economistas ouvidos pela E&M alertam para os riscos de curto e médio prazo, mas sublinham que a actual conjuntura também pode representar uma oportunidade para Moçambique repensar o seu modelo económico
A grafite extraída em Balama, pela australiana Syrah Resources, é usada no fabrico de baterias para veículos eléctricos, incluindo os modelos da Lucid Motors (uma das grandes rivais da Tesla no mercado norte-amerciano de veículos eléctricos), que comprará 7 mil toneladas anuais de material a partir de 2026. Contudo, apesar do crescimento da produção — que poderá ultrapassar 329 mil toneladas em 2024, um aumento de 180% face ao ano anterior — Moçambique depende quase exclusivamente do processamento intermédio feito na China. Esta dependência reduz a capacidade do País de capturar valor local e de aceder directamente a mercados como os EUA ou a União Europeia. “Sem capacidade local de beneficiamento, o País permanece vulnerável a distorções externas e perde previsibilidade nas receitas de exportação”, alerta Manhiça.
Um problema que traz oportunidades
Em relação a uma perspectiva mais abrangente sobre o impacto das tarifas da administração Trump, economistas ouvidos pela E&M alertam para os riscos de curto e médio prazo, mas sublinham que a actual conjuntura também pode representar uma oportunidade para Moçambique repensar o seu modelo económico. A diversificação de mercados, a aposta em cadeias de valor locais e o incentivo ao processamento interno dos recursos são estratégias apontadas como cruciais.
“Estamos perante um equilíbrio delicado. Aquilo que se poupa com a importação de combustíveis, pode perder-se com a queda nas receitas das nossas exportações”, nota o economista Egas Daniel.
Já Clésio Foia alerta para a entrada crescente de produtos a preços reduzidos no mercado africano, resultado da sobreprodução internacional: “As cadeias de valor globais estão interligadas. Qualquer disfunção num extremo pode desestabilizar mercados periféricos. Moçambique não está imune.” Ambos os especialistas sublinham a necessidade de o País reforçar a resiliência económica, apostando em cadeias de valor locais, diversificação de mercados e melhoria das condições para atracção de Investimento Directo Estrangeiro (IDE).
A actual guerra comercial, embora desencadeada por interesses geopolíticos entre grandes potências, é também um teste à capacidade dos países periféricos de se adaptarem a um novo paradigma económico. Para Moçambique, o desafio será transformar os riscos em oportunidades — fortalecendo a sua estrutura produtiva, incentivando o processamento local e reposicionando-se nas cadeias de valor globais.
“Se não actuarmos agora, continuaremos a exportar riqueza bruta e a importar pobreza industrializada”, conclui Manhiça.
Texto: Felisberto Ruco • Fotografia: D.R.