Angola está entre os países mais afectados pelos cortes norte-americanos no combate global ao HIV/SIDA, que resultaram num aumento de incertezas e riscos relacionados com a disponibilidade e gestão de produtos para esse fim, segundo uma análise da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo informou a Lusa na quinta-feira (29), no levantamento denominado “Impacto dos cortes de financiamento dos EUA: uma visão geral sobre a disponibilidade de produtos para o HIV e os riscos de gestão”, focado na situação de 56 países até ao dia 28 de Abril, a ONUSIDA frisou que a suspensão repentina da assistência externa norte-americana resultou num aumento multifactorial nos riscos e desafios, especialmente no continente africano.
Angola, por exemplo, figura na lista de países com seis ou menos meses de stock de pelo menos um produto para teste de HIV. De acordo com a ONUSIDA – programa da ONU criado com o objectivo de encontrar soluções e ajudar nações no combate ao HIV/SIDA –, o país só tinha kits de teste confirmatórios Bioline – ensaio para a detecção diferencial e qualitativa de anticorpos – para o corrente mês de Maio. Na mesma lista constam também a República Democrática do Congo, Etiópia, Costa do Marfim, Guatemala e Ucrânia.
O relatório indica ainda que 23% dos 56 países analisados relataram seis meses ou menos de stock de preservativos – método de prevenção do HIV mais utilizado – ou Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) – medicamento tomado para prevenir a infecção pelo HIV.
“Isto acontece num contexto de declínio global de aquisição subsidiada e pelo sector público de preservativos, que diminuiu em média 30% em relação ao pico de aquisição registado em 2011”, frisa, na sua análise, a ONUSIDA.
Em alguns casos, as lacunas na disponibilidade de preservativos devem-se a problemas de acessibilidade, frequentemente associados à cessação de actividades de extensão e clínicas móveis que distribuíam este método entre grupos vulneráveis, como, por exemplo, no Lesoto, Maláui ou Sudão do Sul.
Além disso, 14% dos países têm seis ou menos meses de stock de, pelo menos, uma linha de medicamentos anti-retrovirais. Nações como o Brasil, o Botsuana, a Índia, o Cazaquistão, o Panamá ou as Filipinas reportaram um risco baixo a mínimo de escassez de anti-retrovirais, uma vez que os adquirem directamente com recursos nacionais.
O financiamento para anti-retrovirais provém de diversas fontes e a sua disponibilidade e entrega efectiva dependem de esforços bem coordenados das partes interessadas. Mesmo quando há produtos para o HIV no país, nem sempre chegam às unidades de saúde, gerando escassez para os pacientes, o que prejudica a confiança na continuidade do tratamento.
Desafios na gestão da cadeia de produtos e impacto dos cortes de ajuda dos EUA
Cerca de 46% dos países relataram problemas de gestão da cadeia de produtos de saúde. Nesse sentido, o grau de incerteza e preocupação pública quanto à disponibilidade contínua e ao acesso ao tratamento anti-retroviral gratuito aumentou significativamente. Já 18% das nações sinalizaram reacções públicas à incerteza, entre outras mudanças no comportamento individual em relação ao tratamento anti-retroviral.
Perante os cortes na ajuda proveniente dos Estados Unidos da América (EUA), as autoridades nacionais mobilizaram-se em prol de alocações orçamentárias suplementares para garantir a disponibilidade e a gestão de materiais para o HIV. Na sua análise, a ONUSIDA colocou Angola e Moçambique na lista de países que relataram desafios na gestão da cadeia de produtos e acções de mitigação.
Em relação a Angola, “embora haja stock de produtos para HIV no depósito regional, a logística está interrompida e foram registados casos de falta destes produtos numa das províncias apoiadas pelo PEPFAR” – o plano de financiamento dos EUA para enfrentar a epidemia global do HIV/SIDA.
Num panorama mais geral, “se o financiamento não for restaurado ou substituído, o progresso será perdido”, declarou a directora do CHEGAR – projecto responsável pelo transporte de produtos de saúde – no Tajiquistão, país que “perderá cerca de 60% do financiamento do seu programa de combate ao HIV” se os recursos dos EUA não forem repostos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, apresentará o seu relatório sobre o HIV perante a Assembleia-Geral, em Nova Iorque, na próxima quinta-feira (5).