Abrir empresas, registar propriedades online, resolver litígios em tempo útil: tudo é possível graças a reformas que permitiram a alguns países reescreverem as regras e conquistarem a confiança de investidores de todo o mundo.
Durante décadas, o ambiente de negócios em África foi muito associado à instabilidade das regras, burocracia excessiva e imprevisibilidade. Mas esta realidade tem vindo a mudar. Vários países adoptaram reformas legais e administrativas que permitiram reforçar a confiança dos investidores, melhorando os indicadores de competitividade.
Estas mudanças estruturais, embora nem sempre visíveis de imediato, têm contribuído para a criação de ecossistemas empresariais mais dinâmicos, eficientes e sustentáveis. Países como Ruanda, Ilhas Maurícias, Gana, Marrocos e África do Sul tornaram-se casos de estudo sobre decisões políticas bem orientadas, capazes de transformar economias emergentes em destinos atractivos para o investimento.
Ruanda apresenta resultados, apesar das críticas
Após o genocídio de 1994, o Ruanda iniciou um caminho de reconstrução institucional com medidas de eficiência administrativa. Apesar de, a nível político e de direitos humanos, o país ser criticado pela perseguição a opositores ao regime de Paul Kagame, a nível de reformas administrativas, o Ruanda tem conquistado aplausos. Uma das medidas estruturais consistiu em criar uma agência responsável por acelerar o desenvolvimento económico, entidade que centraliza todos os serviços ligados ao investimento.
Segundo o Banco Mundial, o Ruanda conseguiu reduzir drasticamente o tempo necessário para abrir uma empresa, de 43 dias em 2005 para menos de seis actualmente. A digitalização de processos como o registo predial e o licenciamento têm servido de exemplo.
Maurícias, estabilidade institucional e clima fiscal favorável
As Ilhas Maurícias lideram classificações de competitividade económica em África. O país implementou reformas judiciais, modernizou o registo de propriedades e criou um ambiente fiscal atractivo.
Vários países adoptaram reformas legais e administrativas e reforçaram a confiança dos investidores, melhorando os indicadores de competitividade
O sistema de registo de propriedades passou a ser administrado de forma centralizada, com procedimentos uniformizados em todo o país. Houve, igualmente, a introdução de um sistema electrónico de registo de propriedades, que permitiu a consulta de títulos e documentos legais online, bem como a redução do uso de papel e maior celeridade na tramitação.
Na área fiscal, introduziu-se a taxa única de 15% de imposto sobre o rendimento pessoal e corporativo. De acordo com o Índice de Liberdade Económica da Heritage Foundation, o país apresenta uma das economias mais livres de África, destacando-se pela eficácia administrativa e independência judicial.
Gana: segurança jurídica e estímulo ao empreendedorismo
O país reforçou o seu sistema jurídico com tribunais comerciais e plataformas digitais para registo empresarial. O Ghana Investment Promotion Centre (GIPC) atrai capital estrangeiro com incentivos focados em energia, agro-indústria e infra-estrutura. Por exemplo, atribui isenções fiscais para produtores independentes de energia, principalmente renováveis, e estabelece acordos de compra de energia garantidos pelo Estado para dar segurança jurídica aos investidores. Também facilita a obtenção de licenças para operadores através de parcerias com o Ministério da Energia e outros organismos.
Na agro-indústria, o Gana reduziu tarifas aduaneiras, eliminou impostos sobre importação de maquinaria agrícola e apoia a criação de zonas industriais agro-alimentares com infra-estrutura básica garantida pelo Governo.
Segundo o Banco Africano de Desenvolvimento, os programas de apoio às PME também têm sido essenciais para dinamizar o ecossistema empresarial.
Marrocos: zonas económicas e acesso ao crédito
Marrocos apostou na criação de Zonas Económicas Especiais e na simplificação de processos de construção e crédito. Os incentivos fiscais, considerados atractivos, incluem a isenção total de impostos sobre lucros por cinco anos, taxa reduzida de 15% após esse período, isenção de IVA (em certas importações) e de direitos aduaneiros sobre bens de capital e matérias-primas. É a Agência Marroquina de Desenvolvimento de Investimentos que promove o país como pólo de investimento. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) destaca Marrocos como referência no Norte de África.
África do Sul, reformas estruturais e mercado sofisticado
Apesar de enfrentar desafios internos, como falta de centrais para produção de energia eléctrica, a África do Sul continua a ser uma das economias mais industrializadas e diversificadas do continente. As mais recentes reformas visam atrair investimento através da liberalização do sector energético, melhorias na governação de empresas públicas e desburocratização de procedimentos aduaneiros. O InvestSA, uma plataforma de facilitação de investimento, tem procurado integrar, digitalmente, serviços para investidores, promovendo maior transparência e previsibilidade.
Desafios persistem, mas as lições são claras
Apesar dos progressos, muitos países africanos continuam a enfrentar problemas, muitos dos quais semelhantes aos de Moçambique, como corrupção, instabilidade política e capacidade institucional limitada. Ainda assim, há exemplos suficientes para demonstrar que reformas bem concebidas e sustentadas geram efeitos transformadores. São reformas que constroem relações de confiança, reforçam o conceito de Estado de Direito, criam condições reais para o crescimento sustentável e podem servir de lição para o início da transformação que se pretende em Moçambique.
Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R.