A Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) alertou para a gravidade da seca que afecta actualmente a albufeira da barragem, considerando tratar-se da pior dos últimos 40 anos e sublinhando o impacto directo sobre a produção de energia hidroeléctrica em Moçambique e na região austral africana.
Falando durante a conferência alusiva aos 50 anos da empresa, o administrador-executivo da HCB, Nilton Trindade, afirmou que a seca que se tem vindo a verificar desde 2023 impôs restrições incisivas na produção de energia, com consequências severas para as receitas da empresa e para a segurança energética nacional.
“Estamos com pouco mais de 24% da capacidade de armazenamento, com a quota da albufeira nos 306 metros. A produção hidroeléctrica encontra-se fortemente limitada, e os impactos fazem-se sentir não só internamente, mas também nos países vizinhos que dependem do nosso fornecimento”, advertiu.
Segundo dados técnicos partilhados durante a apresentação, a precipitação registada no período 2023–24 foi de apenas 649 milímetros, o valor mais baixo dos últimos 30 anos. A análise comparativa revela que o défice de afluência à albufeira, em relação à média histórica, atingiu 40%, superando o quadro de crise de 2015.
A barragem de Cahora Bassa depende actualmente de três fontes principais: 53% do caudal provém de Kariba (ZRA), 13% do sistema Kafue (ZESCO) e os restantes 34% da sua própria bacia hidrográfica, sendo o rio Luangwa responsável por 23% desse volume, sobretudo durante a época chuvosa.
“Nos períodos de seca, a dependência externa agrava-se. A escassez hídrica em Kariba e Kafue traduz-se imediatamente na nossa produção. Em 2024–25, enfrentámos o pior nível de afluência da história da barragem”, destacou Nilton Trindade.
O responsável apontou ainda que, face à elevada vulnerabilidade climática, torna-se urgente diversificar a matriz energética nacional. A HCB está, por isso, a desenvolver um projecto de central fotovoltaica com capacidade instalada de 400 MW, a ser implementado por fases.
Foram igualmente apresentados os projectos hidroeléctricos em fase de estudo, com destaque para a Central Norte (1245 MW), Pandaquia (1500 MW), Boroma (300 MW), Lupata (600 MW) e Xemba (1000 MW), que permitirão elevar a exploração da bacia do Zambeze dos actuais 15% para cerca de 20%, o equivalente a 6700 MW de capacidade instalada.
“A modernização das infra-estruturas, o reforço da monitorização hidrometeorológica e a adopção de modelos avançados de previsão climática são prioridades imediatas”, referiu o administrador, acrescentando que a articulação com os países vizinhos através do Joint Operations Technical Committee (JOTC) tem sido crucial para a gestão integrada em contexto de crise.
Apesar do cenário adverso, a HCB afirma manter a sua missão de assegurar o fornecimento contínuo de energia, ao mesmo tempo que aposta na resiliência e na inovação para enfrentar os novos desafios climáticos.

A Conferência decorre no âmbito da celebração dos 50 anos da HCB, uma das maiores infra-estruturas de geração de energia da África Austral. A empresa foi criada durante o período colonial português, com a construção da barragem entre 1969 e 1 de Junho de 1974. O enchimento da albufeira teve início logo após a conclusão da estrutura, e a operação comercial arrancou em 1977, com a entrada em funcionamento dos primeiros três geradores e uma potência de 960 MW. Actualmente, a capacidade é de 2075 MW.
Instalada numa estreita garganta do rio Zambeze, a albufeira de Cahora Bassa é a quarta maior do continente africano, com cerca de 270 quilómetros de comprimento, 30 quilómetros de largura máxima e uma área total de 2700 quilómetros quadrados. A profundidade média ronda os 26 metros.
A HCB é hoje uma sociedade anónima de direito privado, detida em 85% pela estatal Companhia Eléctrica do Zambeze, 7,5% pela portuguesa Redes Energéticas Nacionais (REN), 3,5% de acções próprias e 4% distribuídos por cidadãos, empresas e instituições moçambicanas.
A central emprega actualmente cerca de 800 trabalhadores e é considerada uma peça-chave no fornecimento de energia eléctrica ao País e à região, incluindo grandes consumidores como a Mozal, bem como operadoras energéticas de países vizinhos como África do Sul e Zimbabué, através da rede regional SAPP (Southern African Power Pool).
Texto: Felisberto Ruco