Às vezes, o segredo de uma viagem feliz é não ter expectativas. Foi o que aconteceu aquando da aterragem no aeroporto internacional de Seul. A ideia de que esta é uma cidade repleta de vida foi confirmada logo à saída do aeroporto. A hora tardia antecipava alguns desafios até chegar ao hotel. Mas, embora o domínio da língua inglesa esteja longe do consenso, foi fácil encontrar indicações sobre qual o transporte mais fácil de utilizar – o autocarro. Tudo pronto para a aventura?
Mais difícil foi confirmar quanto tempo seria preciso para chegar ao alojamento, por dois motivos: o trânsito permanente da capital e a localização do hotel – a quem for reservar, aconselho, desde já, que seja central.
Imagem de crescimento económico
Seul é o protótipo do filho curioso e bem comportado. A cidade é cuidada, limpa e quase sempre previsível. As vias largas e os logótipos de marcas de franchising internacionais repetem-se por quarteirões.
Fica visível o crescimento económico que começou durante a década de 1980, numa ascensão que nunca mais parou; no início do século XX, aquilo que é hoje a Coreia do Sul era uma das regiões mais pobres do mundo, um cenário que se alterou completamente. Actualmente, os sul-coreanos ocupam o quarto lugar na lista das maiores economias asiáticas.
O papel central do trabalho
Ao passear por Seul, com um olhar mais atento sobre os residentes, percebe-se quais pertencem às gerações que transformaram a Coreia do Sul num gigante da indústria, incluindo do sector tecnológico. Nalguns serviços, como os transportes públicos, essa geração que passou por 12 horas diárias de trabalho é claramente mais resistente (e quase impaciente) em relação àquilo que não domina, como a língua inglesa.
Vale a pena sublinhar que, há quarenta anos, a semana de trabalho de um trabalhador sul-coreano era a mais longa do mundo. No livro “Kim Ji Young, nascida em 1982”, de Cho Nam-Joo, pode ler-se um excerto que caracteriza o contexto laboral sul-coreano daquela altura: “Os salários escandalosamente baixos, por cada dia e noite de trabalho, o consumo excessivo de comprimidos de cafeína e a alta probabilidade de contraírem icterícia, compensaram o facto de poderem manter os irmãos rapazes na escola.”
Há, por outro lado, um esforço e empenho genuínos das gerações mais jovens. Isso também é visível: quando não dominam algum tema, investem numa solução.
Acordar cedo e cedo erguer…
A curiosidade e o bom comportamento da capital sul-coreana percebem-se na vida citadina: o metropolitano abre às 5:30 da manhã e, tal como a rede de autocarros, é bastante eficiente – aconselho vivamente a compra de um cartão recarregável que permite circular nos transportes públicos: facilita muito a vida.
A expansão da construção de arranha-céus é visível em qualquer quarteirão. Os últimos dados mostram que, em 2022 e 2023, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) sul-coreano foi superior aos (quase) vizinhos japoneses. Sinal de bom comportamento aliado a uma vontade desmedida em continuar a crescer.
A multiplicação de cafés e pastelarias
Após experimentar Seul durante uma semana, fiquei com um palpite de que a multiplicação de cafés e pastelarias (nacionais e de franchising) se deve a um consumo elevado de cafeína. Americanos, expressos, “latte”, “iced” ou com baunilha; a lista é infinita, quer seja para aproveitar o conforto de um café com um yakgwa (um bolo em forma de flor feito de mel, óleo de gergelim e farinha de trigo) ou como “takeaway”, a caminho de outro tipo de espaços, dedicados à exposição e demonstração de marcas nacionais que são gigantes globais, como a LG ou a Hyunday.
Há um conceito de restauração que ganha várias formas em Seul: a cafetaria livraria, tão bem retratada na obra de Hwang Bo-Reum, “Bem-vindos à Livraria Hyunam-Dong”. Eis um excerto: “Por fim, quando já não sabia para onde se virar, entre a livraria e os pedidos de café que começavam a amontoar-se, decidiu que estava na altura de procurar ajuda. Afixou vários avisos nas redondezas para recrutar um barista.”

História secular e moderna
Com uma história marcada pela Guerra Fria, os monumentos espalhados pela cidade prendem-se com o passado recente, como o Memorial da Guerra da Coreia do Sul, por entre os templos construídos antes dos anos 1000 e uma pincelada de cultura pop contemporânea. Neste último caso, um dos melhores exemplos é o Dongdaemun History & Culture Park, um espaço multidisciplinar numa estação de metro. Além de ter a imponência de ser assinado pela arquitecta Zaha Hadid, recebe diversos eventos culturais, como exposições, desfiles de moda, lançamento de produtos, fóruns e conferências. A construção começou em 2009 e foi oficialmente inaugurada a 21 de Março de 2014, acompanhando a designação de Seul como Capital Mundial do Design em 2010.
Circular por Seul
Percorrer a cidade a pé é quase obrigatório, assim como subir a alguns arranha-céus ou à torre de telecomunicação N Seoul Tower, marco icónico da cidade. É um dos locais imperdíveis onde é possível subir quase 600 degraus a pé. Para lá chegar, há um teleférico até ao topo do monte Namsan. Lá do alto percebe-se a extensão da cidade que acolhe 9 milhões de coreanos.
Quem optar por circular por transportes públicos tem à disposição a rede urbana coreana, bastante organizada, com um cartão (T-Money) que custa 5000 wons (cerca de 220 meticais) que dá acesso a todas as ligações. Pode ser comprado online e depois levantado no aeroporto, à chegada. É recarregável em qualquer loja de conveniência.
Viajar pela Coreia do Sul com wons no bolso é importante, já que há vários locais em que a única opção de pagamento é só em numerário. Depois das 17:00, algumas zonas da cidade ganham um encanto: os tons e os cheiros da comida de rua. Guarde alguns wons para uma das melhores zonas da cidade: o bairro Myeongdong. Além de ser o bairro ideal para fazer compras, aqui irá encontrar espetadas de queijo grelhado, churros de Oreo, polvo grelhado e muito mais.
Seul é cool. Não é parecido com Singapura ou Tóquio. Seul é cool porque é igual a si própria, com as suas crenças e a sua vontade de escrever a história, no seu tempo, e com as suas próprias personagens.

Texto: Eliana Silva • Fotografia: Istock Photo