O recém-eleito Papa Leão XIV (Robert Prevost), nascido em Chicago, EUA, pode sinalizar algo muito mais perturbador do que uma simples mudança de liderança espiritual. É um antigo missionário nas comunidades do Peru, um agostiniano. E, se o nome que escolheu diz alguma coisa, está a alinhar-se com uma das tradições mais ousadas da história do Vaticano – a defesa do trabalho face ao capital.
Há mais de um século, o Papa Leão XIII publicou a Rerum Novarum (“Das Coisas Novas”), uma posição inovadora da Igreja em defesa dos direitos dos trabalhadores. Com a desigualdade global a aumentar e o capitalismo cada vez mais moldado pela tecnologia, a chegada de um novo Leão não podia ser mais oportuna. Este Papa, ao contrário de muitos líderes políticos, pode estar pronto para dizer a única palavra que os bilionários temem: justiça.
Um pormenor curioso: o novo Papa é também adepto da equipa de basebol White Sox, da zona sul de Chicago, o que geralmente significa ter um amor inato por aqueles que lutam contra as adversidades. É uma identidade da classe trabalhadora, um sinal de fidelidade a bairros muitas vezes esquecidos.
Este pequeno detalhe revela algo mais profundo. Este Papa, tal como o seu homónimo de há mais de um século, pode enfrentar o antigo confronto entre capital e trabalho – não como uma parte neutra. Ajudar os pobres e os marginalizados é um princípio central do catolicismo, uma missão que o Papa Francisco reforçou. Mas o Papa Leão XIV pode ir mais longe.
O Vaticano troca um jesuíta por um agostiniano
Se os jesuítas são pesos pesados intelectuais – políticos, filosóficos e de âmbito global -, então o Papa Francisco era a personificação desta tradição. O Papa Leão XIV vem de uma linhagem espiritual diferente. Para além de ser natural de Chicago, é agostiniano.
Os agostinianos são mendicantes, como os franciscanos, os dominicanos e os carmelitas. São ordens construídas em torno de votos de pobreza e serviço. Não permanecem em clausura. Vivem nas cidades. Pregam, ensinam e prestam serviços no meio da vida, aos mais necessitados.
A tradição agostiniana baseia-se nos ensinamentos de Santo Agostinho de Hipona. A sua influência no pensamento católico, especialmente sobre a graça, a justiça e a comunidade, é imensa. Prevost dirigiu os agostinianos a nível mundial durante mais de uma década. Viveu nas comunidades do norte do Peru durante quase 20 anos. O seu ADN espiritual reflecte este legado: humildade radical, contemplação profunda e uma teologia que exige acção.
Este papa, tal como o seu homónimo de há mais de um século, pode enfrentar o antigo confronto entre capital e trabalho – não como uma parte neutra. Ajudar os pobres e os marginalizados é um princípio central do catolicismo, uma missão que o Papa Francisco reforçou. Mas o Papa Leão XIV pode ir mais longe
O nome papal Leão não é um acaso
A Rerum Novarum, publicada em 1891 pelo Papa Leão XIII, é uma das encíclicas mais importantes da história da Igreja. Foi a primeira posição formal da instituição sobre a dignidade do trabalho. Afirmou o direito dos trabalhadores a sindicalizarem-se e delineou responsabilidades tanto para o capital como para o trabalho.
Leão XIII não era marxista, mas condenou o capitalismo desligado da ética. É difícil imaginar os movimentos operários do final do século XIX e início do século XX sem esta viragem doutrinal da Igreja. De facto, a Igreja sempre foi mais progressista em questões laborais do que muitos políticos americanos, especialmente os conservadores. A Rerum Novarum não se limitou a permitir os sindicatos – encorajou-os. Quando os trabalhadores se organizam para proteger os seus salários, a sua saúde e a sua dignidade estão em sintonia moral com a doutrina católica.
Desde então, quase todos os papas têm reafirmado esta mensagem. João Paulo II apoiou o movimento Solidariedade na Polónia. Francisco pronunciou-se repetidamente sobre a exploração do trabalho. Para Papa após Papa, a organização dos trabalhadores é um direito humano. Na doutrina social católica, o piquete de greve é um território sagrado.
O novo Papa poderá deixar um legado para os direitos laborais
O Papa Leão XIV herda agora um mundo com novos obstáculos. Não são os magnatas do aço ou os reis dos caminhos-de-ferro, mas os senhores dos algoritmos e os fundos de private equity.
É nesse momento que surge um Papa que acredita nos bens comuns e na vida comunitária e que já sinalizou abertura a ideias como perdão de dívidas, direito à terra e até reparações.
Na Era Dourada, o primeiro Papa Leão enfrentou a Revolução Industrial. Este encara o colapso do contrato social mais recente. Os pobres continuam a ser descartáveis, talvez mais do que nunca.
Se nomes papais nunca são arbitrários, então o nome Leão XIV é um lembrete: o papel da Igreja não é apenas rezar diante do sofrimento, mas ficar ao lado dos que sofrem e lutar com eles e por eles.
Fonte: Forbes Brasil