A recente decisão do Governo sul-africano de duplicar o factor de carga previsto para as futuras centrais a gás — de 25% para mais de 50% — poderá representar uma pressão acrescida sobre a exploração e fornecimento de gás natural em Moçambique, particularmente nas regiões de Pande e Temane.
O anúncio foi feito pelo ministro da Electricidade e Energia da África do Sul, Kgosientsho Ramokgopa, durante a apresentação da previsão energética de Inverno da Eskom. Na ocasião, o governante sublinhou que o ajustamento da política visa não apenas responder a uma crise de abastecimento energético, mas também a um desafio económico estrutural. “Não estamos a resolver um problema de electricidade, estamos a resolver um problema energético e económico. Precisamos de responder à procura reprimida de gás”, declarou.
A medida surge num momento delicado para a região, quando se aproxima o chamado gas cliff — um cenário previsto para o final desta década no qual a África do Sul enfrentará uma queda abrupta no fornecimento de gás natural, à medida que se esgotam os recursos provenientes dos campos moçambicanos de Pande e Temane, actualmente explorados pela Sasol.
Face a este panorama, têm decorrido negociações sobre alternativas de abastecimento, incluindo a construção de terminais de importação de gás natural liquefeito (GNL) e de novos gasodutos. Dois dos principais projectos em desenvolvimento estão localizados em Maputo, capital moçambicana, e em Richards Bay, na província sul-africana de KwaZulu-Natal.
A nova política energética, ao elevar o factor de carga das centrais a gás para mais de 50%, poderá funcionar como um estímulo decisivo para a criação de infra-estruturas regionais de transporte e regaseificação. Analistas consideram que este nível de operação oferece uma base de procura estável, capaz de viabilizar os investimentos necessários para substituir o gás natural moçambicano por GNL importado.
Ramokgopa afirmou que a proposta inicial de 25% definida pelo operador do sistema eléctrico não seria suficiente para dinamizar o sector. “Estou aqui para anunciar uma posição de política do governo relativamente ao gás para produção eléctrica. O factor de carga não é 25%, é significativamente mais elevado”, reforçou.
Contudo, subsistem dúvidas quanto à aplicação imediata desta orientação. O concurso público do Programa de Aquisição de Produtores Independentes de Energia a Gás (GASIPPPP), cuja entrega de propostas foi adiada de Março para 31 de Outubro deste ano, baseia-se ainda na lógica de geração flexível, e não no novo modelo de operação intensiva. Tal poderá suscitar contestações legais por parte dos concorrentes que prepararam as suas propostas com base nas condições inicialmente estabelecidas.
Por outro lado, não foram divulgadas as implicações financeiras desta alteração, nomeadamente os custos para os consumidores finais de electricidade. Estes valores deverão ser tornados públicos, uma vez que terão de ser recuperados através das tarifas da Eskom, enquanto se mantiver o actual modelo de tarifação.
Ramokgopa indicou ainda que haverá alterações na política de preços da electricidade, com enfoque na acessibilidade económica, embora sem especificar prazos ou mecanismos concretos.
Para Moçambique, a nova política energética sul-africana representa simultaneamente uma ameaça e uma oportunidade. Se, por um lado, poderá acelerar a transição sul-africana para gás importado via GNL — reduzindo a dependência directa dos campos de Pande e Temane —, por outro, poderá também posicionar Moçambique como pólo logístico e energético regional, através do desenvolvimento de infra-estruturas em Maputo que sirvam tanto o mercado doméstico como os países vizinhos.
Fonte: Engineering News