Em 2022, 60% da população africana não tinha acesso à Internet. São necessários investimentos contínuos em infra-estruturas. Quem está a dar conta do recado e quem está a ficar de fora?
A digitalização da economia, em África, é um processo em ascensão, mas que enfrenta uma série de problemas. Apesar do crescente acesso à Internet e da expansão das redes móveis, a África Subsaariana sofre devido a uma infra-estrutura limitada, a um alto custo de acesso e à falta de competências digitais de grande parte da população. O Índice de Desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) de 2024, publicado pela União Internacional das Telecomunicações (UIT), faz um diagnóstico a 47 dos 54 países africanos com base em seis indicadores. Vamos analisar três deles.
Acesso à Internet
Segundo a UIT, o crescimento do acesso à Internet está associado à popularização dos telemóveis e à expansão das redes móveis. No entanto, a infra-estrutura ainda é um grande problema. Em áreas rurais, a falta de torres de telecomunicações e de electricidade fiável dificultam a expansão da cobertura. Por outro lado, as operadoras enfrentam altos custos de investimento. Isto faz com que a qualidade de serviço seja desigual. Há regiões com ligações lentas à Internet que nem sempre funcionam. A conectividade limitada tem impacto directo no desenvolvimento económico e social, uma vez que restringe o acesso a oportunidades de educação online, comércio digital e serviços de saúde remotos.
Preço da Internet
O custo da Internet continua a ser um dos principais entraves à inclusão digital em muitos países africanos. Embora os preços tenham caído nos últimos anos, o acesso ainda atinge valores proibitivos para grande parte da população devido ao reduzido rendimento médio. Segundo dados da Aliança para a Internet Acessível (A4AI, sigla inglesa), nalguns países, o custo de 1 GB de dados móveis representa mais de 5% do rendimento mensal de uma pessoa, muito acima da recomendação das Nações Unidas, que sugere que este custo não ultrapasse 2%. Além disso, os serviços de banda larga fixa ainda são inacessíveis para muitas famílias e limitados a áreas urbanas mais desenvolvidas.
Alguns países, como Ruanda e Gana, têm adoptado estratégias para reduzir os preços através de subsídios governamentais e promoção da concorrência entre operadores. No entanto, há monopólios nalguns mercados que impedem uma redução mais acelerada dos custos. Para superar esta barreira, a UIT sugere que a regulação do sector seja mais forte, incentivando a inovação tecnológica e expandindo iniciativas de Internet gratuita ou subsidiada para comunidades carenciadas.

Disponibilidade de telemóveis
A rápida disseminação de telemóveis em África revolucionou a comunicação e o acesso a serviços essenciais. Com mais de 80% da população ligada entre si com dispositivos móveis, muitos países africanos estão a utilizar esta infra-estrutura para impulsionar a inclusão financeira, a educação e os serviços de saúde. Por exemplo, o sucesso de sistemas de pagamento móveis como o M-Pesa, no Quénia (estendendo-se depois a outros países, como Moçambique), mostra como a tecnologia pode transformar a vida de milhões de pessoas que antes não tinham acesso a serviços bancários formais.
Noutra área, o uso de aplicações móveis está a facilitar o acesso à informação agrícola para pequenos produtores, melhorando os rendimentos
do sector rural.
Apesar destes avanços, persistem problemas como a falta de acesso a smartphones modernos devido ao seu custo elevado. Muitos utilizadores ainda dependem de telemóveis básicos, sem acesso à Internet, o que limita a adopção de serviços digitais avançados. “Para alargar os benefícios da conectividade móvel, governos e empresas precisam de promover programas de acesso a dispositivos mais acessíveis e expandir redes móveis para garantir cobertura de qualidade em áreas remotas”, recomenda a UIT.
Aprender com o melhor?
A Líbia lidera o ranking africano com 88,2 pontos em termos de digitalização dos serviços. Que factores tornaram este país numa referência, apesar das instabilidade que atravessou? E o que deve Moçambique reter e capitalizar? Primeiro, segundo a Statista, uma plataforma global de análise de dados, em 2023, o preço de 1 GB de Internet móvel na Líbia era de 0,82 dólares americanos, um dos mais baixos de África.
A IUT indica que, em Dezembro de 2022, o Governo líbio aprovou um plano estratégico para estabelecer uma rede governamental segura para o intercâmbio de dados. Esta rede funciona como pedra angular da estratégia de transformação digital, concebida para facilitar a comunicação eficiente e segura entre as entidades governamentais. Um exemplo de sucesso que Moçambique poderia estudar para aplicar nos diversos programas do Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação (INTIC) e Instituto Nacional de Governo Electrónico (INAGE). Já em 2023, a Líbia iniciou um projecto de transformação digital, modernizando todas as instituições e agências estatais. Esta iniciativa centra-se no reforço dos sistemas financeiros e económicos, na promoção do desenvolvimento sustentável e na garantia da estabilidade financeira. Através da implementação de soluções digitais avançadas, o projecto garante a precisão dos dados e simplifica os serviços públicos, reduzindo eficazmente os processos burocráticos.
“Para alargar os benefícios da conectividade, governos e empresas precisam de promover programas de acesso a dispositivos mais acessíveis e expandir redes móveis para áreas remotas”, União Internacional das Telecomunicações
Evitar problemas
O Chade está noutro extremo do ranking africano, com uma pontuação de 21,3. Em 2023, o preço médio de 1 GB de Internet móvel no país era de 4,09 dólares americanos, um dos mais elevados do continente. A população gasta uma parte significativa do rendimento mensal no acesso à Internet, o que impede que muitos cidadãos tirem proveito das oportunidades que a economia digital oferece.
A digitalização da economia enfrenta uma série de outros desafios críticos, com destaque para a fraca infra-estrutura digital. Apenas 28% da população tem acesso à Internet, um número muito abaixo da média global. A cobertura móvel é limitada, especialmente nas zonas rurais, onde o acesso é escasso ou inexistente. A penetração de banda larga fixa é extremamente baixa e as redes de fibra óptica são raras.
A par do elevado custo de Internet, segundo o Banco Mundial, a velocidade é também uma das mais lentas do continente, com um desempenho muito aquém dos padrões globais.
Além disso, há uma falta generalizada de competências. A literacia digital é limitada e há poucas iniciativas de formação tecnológica para desenvolver mão-de-obra para uma economia digital moderna. A maioria da população ainda está afastada das novas tecnologias.
O sector privado do Chade tem também dificuldades para adoptar tecnologias digitais. Muitas empresas locais ainda dependem de métodos tradicionais de operação, como a utilização de papel e processos manuais. A digitalização de serviços no sector público quase
não existe.
Até que ponto Moçambique está preparado para seguir o caminho da Líbia e evitar o do Chade? O futuro digital do País dependerá das escolhas feitas hoje. O caminho está aberto e cabe a Moçambique decidir como trilhá-lo.
Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R.