Vem este artigo a propósito da recente e inovadora inclusão, no currículo do MBA Global Entrepreneurship for Impact1 — no qual lecciono em Harare, no Zimbabué — do módulo “NF – Negócio Familiar”.
Os NF representam 80% das empresas privadas em África. No entanto, apenas 30% chegam à segunda geração e menos de 12% à terceira. Em contraste, na Europa 40% das empresas familiares atingem a segunda geração, enquanto na América do Norte esse número chega a 50%. O Japão destaca-se com mais de 60% de continuidade devido a estruturas sucessórias bem definidas.
Casos como o Dangote Group (Nigéria) e Shoprite (África do Sul) mostram que uma transição bem estruturada pode garantir a longevidade dos NF.
Neste artigo, desafio os meus leitores/as a responderem à seguinte questão: porque falha a sucessão nos negócios familiares e que estratégias poderão ser adoptadas para assegurar a continuidade?
1. Características dos Negócios Familiares
Os NF caracterizam-se2 por uma i) forte interligação entre a propriedade, a gestão e a cultura da família fundadora.
Esta relação pode ser um factor de ii) estabilidade e compromisso, mas também um desafio na continuidade da empresa, exigindo equilíbrio entre tradição e adaptação ao mercado.
A iii) identidade da empresa é profundamente influenciada pelos valores da família, o que influencia directamente a formação de estratégias, a tomada de decisões e iv) a maior dificuldade na abertura a investimentos externos.
Embora a v) centralização do poder possa tornar os processos mais rápidos e eficientes, pode igualmente vi) gerar resistência à inovação e dificultar a transição geracional.
A vii) proximidade entre família e negócio também pode levar a conflitos, sobretudo quando não existem regras claras para a gestão e sucessão, tornando essencial a implementação de uma estrutura organizacional bem definida.
As tensões familiares sobre o futuro da empresa representam um obstáculo que pode comprometer a estabilidade do negócio
2. A Visão dos Fundadores
De acordo com as expectativas dos fundadores de NF, estes encaram a sucessão como um momento decisivo, no qual a continuidade e a preservação do legado são prioridades. Acreditam que a nova geração deve manter os valores e princípios que sustentaram a empresa, respeitando a experiência adquirida ao longo dos anos. Para muitos, uma transição controlada e gradual é essencial, permitindo que o conhecimento seja transmitido de forma estruturada e sem rupturas abruptas.
Contudo, esse processo também traz inquietações. A perda de controlo sobre a empresa é um dos maiores receios, sobretudo quando há dúvidas sobre a capacidade dos sucessores em manter a visão estratégica. O declínio do negócio após a sucessão é uma preocupação constante, pois há sempre o risco de que mudanças na liderança resultem em decisões menos eficazes. Além disso, a possibilidade de conflitos familiares pode comprometer a estabilidade do negócio, especialmente quando há divergências sobre a sucessão e o futuro
da empresa.
Apesar desses desafios, muitos fundadores sonham ver o seu negócio crescer e adaptar-se às novas gerações, mantendo-se relevante no mercado. O desejo de construir um legado duradouro leva-os a preparar o caminho para que os seus sucessores possam inovar e expandir a empresa, garantindo a sua continuidade e impacto no futuro.
3. A Visão dos Herdeiros
De acordo com as expectativas dos herdeiros, assumir um negócio familiar representa tanto um desafio quanto uma oportunidade. Muitos desejam autonomia para inovar e modernizar a empresa, trazendo novas abordagens sem que isso signifique romper com a tradição estabelecida. A existência de um plano de formação estruturado e bem definido é vista como essencial para garantir uma transição suave e eficaz. Além disso, esperam que o processo sucessório decorra de forma transparente, sem favoritismos ou decisões arbitrárias que possam gerar tensões dentro da família.
Apesar do entusiasmo e da vontade de inovar, a sucessão desperta também inquietações. O medo do fracasso e da incapacidade de corresponder às elevadas expectativas da família e dos colaboradores pesa sobre muitos herdeiros. A resistência da geração anterior em aceitar mudanças pode dificultar a implementação de novas ideias e tornar o processo sucessório ainda mais desafiante. Além disso, as tensões familiares sobre o futuro da empresa representam um obstáculo significativo, pois a falta de alinhamento entre os membros da família pode comprometer a estabilidade do negócio.
Ainda assim, muitos herdeiros sonham com a sucessão como uma oportunidade para expandir o negócio para novos mercados e implementar práticas de gestão mais modernas e eficientes. O desejo de equilibrar tradição e inovação impulsiona-os a procurar novas formas de crescimento, garantindo que o legado familiar se mantenha relevante num cenário empresarial em constante evolução.
4. Principais Desafios na Sucessão de NF em África
A sucessão nos NF em África enfrenta desafios estruturais e culturais que comprometem a sua continuidade.
A i) ausência de um planeamento formal adequado impede que a transição seja feita de forma estruturada, resultando muitas vezes em instabilidade e desorganização.
A ii) cultura do “Black Tax”, onde os rendimentos do negócio são frequentemente utilizados para sustentar familiares em vez de serem reinvestidos, enfraquece a sustentabilidade financeira da empresa, dificultando o crescimento e a competitividade.
Além disso, iii) a predominância da economia informal torna o acesso a financiamento um grande obstáculo, limitando as oportunidades de expansão e inovação.
De acordo com a International Finance Corporation (IFC), 75% das falências de empresas familiares no continente resultam directamente da falta de um plano sucessório estruturado. Esta realidade demonstra a necessidade urgente de adopção de práticas de governação mais sólidas, que garantam uma transição geracional eficiente e sustentável.
5. Estratégias de Sucessão Bem-Sucedidas
Garantir a continuidade dos NF exige uma abordagem estratégica e bem estruturada.
O planeamento antecipado permite que a transição ocorra de forma gradual e bem preparada, reduzindo o impacto da mudança e aumentando as hipóteses de sucesso da nova liderança.
A profissionalização da gestão é igualmente essencial, assegurando que a administração da empresa seja baseada em competências e não apenas na ligação familiar, o que contribui para uma governança mais eficiente e sustentável.
A capacitação dos sucessores desempenha um papel determinante no sucesso da transição, sendo fundamental que adquiram experiência e conhecimentos antes de assumirem a liderança.
O recurso a programas de mentoria, orientação de especialistas e estágios dentro e fora da empresa pode preparar melhor os herdeiros para os desafios do mercado.
Além disso, uma sucessão bem-sucedida deve ser conduzida de forma gradual e transparente, evitando conflitos familiares e garantindo que todas as partes envolvidas estejam alinhadas quanto ao futuro do negócio.

6. Conclusão
Os negócios familiares (NF) em África desempenham um papel vital na economia do continente, mas enfrentam desafios estruturais que colocam em risco a sua continuidade.
A forte interligação entre a propriedade e a gestão, que caracteriza essas empresas, pode ser uma vantagem competitiva, mas também um obstáculo quando não há um plano de sucessão bem definido. A falta de planeamento sucessório tem sido uma das principais razões para a elevada taxa de mortalidade destes negócios, com apenas uma pequena percentagem a chegar à terceira geração.
Os fundadores de NF encaram a sucessão com um misto de expectativas e receios. Desejam que o seu legado seja preservado e que a empresa continue a crescer mas, ao mesmo tempo, temem perder o controlo e que a nova geração altere a visão estratégica.
Por outro lado, os sucessores enfrentam desafios próprios, incluindo a pressão para corresponder às expectativas da família e a dificuldade em introduzir inovação num ambiente tradicionalmente resistente à mudança. A existência de um plano de formação estruturado e a promoção de uma transição gradual são factores essenciais para evitar conflitos e garantir a sustentabilidade do negócio.
A ausência de um plano formal, a dependência da economia informal e o impacto do “Black Tax” são desafios que limitam a capacidade de muitas empresas familiares africanas se adaptarem e prosperarem. No entanto, exemplos como o Dangote Group e a Shoprite demonstram que uma abordagem estruturada, baseada na profissionalização da gestão e na transparência, pode aumentar significativamente as hipóteses de uma sucessão bem-sucedida.
Garantir a continuidade destas empresas exige a adopção de estratégias que incluem planeamento antecipado, capacitação dos sucessores e implementação de boas práticas de governação.
Diante desse cenário, a questão essencial que se coloca é: estará a sua empresa familiar preparada para enfrentar os desafios da sucessão e garantir um futuro sustentável para as próximas gerações?
1 Promovido pela The Catolic University of Zimbabwe, em cooperação com a Università Cattolica del Sacro Cuore (Milano).
2 Obras consultadas: SILVA, Marcelo “Empresas Familiares: A Construção da Perpetuidade” – Outubro de 2024. ISBN: 978-6555441234.
LOURENZO, Armando “Sucessão na Empresa Familiar” – Julho de 2022. ISBN: 978-6500464214.
PARREIRÃO, Luís “Empresas Familiares: Famílias Empresárias – Onde está o Substantivo?” – Setembro de 2022. ISBN: 978-9897028632.