Vem este artigo a propósito do escândalo da Volkswagen, conhecido como Dieselgate. Este é um exemplo notável de como o “capital confiança”, um dos activos intangíveis mais valiosos para qualquer organização, pode ser construído ao longo de décadas e destruído, ou seriamente abalado, em segundos.
Neste artigo, convido os meus leitores/as a responderem à seguinte questão: Pode a confiança, depois de quebrada, ser (re)conquistada?
Para complementar esta reflexão sugiro a leitura de um artigo que escrevi nesta coluna: “Parcerias Nascidas no CEO” 1.
De acordo com o Edelman Trust Barometer 2025, as empresas continuam a ser a instituição mais confiável globalmente, enquanto governos e comunicação social enfrentam uma erosão de confiança significativa. Entre os sectores, a tecnologia lidera com 75% de confiança, seguido pela saúde (68%) e educação (64%). Já o sector de energia fóssil enfrenta desafios maiores, com apenas 48% de confiança. Este cenário global reflecte a relevância estratégica da confiança como um diferencial competitivo.
1. O que é Confiar?
Na minha opinião confiar é:
- Uma escolha individual2 e voluntária
- que a cada momento vamos fazendo
- para, num contexto específico,
- sermos vulneráveis ao outro,
- assumindo riscos,
- baseados na expectativa de que o outro aja sempre de boa-fé (i.e., seja confiável).
A integridade, ou boa-fé, é um alicerce essencial. Manter a adesão a valores consistentes e praticá-los de forma coerente cria um sentido de segurança
2. Sinais de Confiabilidade3
Os líderes, organizações e marcas mais confiáveis partilham traços fundamentais que servem de base para construir e manter a confiança ao longo do tempo. A integridade, ou boa-fé, é um alicerce essencial. Manter a adesão a valores consistentes e praticá-los de forma coerente cria um senso de segurança. Aliada a isso está o compromisso: as pessoas confiam em quem demonstra dedicação, especialmente quando enfrentam desafios ou adversidades. A consistência também desempenha um papel crucial – acções previsíveis e confiáveis reforçam a confiança ao longo do tempo, como no caso do McDonald’s, que oferece uma experiência padronizada em qualquer lugar do mundo.
A competência é outro pilar indispensável. Ela demonstra a capacidade de desempenho eficaz e relevância, mas sempre específica ao contexto – uma pessoa pode ser confiável como professora, mas não como cirurgiã. Além disso, a empatia, que reflecte o cuidado genuíno com o bem-estar dos outros, cria conexões mais profundas, ao priorizar relações em vez de ganhos imediatos.
A clareza também é essencial: uma comunicação transparente sobre objectivos e benefícios inspira confiança, enquanto a ambiguidade gera dúvidas. O carácter, evidenciado pela adesão a princípios éticos e pela coerência em tempos difíceis, consolida a credibilidade. Por fim, a ligação e a contribuição são indispensáveis. Relações sólidas baseadas no respeito mútuo e a entrega de valor tangível fortalecem os laços de confiança, garantindo que expectativas sejam atendidas, ou até superadas.
3. Exemplos de sistemas baseados na Confiança
3.1. Sistema do “Bar da Honra”
O Bar da Honra, muito comum em hotéis e lodges boutique sul-africanos, é um exemplo clássico de um sistema puramente baseado na confiança, onde os clientes se servem de bebidas ou snacks e efectuam o pagamento de forma autónoma, sem supervisão directa. A simplicidade do conceito está na confiança de que os clientes pagarão o valor correspondente ao que consumiram.
Este modelo oferece vantagens claras. Do ponto de vista operacional, elimina a necessidade de empregados exclusivamente dedicados à cobrança, tornando o sistema mais eficiente. Além disso, reforça a reputação do estabelecimento, ao demonstrar uma relação de confiança com os clientes – um factor que pode gerar maior fidelidade.
3.2. O Caso Volkswagen – Dieselgate
3.2.1. A Ascensão: Um Império Construído Sobre a Confiança
A Volkswagen era amplamente reconhecida pela sua qualidade, inovação e compromisso com a sustentabilidade. Modelos como o Golf e o Passat personificavam eficiência e durabilidade, enquanto campanhas publicitárias destacavam motores a diesel como uma solução ecológica e sustentável. Esses esforços solidificaram a sua posição como líder de mercado, com índices como o de Confiança do Consumidor corroborando a sua reputação de excelência.
Porém, como nos ensina o ditado popular, “nem tudo o que reluz é ouro.”

3.2.2. A Queda – (Des)confiar: Quando a Confiança é Quebrada
Em Setembro de 2015, a Agência de Protecção Ambiental dos EUA (EPA) revelou que a Volkswagen utilizava software fraudulento para manipular resultados de emissões de poluentes em testes regulamentares. Durante a condução normal, os veículos emitiam até 40 vezes mais poluentes do que o permitido.
O impacto foi devastador: 11 milhões de veículos foram afectados, levando a multas bilionárias (mais de 30 mil milhões de euros), perda de 30% do valor das acções e uma crise de credibilidade sem precedentes. Consumidores, reguladores e investidores sentiram-se traídos, e a marca viu-se descredibilizada em rankings como o Edelman Trust Barometer.
A psicologia da confiança mostra que traições dessa magnitude activam reacções intensas de raiva e desconfiança, criando um ciclo difícil de reverter.
Como bem diz outro ditado, “a confiança é como um cristal: uma vez quebrado, jamais será o mesmo.”
3.2.3. Reconstruir: O Longo Caminho da (Re)confiança
(Re)conquistar a confiança exige mais do que palavras.
A Volkswagen embarcou numa transformação estratégica, adoptando medidas que vão desde a responsabilização, até à reinvenção corporativa.
- Reconhecer o erro e pedir desculpas: admitiu publicamente a sua culpa e criou fundos de compensação para os consumidores lesados, especialmente nos EUA.
- Investir em sustentabilidade: assumiu a liderança em veículos eléctricos, destinando mais de 70 mil milhões de euros à tecnologia limpa e comprometendo-se com a neutralidade carbónica até 2050.
- Reformular a governança: substituiu executivos e implementou políticas rigorosas de Compliance para evitar novos escândalos.
- Transparência e cooperação: trabalhou em conjunto com reguladores e criou programas de recall para corrigir veículos afectados.
- Reconectar com consumidores: campanhas focadas em responsabilidade e sustentabilidade foram lançadas para reconstruir relações com o público.
Porém, como sugere o ditado, “(re)confiar é como remendar uma roupa: pode funcionar, mas as marcas ficam.”
3.3. Impacto da Confiança nos Negócios
A confiança é um activo estratégico que transcende a reputação. Empresas lideradas por CEO confiáveis atraem 30% mais investimento e apresentam um retorno 106% superior para os accionistas, segundo a Harvard Business Review. Além disso, altos níveis de confiança reduzem o turnover em 50% e aumentam a produtividade na mesma proporção.
Marcas percebidas como confiáveis podem cobrar até 7% mais pelos seus produtos, e organizações com elevada confiança interna são 11 vezes mais inovadoras, como mostra a Forbes Insights. Além disso, 78% dos consumidores preferem empresas alinhadas a práticas ESG (Environmental, Social, and Governance), reforçando o impacto da confiança na sustentabilidade empresarial.
3.4. Conclusão
Neste artigo referi que a confiança é uma escolha individual e voluntária que a cada momento vamos fazendo para, num contexto específico, sermos vulneráveis ao outro, assumindo riscos, baseados na expectativa de que o outro agirá sempre de boa fé.
Como sinais exteriores da confiança referimos a integridade, o compromisso, a consistência, a competência, a empatia, a clareza, o carácter, a conexão e a contribuição.
Referimos que sistemas como o Bar da Honra, baseados em pura confiança, não só simplificam as operações, mas também contribuem para criar um ambiente acolhedor e transparente, promovendo uma experiência única que ressoa positivamente com os valores de confiança e autonomia.
Explorámos o ciclo da Confiança – Confiar, (Des)confiar e (Re)confiar – no caso Volkswagen-Dieselgate e retirámos várias lições: que a confiança é frágil e pode ser facilmente destruída, mesmo quando leva décadas a ser construída. Que práticas éticas e transparência não são opcionais; devem ser pilares inegociáveis. Além disso, que a inovação e confiança caminham juntas.
E concluímos ser possível reconstrui-la, mas tal exige muito tempo e acções consistentes – e apenas uma minoria de empresas conseguiu recuperar totalmente de crises reputacionais.
Lembre-se: a confiança não é apenas moral; é um motor económico. É a moeda mais valiosa que podemos oferecer. Invista nela com propósito e verá retornos não apenas em resultados financeiros, mas também em conexões mais sólidas, equipas mais motivadas, consumidores mais fidelizados e um impacto positivo duradouro. O desafio é ambicioso, mas o futuro pertence àqueles que inspiram e geram confiança continuamente.
1 https://www.diarioeconomico.co.mz/2020/12/30/opiniao/parcerias-nascidas-no-ceo/
2 Na filosofia Ubuntu, sintetizada na frase “Eu sou porque nós somos”, a confiança é vista como uma teia comunitária. Esta visão contrasta com sistemas ocidentais, que frequentemente priorizam o individualismo.
3 E, pela negativa, de falta de confiabilidade.