Nos últimos anos, Moçambique tem enfrentado desafios económicos significativos que influenciam directamente o desenvolvimento e a estabilidade financeira. Em 2024, o País registou um crescimento a rondar 4%, contrastando com as previsões do Governo, que previam taxas em torno de 5,5%. Por outro lado, a dívida pública continua a ser uma preocupação premente. Embora a relação dívida/PIB tenha diminuído ligeiramente para 93,7%, em 2023, o País ainda é classificado em “alto risco” de sobreendividamento pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Paralelamente, Moçambique está a dar passos significativos em direcção à transformação digital. A Huawei Technologies, por exemplo, está a conduzir testes para a implementação da tecnologia 5G no País, visando revolucionar a conectividade e impulsionar sectores estratégicos como aeroportos, portos e mineração. Actualmente, cerca de 75% do território nacional possui acesso à rede móvel com a meta de atingir 90% até 2025.
Vemos destacada a dualidade do cenário moçambicano: enquanto enfrenta desafios económicos e fiscais significativos, o País também está a investir em avanços tecnológicos que podem servir como catalisadores para um crescimento sustentável e inclusivo nos próximos anos.
Enquanto enfrenta desafios económicos e fiscais significativos, o País também está a investir em avanços tecnológicos que podem servir como catalisadores para um crescimento sustentável e inclusivo nos próximos anos
Tecnologias para a digitalização
Para acelerar este processo e alinhar Moçambique às tendências mundiais, seguidas por países da vanguarda da transição digital, é fundamental adoptar uma estratégia robusta de investimentos em tecnologia. A digitalização não é apenas uma questão de inovação, mas um elemento essencial para impulsionar o crescimento económico, melhorar a competitividade e ampliar a inclusão social. Dentre os eixos prioritários destacam-se:
- Banda larga e conectividade: a ampliação da infra-estrutura de telecomunicações, com a expansão das redes 4G e a implementação do 5G, é crucial para transformar diversos sectores estratégicos. No sector financeiro, a conectividade melhorada facilita o crescimento das fintechs e serviços bancários móveis, permitindo maior acesso da população a transacções digitais. Na saúde, possibilita a telemedicina, melhorando o atendimento em regiões remotas. Já na educação, amplia o acesso a plataformas de ensino à distância, reduzindo barreiras geográficas e promovendo maior qualificação profissional.
- Computação em nuvem: a adopção de soluções baseadas na ‘cloud’ permite que empresas, governos e ‘startups’ operem de forma mais eficiente e segura, sem a necessidade de investimentos elevados em infra-estrutura física. Modelos de computação em nuvem democratizam o acesso a serviços de alta performance, viabilizando soluções de inteligência artificial, análise de ‘big data’ e armazenamento de informações estratégicas, com custos reduzidos.
- Cibersegurança: com a crescente digitalização, a protecção de dados tornou-se numa prioridade. O desenvolvimento de uma estrutura sólida de segurança cibernética é essencial para garantir a resiliência digital, proteger sistemas governamentais e empresariais e promover a confiança dos cidadãos no ambiente digital.
- Pagamentos digitais e fintechs: a modernização do sector financeiro é um dos principais motores da inclusão digital. A popularização de carteiras digitais, pagamentos electrónicos e plataformas fintech tem o potencial de reduzir a dependência de serviços bancários tradicionais, facilitando o acesso da população não bancarizada a transacções financeiras. Além disso, o fortalecimento deste ecossistema estimula o comércio electrónico e a inovação em produtos e serviços financeiros. Na África do Sul, por exemplo, a implementação de redes 5G tem fortalecido os serviços financeiros digitais, mostrando um caminho viável para Moçambique em direcção à transição digital.
Barreiras para a transição digital
Moçambique enfrenta uma série de desafios únicos para a transição digital, reflectindo tanto barreiras estruturais quanto questões económicas e sociais:
- Conectividade e inclusão digital: a penetração de banda larga móvel em Moçambique atingiu apenas 30%, em 2021, significativamente abaixo da média regional – por exemplo, na África do Sul, a taxa supera 50%. Isto é reflexo de uma infra-estrutura de telecomunicações limitada, com redes de alta velocidade concentradas em áreas urbanas. Segundo o Banco Mundial, aproximadamente 2 milhões de pessoas em vilas rurais ainda vivem sem cobertura móvel, o que perpetua disparidades sociais e limita o acesso a serviços públicos e oportunidades de emprego digital.
- Acessibilidade e alfabetização digital: embora os preços de acesso à Internet estejam em queda, o custo de 1GB de dados ainda representa 8,7% do rendimento médio mensal em Moçambique, muito acima do padrão global de 2%. A falta de dispositivos acessíveis também é uma barreira: em 2021, um ‘smartphone’ de entrada custava cerca de 39,8% do rendimento mensal, tornando-o inalcançável para a maioria. Este cenário é agravado pela baixa literacia digital, especialmente em regiões rurais e entre grupos marginalizados.
- Governança digital: a governança das comunicações é fragmentada, com múltiplas agências a desempenharem papéis sobrepostos. A rede GovNet, que fornece conectividade para Ministérios e departamentos, sofre de baixa qualidade e altos custos, forçando o Governo a procurar soluções alternativas a um preço elevado. Modernizar esta infra-estrutura e consolidar a governança de dados permitiria maior eficiência operacional e segurança.
- Cibersegurança e protecção de dados: com a crescente digitalização, a segurança cibernética tornou-se crítica. Em 2023, o Governo avançou na regulação de serviços digitais, mas o País ainda carece de uma legislação abrangente para crimes cibernéticos e protecção de dados.
- Inclusão financeira digital: embora a adopção de carteiras digitais esteja a crescer, menos de 35% dos adultos tem contas bancárias. Isso limita o potencial de serviços como o ‘e-commerce’ e pagamentos online.

Soluções e caminhos para o futuro
- Investir em infra-estrutura digital: a infra-estrutura inadequada permanece uma barreira central. Modelos de financiamento misto, que combinam capital público e privado, podem viabilizar a expansão da conectividade em regiões remotas. O País pode procurar parcerias com iniciativas globais como a Starlink, que já melhorou a conectividade em áreas rurais em vários países. Além disso, a adopção de tecnologias de acesso livre, como redes abertas RAN (Open Radio Access Network), pode reduzir os custos de implantação e manutenção.
- Ampliar a literacia digital: a capacitação é fundamental para garantir que os cidadãos possam usufruir plenamente dos benefícios da digitalização. Programas educacionais devem ser implementados desde os níveis primários, com foco em populações vulneráveis, incluindo mulheres e jovens em áreas rurais. Moçambique pode inspirar-se em iniciativas como a Code Club, no Uganda, que ensina competências digitais a crianças em escolas locais.
- Implementar reformas regulatórias: regras claras para a cibersegurança e protecção de dados são cruciais para criar um ambiente de confiança. A experiência de países como a Estónia, pioneira em identidade digital, demonstra que legislação moderna e integrada pode transformar a relação entre o Governo e os cidadãos, tornando os serviços públicos mais eficientes e seguros. Em Moçambique, uma estratégia similar, que promova a interoperabilidade de sistemas e a protecção de dados pessoais, fortalecerá a governança digital.
- Fomentar o ecossistema de inovação e empreendedorismo: a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento de ‘startups’ tecnológicas exige incentivos fiscais e políticas de apoio a pequenas e médias empresas. A parceria com incubadoras de empresas regionais e a facilitação de acesso ao capital de risco podem estimular soluções inovadoras locais.
- Desenvolver soluções para a inclusão financeira: expandir o acesso aos serviços financeiros digitais deve ser uma prioridade. Parcerias entre bancos tradicionais e ‘fintechs’ podem criar produtos mais acessíveis, como microcrédito digital e poupança electrónica. Além disso, a promoção de campanhas de educação financeira digital ajudaria a aumentar a adesão a essas ferramentas.