A 1 de Janeiro de 2018, Moçambique adoptou a legislação em matéria de preços de transferência (RPT – Regime de Preços de Transferência), que exige que, quando uma parte efectua transacções com uma parte relacionada (operação vinculada), o rendimento tributável resultante deve estar de acordo com o princípio da plena concorrência. Em termos simples, o princípio significa que, quando uma pessoa realiza uma transacção com uma parte relacionada, as partes devem realizá-la como se não o fossem (operação não vinculada).
Nas operações não vinculadas, o preço dos bens ou serviços fornecidos é determinado pelas forças de oferta e procura, enquanto nas operações vinculadas é determinado pela relação especial que existe entre as partes. Existe uma tendência em adoptar uma política de preços de transferência que responda a uma estratégia de grupo e que não esteja totalmente consistente com as tendências de mercado.
De acordo com o princípio da plena concorrência, uma operação vinculada pode ser testada quanto à conformidade com o princípio da plena concorrência, comparando-a com uma operação não vinculada semelhante, realizada em circunstâncias semelhantes. O artigo 9 do RPT estabelece que os seguintes cinco factores de comparabilidade devem ser considerados (na medida em que sejam economicamente relevantes para os factos e circunstâncias das transacções) ao testar se uma operação vinculada é comparável a uma operação não vinculada:
- As caraterísticas dos bens ou serviços transaccionados;
- As funções desempenhadas por cada parte em relação às transacções em causa;
- Os termos contratuais das transacções;
- As circunstâncias económicas nas quais as transacções ocorrem;
- As estratégias de negócio adoptadas por cada uma das partes relacionadas em relação às transacções.
A análise de comparabilidade é, portanto, a pedra angular do princípio da plena concorrência. Trata-se de um processo de pesquisa pelos elementos de comparação não controlados mais fiáveis, para testar a natureza de plena concorrência das transacções controladas. Um processo fundamental desta análise é o estudo de referência (benchmarking), que implica encontrar empresas que realizam actividades similares às da empresa para a qual deve ser estabelecida uma remuneração de plena concorrência.
“Em Moçambique, não há resultados financeiros de empresas disponíveis ao público que possam ser usados para comparar transacções entre partes relacionadas. Portanto, não há informação sobre entidades moçambicanas nas bases de dados comerciais”
Que informação utilizar?
As bases de dados de benchmarking licenciadas, tais como a Orbis do provedor Bureau Van Dijk, reúnem dados financeiros sobre essas empresas de países que dispõem de dados financeiros fiáveis e públicos. É aqui que começam os desafios em relação à análise de comparabilidade. A opção preferencial é a utilização de dados comparáveis não vinculados situados no mesmo mercado geográfico em que ocorreu a operação, uma vez que circunstâncias económicas semelhantes constituem um factor-chave numa análise de comparabilidade. Moçambique não possui resultados financeiros de empresas disponíveis ao público que possam ser usados para comparar transacções entre partes relacionadas e, portanto, não há informação sobre entidades moçambicanas nas bases de dados comerciais.
Na prática, confiamos em estudos de benchmarking baseados em empresas residentes em países que possuem o mesmo perfil de risco do país onde a transacção que estamos a analisar ocorre. Infelizmente, os países com o mesmo perfil de risco e circunstâncias económicas semelhantes a Moçambique também são escassos em informação pública, pelo que esta abordagem também não resolve o desafio que se verifica em Moçambique.
Realidades distintas
As bases de dados comerciais contêm principalmente informação financeira de empresas de países com economias desenvolvidas, como, por exemplo, países europeus. Assim, temos de confiar em estudos de benchmarking baseados em dados de empresas que podem não ter qualquer relevância para as circunstâncias económicas de Moçambique – não é realmente comparar “maçãs com maçãs.”
Mas será que esta limitação isenta as empresas em Moçambique de cumprir com os requisitos de preços de transferência relativamente à demonstração do princípio da plena concorrência? Ou será que, mesmo feita uma demonstração com comparáveis de outros países, a Autoridade Tributária pode rejeitar a análise? Estas questões são comuns.
Os resultados financeiros das empresas de outros mercados geográficos podem não ser totalmente comparáveis com os de empresas que operam no mercado moçambicano. É provável que os indicadores do nível de lucro testados possam situar-se abaixo ou acima dos intervalos de plena concorrência (intervalo interquartil). Neste sentido, são necessários ajustamentos para eliminar as diferenças em relação a comparáveis de outros países onde as circunstâncias económicas são diferentes. As abordagens aos ajustamentos são variadas. Actualmente, não existe um método amplamente aceite. No entanto, existe uma abordagem muito comum e que tem sido bem aceite: ajustar o risco de país, adicionando um prémio (ou desconto) ao indicador do nível de lucro testado dos comparáveis. Mas é importante considerar outras soluções.
Moçambique é um país com circunstâncias económicas bastantes específicas, invalidando estudos de benchmarking através do uso de bases de dados externas comerciais por não existirem empresas comparáveis noutros países, i.e., com o mesmo tipo de actividades e funções. Tendo em conta os desafios acima referidos, quais seriam outras soluções?

Criação de uma base de dados local
A promoção, por parte do Governo, do desenvolvimento de bases de dados locais pode representar um grande desafio, mas acreditamos que é algo que pode ser feito, por exemplo, através de incentivos fiscais.
Acordos prévios sobre preços
Um acordo prévio sobre Preços de Transferência (APTT) é um mecanismo habitualmente usado e previsto a nível internacional. Consiste na celebração de acordos entre as autoridades fiscais e os contribuintes, antecipadamente e por um determinado período, definindo um conjunto de critérios para a determinação de preços de operações vinculadas, com vista a assegurar a sua conformidade com o princípio da plena concorrência.
Os APPT proporcionam um certo nível de certeza nalgumas transacções difíceis de avaliar ou testar, evitando assim litígios. Embora seja comum noutras jurisdições fiscais, Moçambique ainda não adoptou a utilização de APPT. A criação de legislação clara poderia trazer mais segurança jurídica e reduzir disputas fiscais.
Acordos de “porto seguro”
No contexto dos preços de transferência, os “portos seguros” são disposições legislativas que se aplicam a uma categoria de contribuintes ou de transacções, isentando (os contribuintes ou as transacções) de certas obrigações (por exemplo, análise dos testes de benchmarking) impostas pela legislação nacional em matéria de preços de transferência. O “porto seguro” tornaria os encargos de conformidade menores para os contribuintes afectados. Os nossos países vizinhos já incorporaram a legislação de “porto seguro” na sua legislação em matéria de preços de transferência e aliviaram alguns encargos. Nesse sentido, é necessário trabalhar em conjunto com o Ministério das Finanças para gerir estes desafios e implementar melhorias.