A Confederação das Associações Económicas (CTA) defendeu a necessidade de acelerar a aprovação de crédito para garantir que as empresas afectadas pelos protestos violentos registados nos últimos meses tenham acesso célere aos fundos disponibilizados pelo Governo. A posição foi manifestada pelo director-executivo da CTA, Eduardo Sengo, no dia 28 de Fevereiro, durante uma entrevista à imprensa, no âmbito do evento onde o Governo e a Associação dos Bancos anunciaram a criação de uma linha de crédito bonificada no valor de 156 milhões de dólares (10 mil milhões de meticais).
O objectivo desta linha de crédito é apoiar as empresas severamente afectadas pelos protestos pós-eleitorais que ocorreram no final de 2024. No entanto, Sengo alertou que, apesar do financiamento ser significativo, as condições associadas podem limitar o seu impacto.
“O fundo de 156 milhões de dólares é importante para apoiar o resgate das empresas que estão em dificuldades. No entanto, as condições associadas ao crédito podem não ser as mais adequadas para todas as empresas afectadas”, afirmou.
Segundo Eduardo Sengo, as medidas anunciadas pelo Governo dividem-se em duas componentes principais. A primeira é a linha de financiamento de 10 mil milhões de meticais, que terá uma taxa fixa de 15% no primeiro ano e será ajustada nos anos subsequentes. A segunda componente envolve a reestruturação dos empréstimos já existentes para empresas que foram directamente afectadas pelas manifestações violentas.
Para a CTA, a taxa de 15% pode não ser a mais adequada para um fundo de resgate empresarial
“Esta taxa pode ser viável em condições normais, mas para empresas que procuram recuperar-se de perdas severas pode ser excessivamente elevada”, explicou. Sengo sugeriu que a taxa de juro deveria estar mais alinhada com a taxa de referência do Banco de Moçambique, que se situa nos 12,5%, com uma margem ajustada de 2,5 pontos percentuais.
Outro aspecto destacado foi a definição de Pequenas e Médias Empresas. Na legislação moçambicana, qualquer empresa com mais de 100 trabalhadores é considerada uma grande empresa, mas a CTA considera que esta classificação pode não ser adequada para determinados sectores.
“No sector agrícola, por exemplo, uma empresa pode ter mais de 100 trabalhadores e ainda assim enfrentar dificuldades financeiras significativas. É necessário rever estes critérios para garantir que mais empresas possam beneficiar desta linha de crédito”, sublinhou Sengo.
CTA alerta para morosidade na aprovação de crédito
A CTA manifestou preocupação com o tempo que os bancos levam para aprovar créditos, alertando que, se o processo não for acelerado, muitas empresas poderão não ter acesso ao financiamento dentro do prazo estabelecido.
“Nos anos anteriores, os bancos realizavam até dois conselhos de crédito por semana. Hoje, em muitos casos, realizam apenas um por mês, o que pode comprometer a celeridade na aprovação dos financiamentos”, afirmou Sengo.
O director-executivo alertou que, se mantido o actual ritmo de análise e aprovação, muitos pedidos poderão não ser atendidos até Setembro, prazo estabelecido para a implementação da linha de crédito.”O tempo médio de aprovação de um crédito pode levar entre dois a três meses. Isso significa que, até Setembro, muitas empresas poderão não ter uma resposta, o que compromete a sua recuperação”, acrescentou.
Para evitar atrasos, a CTA recomendou que os bancos aumentem a frequência das reuniões dos conselhos de crédito ou criem equipas específicas para tratar dos processos desta linha de financiamento.
Dificuldades no acesso ao crédito e risco de exclusão de empresas
A CTA também alertou que muitas empresas que poderiam beneficiar desta linha de financiamento perderam património durante os protestos, o que pode dificultar a apresentação de garantias para os empréstimos. “Muitas destas empresas enfrentam dificuldades para apresentar garantias, o que pode tornar este financiamento inacessível para quem mais precisa”, advertiu Sengo.
A CTA defendeu que, em contextos de recuperação económica, os fundos deveriam ser canalizados por meio de mecanismos alternativos, e não exclusivamente através da banca comercial. “Os bancos comerciais têm de gerir o risco e a rentabilidade, o que pode limitar a eficácia de um pacote de resgate. Idealmente, este tipo de financiamento deveria vir de fundos alternativos, tal como aconteceu durante a pandemia da covid-19”, argumentou Sengo.

Na altura, Moçambique implementou uma linha de crédito gerida pelo Banco Nacional de Investimento (BNI), com uma taxa de juro de 7%, financiada pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Para a CTA, este modelo poderia ser replicado para garantir maior acessibilidade às empresas afectadas pelos protestos.
Reestruturação de créditos e papel do Banco de Moçambique
Além da nova linha de crédito, o Governo anunciou a abertura de uma janela para a reestruturação de créditos já contraídos por empresas afectadas. No entanto, a CTA considera que esta medida só será eficaz se for acompanhada de ajustes regulatórios, nomeadamente na obrigatoriedade de provisões bancárias.
“Sugerimos ao Banco de Moçambique que alivie a obrigatoriedade de reforço das provisões bancárias para os créditos reestruturados. Se isso não for feito, o custo da reestruturação será elevado e os bancos poderão relutar em renegociar os empréstimos”, afirmou Eduardo Sengo.
A CTA defendeu que o banco central suspenda temporariamente esta exigência até Setembro, permitindo assim maior flexibilidade para a banca conceder novos prazos de pagamento às empresas.
Segurança e custo de vida são factores críticos para a recuperação económica
Para além das questões relacionadas com o financiamento, Eduardo Sengo alertou que a recuperação económica depende de outros factores, nomeadamente da estabilização da segurança no País. “Se uma empresa contrair um crédito hoje e a instabilidade persistir, o risco de incumprimento será ainda maior. Portanto, é fundamental que o pacote de segurança seja anunciado e implementado o mais rapidamente possível”, afirmou.
O director-executivo da CTA também destacou que o elevado custo de vida continua a ser um problema para as empresas e os consumidores. “O Estado já tomou algumas medidas, como a redução do IVA e o controlo do preço dos combustíveis, mas há margem para mais. Garantir que as empresas tenham liquidez para pagar salários e manter empregos também é uma forma de reduzir a pressão sobre as famílias”, acrescentou.
A CTA reafirmou o seu compromisso de continuar a dialogar com o Governo e as instituições financeiras para garantir soluções eficazes que permitam uma recuperação económica sustentável e abrangente.
Texto: Felisberto Ruco