Após um período de tensão eleitoral marcado por incertezas políticas e manifestações, o mercado de trabalho moçambicano enfrenta o desafio da recuperação. A retracção na criação de empregos no terceiro trimestre de 2024, impulsionada pela instabilidade, levantou preocupações sobre o ritmo da retoma económica. Para o consultor em gestão de capital humano, Vicente Sitoe, a recuperação não será automática e dependerá da implementação de medidas concretas que incentivem investimentos e dinamizem sectores estratégicos. Turismo, construção civil e agricultura surgem como os pilares fundamentais para impulsionar a empregabilidade e restabelecer a confiança no mercado laboral.
“O impacto da instabilidade política na empregabilidade já foi sentido. Agora, a recuperação do mercado laboral dependerá de medidas concretas para atrair investimentos, em primeiro lugar, de reconstrução, e estimular sectores geradores de emprego em massa, como a agricultura, construção civil e indústrias transformadoras”, afirma Sitoe.
A crise eleitoral criou um clima de incerteza que afastou investidores e levou muitas empresas a adiarem decisões estratégicas. Para o especialista, um dos desafios centrais será restaurar a confiança dos investidores locais e estrangeiros, um factor crucial para a criação de novos postos de trabalho. “A confiança dos investidores será determinante para acelerar essa recuperação”, sublinha.
Num cenário de recuperação económica pós-eleitoral, os sectores que demonstram maior potencial para impulsionar a empregabilidade são aqueles que exigem investimentos contínuos e podem gerar empregos de forma imediata. O turismo e a construção civil, fortemente dependentes de infra-estruturas e logística, destacam-se como sectores prioritários, seguidos pela agricultura, que tem um elevado potencial de absorção de mão-de-obra.
“Os sectores que poderão ter impacto imediato seriam o turismo e a construção civil (ambos com investimentos necessários em novas infra-estruturas), logística e agricultura”, aponta Sitoe. Apesar do potencial de sectores emergentes como tecnologia e energias renováveis, o especialista salienta que a sua capacidade de gerar empregos a curto prazo ainda é limitada no contexto moçambicano.
A incerteza política e económica não só dificultou a criação de novos postos de trabalho, como também afectou a estabilidade das empresas na retenção de talentos. O mercado apresenta uma oferta abundante de profissionais disponíveis, mas, segundo Sitoe, a instabilidade salarial e a falta de previsibilidade financeira representam desafios adicionais.
“O turismo e a construção civil, fortemente dependentes de infra-estruturas e logística, destacam-se como sectores prioritários, seguidos pela agricultura, que tem um elevado potencial de absorção de mão-de-obra”
“O mercado apresenta abundância de quadros livres e disponíveis por preços, nalguns casos, mais baixos do que o normal. No entanto, a limitação salarial e a instabilidade económica dificultam a capacidade de as empresas honrarem os seus compromissos laborais”, alerta o especialista.
Neste contexto, as empresas devem adoptar estratégias para mitigar os efeitos da crise e garantir a sustentabilidade da sua força de trabalho. Sitoe recomenda a diversificação de mercados, o fortalecimento da resiliência organizacional e o investimento na capacitação dos colaboradores. “As empresas devem adoptar estratégias como diversificação de mercados, fortalecimento de culturas organizacionais resilientes e investimento na formação dos seus colaboradores em matérias de resiliência, gestão de riscos e continuidade dos negócios”, defende.
Uma alternativa para reduzir custos sem comprometer postos de trabalho pode passar pela flexibilização dos regimes laborais. O agenciamento de mão-de-obra surge como uma opção viável para garantir a continuidade das operações empresariais. “A passagem de alguns quadros internos para o regime de agenciamento de mão-de-obra pode ser uma forma de minimizar custos fixos, mas preservando os postos de trabalho”, sugere
A digitalização tem desempenhado um papel fundamental na modernização do mercado de trabalho, trazendo novas dinâmicas para os processos de recrutamento e gestão de talentos. A adopção de plataformas digitais acelerou significativamente o tempo de contratação, tornando os processos mais eficientes.
“Os tempos de recrutamento passaram de uma média de três semanas por vaga para uma semana e meia”, destaca Sitoe. Além da agilidade, a digitalização trouxe maior transparência e melhor experiência para os candidatos. “Estas tecnologias ajudam na humanização dos processos de recrutamento à medida que permitem feedbacks personalizados aos candidatos”, acrescenta.
O desajuste entre a formação académica e as necessidades do mercado de trabalho continua a ser um dos principais obstáculos à empregabilidade. A falta de alinhamento entre os currículos académicos e as exigências do sector produtivo tem dificultado a integração dos jovens no mercado laboral.
Para mitigar esta situação, Sitoe defende um reforço na ligação entre instituições de ensino e empresas, garantindo que os recém-formados adquiram competências alinhadas com as necessidades do mercado. “Programas de estágio, formações técnicas alinhadas com as necessidades do mercado e incentivo à educação ciência, tecnologia, engenharia e matemática” (CTEM) são passos importantes.”

Entre as competências mais valorizadas para 2025, o especialista aponta tanto habilitações técnicas como interpessoais. “As chamadas digital skills continuarão a ser dominantes, assim como a capacidade de trabalho em equipa, a adaptação e flexibilidade, a comunicação empática, o pensamento crítico e inovador e a liderança transformadora”, frisa.
Para garantir uma melhor preparação dos jovens para o mercado de trabalho, Sitoe sugere uma reforma curricular que inclua formações práticas e parcerias com empresas.
“As universidades e instituições de ensino técnico precisam de rever os programas para incluir formações práticas, introduzir o ensino das tecnologias de informação de forma aprofundada e fomentar parcerias com empresas para oferecer experiências reais de trabalho”, recomenda.
O crescimento do sector informal tem sido uma resposta ao desemprego, mas para Sitoe o empreendedorismo deve ser encarado como uma solução estruturada e não apenas como um paliativo. A formalização dos pequenos negócios e startups deve ser incentivada para criar empregos sustentáveis.
“O empreendedorismo pode criar empregos no sector informal e formal, promovendo soluções locais para desafios sociais e económicos. O fundamental a ser garantido é que as startups que começarão como informais, aos poucos, migrem para tornar-se formais”, destaca.
Para que a recuperação do mercado de trabalho seja eficaz, Sitoe identifica três medidas essenciais. A primeira envolve o investimento em sectores emergentes, como energias renováveis e tecnologia da informação. “A primeira seria o investimento em sectores emergentes, como energias renováveis e tecnologia de informação, principalmente nas soluções da Inteligência Artificial”, sugere.
A segunda medida passa pela criação de incentivos fiscais que estimulem a geração de empregos. “É fundamental criar benefícios fiscais para empresas que geram postos de trabalho, tornando o ambiente de negócios mais atractivo”, defende.
Por fim, o especialista salienta a necessidade de reforçar a formação técnica e as parcerias público-privadas, garantindo que a formação profissional tenha uma aplicação prática directa no mercado. “Esta formação deverá conter uma componente prática muito forte e saídas claras para o estágio pré-profissional, criando uma ligação directa entre a formação e o mercado de emprego”, conclui.
Texto: Felisberto Ruco