Donald Trump regressou à Casa Branca na segunda-feira, 20 de Janeiro, marcando o início de um novo capítulo na política dos Estados Unidos de América (EUA). Durante a cerimónia de posse, proferiu um discurso que rapidamente gerou reacções várias, tanto no país quanto no cenário internacional. O discurso, considerado por muitos como controverso, destacou temas como a retoma de políticas nacionalistas, a reavaliação de compromissos internacionais e uma ênfase em “colocar a América em primeiro lugar”.
Ainda no mesmo dia, o novo chefe de Estado americano iniciou uma série de acções executivas, incluindo a revogação de medidas estruturantes adoptadas por administrações anteriores. Entre essas decisões estavam mudanças em políticas ambientais, económicas e de saúde pública, que classificou como “prejudiciais aos interesses dos americanos”. A sua abordagem agressiva gerou debates intensos sobre os impactos imediatos e de longo prazo das suas medidas, dividindo opiniões entre apoiantes e críticos.
Nesta sexta-feira, 24 de Janeiro, o DE decidiu ouvir economistas e um analista de relações internacionais sobre o impacto das medidas de Trump para África com especial atenção para Moçambique. Estes defendem que, embora as decisões sejam estruturantes, não terão impacto profundo no País.
“Das medidas recentemente anunciadas por Trump, principalmente no que diz respeito ao proteccionismo, não vejo uma implicação directa para Moçambique. Digo isso porque a importância relativa do volume de comércio que temos com os EUA é baixa. Quer dizer, varia de 1% a 2%, tanto para as exportações como para as importações, pelo menos olhando para dados de 2015 e 2020, que podem não ter-se alterado significativamente. Aliás, arrisco-me a dizer que o somatório não passa de 5%”, considerou o economista Egas Daniel.
O profissional explicou que se se dividir o Produto Interno Bruto (PIB) por estas percentagens, não se achará um valor expressivo: “Do ponto de vista directo, podemos não esperar um impacto significativo. Agora, claro que isso não exclui o impacto indirecto, por causa da relevância dos EUA no cenário económico global. As implicações destas medidas, por exemplo, sobre os preços de commodities a nível internacional, podem ter efeitos mais significativos para Moçambique do que necessariamente o impacto directo do volume de comércio entre os dois países.”
Das medidas recentemente anunciadas pelo Trump, principalmente no que diz respeito ao proteccionismo, não vejo uma implicação directa para Moçambique. Digo isso porque a importância relativa do volume de comércio que temos com os EUA é baixa.
“Imaginemos que as medidas proteccionistas diminuem o preço dos combustíveis no mercado internacional, isso seria um ganho para o nosso País, se o mercado internacional respondesse positivamente a esta medida de redução do preço e contradissesse as políticas da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) – que defende a redução da produção para influenciar o preço a aumentar. Então, isso pode ser contrariado por uma política mais proteccionista e de produção interna dos EUA e de liberalização das suas reservas estratégicas do combustível a nível do país”, esclareceu Egas Daniel.

Quem também defende que as medidas proteccionistas do Trump não terão impacto directo na economia nacional é o economista Clésio Foia. “Neste segundo mandato, Trump mostra um excessivo proteccionismo ao mercado norte-americano, com tarifas e sanções comerciais, sobretudo para a União Europeia (UE) com 10% de todos os produtos importados e para a China com 60%. Para Moçambique, como parte da economia global, naturalmente pode ter potenciais implicações, não de forma directa e vislumbrada, pois com a AGOA (African Growth and Opportunity Act), o País tem esta janela privilegiada para poder exportar produtos para os EUA”, defendeu.
O economista entende que outro elemento que pode ser observado é que os Estados Unidos têm interesses em projectos de indústria de gás em Moçambique, através da ExxonMobil, que é uma indústria multinacional norte-americana. “Com esses grandes projectos de gás em Cabo Delgado, pode-se culminar com o estreitar de laços entre os dois países, pois essas empresas têm aqui grandes investimentos e avultados interesses na Bacia do Ruvuma”, disse.

Possível beneficio de Moçambique com a retirada dos EUA nos acordos climáticos
O economista Egas Daniel explica que a retirada dos EUA dos acordos climáticos pode, de certa forma, beneficiar o País, dando mais tempo para Moçambique explorar fontes de energia fósseis.
“Outro elemento que é possível destacar no discurso de Trump é que ‘manda passear’ os acordos internacionais de transição energética, como o acordo de Paris, COP e todas as outras iniciativas que têm que ver com a protecção ambiental. Isso parece, pelo menos, ter alguma vantagem para Moçambique, que tem a sua economia ainda assente na exploração de recursos fósseis. Então, como Trump sempre atrasa este processo de transição energética, isto pode valorizar, de alguma forma, os combustíveis fósseis e permitir que o País ganhe mais tempo para explorar os seus recursos energéticos poluentes num espaço de tempo maior”, apontou Egas Daniel.
Clésio Foia também entende que a promoção de energias fósseis na administração do Trump pode beneficiar directamente Moçambique. “O nosso país possui vastas reservas de gás na bacia do Ruvuma, o que também desperta o interesse dos EUA. Aliás, já há uma empresa norte-americana, como a ExxonMobil, a fazer investimentos”, disse.
Que relação se espera da administração Trump com África?
Para o analista de relações internacionais Orlando Mazuze o discurso de tomada de posse do Donald Trump acabou por se focar essencialmente em questões domésticas com destaque para os temas da imigração, inflação, energia e outros, naquilo que Trump chama de inicio da “Era Dourada da América”, o que acaba por abrir um “verdadeiro suspense” em relação à posição da sua administração para com África.
Neste segundo mandato, Trump mostra um excessivo proteccionismo ao mercado norte-americano, com tarifas e sanções comerciais, sobretudo para a União Europeia (UE) com 10% de todos os produtos importados e para a China com 60%. Para Moçambique, como parte da economia global, naturalmente pode ter potenciais implicações…
“Uma análise baseada na sua primeira passagem pela Casa Branca pode ajudar a prever a política externa que os EUA terão em relação ao continente africano. Durante a primeira administração de Trump, caracterizada por um desengajamento nas relações EUA-África, esta priorizou as questões económicas através da Lei de Crescimento e Oportunidades em África (AGOA, sigla em inglês) e a Iniciativa para uma África Próspera. Foi, porém, uma acção pouco vistosa devido à falta de apoio diplomático por parte do Executivo da época, de tal modo que se pode considerar que o continente africano foi praticamente esquecido sob o ponto de vista de cooperação em grande escala em vários seguimentos”, considerou o analista.
Para Orlando Mazuze, Donald Trump poderá não mudar a sua posição em relação ao continente, mas deverá levar à cabo algumas acções que mostrem ao mundo que os EUA ainda estão em África, numa tentativa de dizer à China que ainda se faz presente no continente.
“É que África é de extrema importância para o resto do mundo, principalmente sob o ponto de vista energético e de recursos minerais, daí que não pode ser ignorado, considerando ainda o facto de que os líderes do continente não pararam no tempo, e a ascensão de uma nova liderança jovem que tem outras orientações e ideologias políticas faz com que os países africanos façam mais amigos. Quem não estiver no xadrez pode ressentir-se disto no futuro”, justificou.
Política de combate ao terrorismo, especialmente em Moçambique, continua
O analista explica que o discurso de Donald Trump fez menção à sua intenção de ser um líder que deixará o mundo com um legado de pacificador, uma vez que também não é oriundo de um passado político mas sim empresarial, o que faz com que as questões de diplomacia económica estejam acima das de militar.

“Por isso, Trump prometeu, e fê-lo na sua primeira passagem pela Casa Branca: trouxe a paz ao mundo. Isto pressupõe a continuação da ‘Guerra ao Terror’ que está inserida na campanha norte-americana de combater o terrorismo ao nível global depois dos fatídicos eventos de 11 de Setembro. A presença norte-americana em missões poderá prevalecer, pois seria desvantajoso para os EUA serem um gigante económico e um anão militar”, disse, para depois destacar: “O terrorismo é uma ameaça global e o seu combate tem também efeitos globais. Por isso, penso que os EUA continuarão a apoiar África e Moçambique no combate ao terrorismo e a outras ameaças através do Comando dos Estados Unidos para África (AFRICOM)”.
Como diversificar parcerias e evitar futuros efeitos de decisões unilaterais dos EUA?
Para Orlando Mazuze, as decisões políticas unilaterais dos EUA afectam apenas um certo grupo de países. “Por exemplo, a retirada dos EUA do Acordo de Paris e da OMS não impacta directamente Moçambique, se considerarmos que este tipo de acordos e de organizações tem uma pluridade de actores estatais, e a ausência de um Estado não impacta na acção da organização como um todo. Seria aquela máxima aplicada no desporto de que nenhum jogador é mais importante que o clube”, explicou.
O terrorismo é uma ameaça global e o seu combate tem também efeitos globais. Por isso, penso que os EUA continuarão a apoiar África e Moçambique no combate ao terrorismo e a outras ameaças através do Comando dos Estados Unidos para África (AFRICOM)
O analista reitera, porém, que há necessidade de se reconhecer que dimensão dos EUA na OMS não pode ser ignorada. “A sua saída pode significar um défice orçamental na organização que poderá afectar a implementação de alguns projectos da mesma e afectará ainda a capacidade de reacção a surtos. Os EUA são um dos maiores contribuidores da organização, mas outros Estados-membros podem compensar este défice, ganhar ainda mais protagonismo e levar ao normal funcionamento da organização”, esclareceu.
Mazuze defende uma solução prática que Moçambique deve adoptar para lidar com acções unilaterais de alguns Estados: “Deve promover o seu desenvolvimento ao ponto de garantir a sua soberania em temáticas como saúde, educação, entre outros sectores. Assim sendo, um sistema nacional de saúde robusto não ficaria refém do posicionamento doméstico de outros Estados, mas este é um desafio de muitos países em desenvolvimento. Urge a necessidade de haver alguma independência nos sectores-chave do Estado. Assim, seremos, de facto soberanos.”
Texto: Nário Sixpene