O candidato presidencial do partido Podemos, Venâncio Mondlane, regressou a Moçambique na manhã desta quinta-feira, 9 de Janeiro, após mais de dois meses fora do País. Mondlane, que deixou Moçambique em Outubro alegando motivos de segurança, foi recebido por uma multidão de apoiantes no Aeroporto Internacional de Maputo, na província de Maputo, num ambiente tenso, marcado por um forte aparato policial e militar.
Nas primeiras horas da manhã, o Diário Económico constatou um forte reforço das medidas de segurança nos acessos ao aeroporto, com a mobilidade fortemente condicionada pelas autoridades. Testemunhas relataram a presença massiva das forças de defesa e segurança, o bloqueio de várias vias e até disparos, aumentando a tensão no local. Apesar do mau tempo, uma multidão expressiva de simpatizantes reuniu-se no perímetro do aeroporto para saudar o regresso de Venâncio Mondlane, demonstrando apoio ao candidato da oposição.
Num discurso proferido logo após a sua chegada, Mondlane foi incisivo ao declarar: “Estou aqui para continuar a luta ao lado do povo moçambicano. Não lutei para obter benefícios próprios ou para ser chefe. A única função que estou disposto a assumir é a de lutar por este povo, pela verdade e pela justiça.”
O candidato explicou que a sua vinda ao País tinha três objectivos fundamentais. “O primeiro objectivo é quebrar a narrativa de que o diálogo não tinha a minha participação porque eu estava fora do País. Apesar de todos conhecerem os condicionalismos que me levaram a estar fora, quero desfazer essa ideia de que estou ausente por vontade própria das iniciativas de diálogo. Estou aqui, presente, para dizer que, se querem negociar e dialogar comigo, se querem uma mesa de conversas, estou aqui. Acabem com essa narrativa!”
Na sua intervenção, Mondlane denunciou aquilo que considera ser uma repressão sistemática contra os seus apoiantes. “A minha vinda a Moçambique prende-se com o facto de eu me ter apercebido de que foi adoptada uma estratégia de genocídio silencioso. As pessoas estão a ser executadas extrajudicialmente nas matas, estão a ser enterradas em valas comuns, e os supostos apoiantes do nosso movimento estão a ser assassinados. Eu não posso estar protegido e em segurança enquanto o povo que apoia a minha candidatura e defende os valores pelos quais luto está a ser perseguido. Estou aqui para monitorizar este processo, visitar essas valas comuns e gritar em favor destes moçambicanos que estão a ser assassinados.”
Além disso, Mondlane destacou que pretende esclarecer as acusações que pesam contra si. “Muitas responsabilidades criminais foram-me atribuídas, e por isso faço questão de me submeter à justiça, de me defender perante a justiça e de provar quem são os verdadeiros culpados dos crimes hediondos que aconteceram até hoje.”
Demonstrando firmeza na sua posição, o candidato revelou um quarto objectivo para o seu regresso ao País. “Quero estar presente nos bons e nos maus momentos, como um elemento activo, um sujeito histórico, disponível para apresentar as minhas ideias e debater as agendas de desenvolvimento do país. Quero fazer essa luta aqui dentro, independentemente dos riscos associados. Estou aqui para lutar dentro do País, e vou continuar essa luta até às últimas consequências.”
“Estou aqui para continuar a luta ao lado do povo moçambicano. Não lutei para obter benefícios próprios ou para ser chefe. A única função que estou disposto a assumir é a de lutar por este povo, pela verdade e pela justiça”
Por fim, Mondlane fez um juramento simbólico perante os seus apoiantes, afirmando-se como o verdadeiro vencedor das eleições. “Eu, Venâncio Mondlane, sou o presidente eleito pelo povo. Não pelo Conselho Constitucional, não pela Comissão Nacional de Eleições, mas pela vontade genuína do povo. Juro, pela minha honra, servir a pátria moçambicana e os moçambicanos. Juro respeitar a Constituição e as leis, usar todas as minhas energias físicas, psicológicas, intelectuais e emocionais em benefício desta terra, para que, em cinco ou dez anos, Moçambique se torne numa das maiores nações do mundo. Digo tudo isto na qualidade de presidente eleito pelo povo moçambicano.”
Contexto político e judicial
O regresso de Mondlane ocorre num contexto político conturbado. O Tribunal Supremo já havia afirmado que não existia nenhum mandado de captura contra o candidato. No entanto, o Ministério Público abriu processos contra ele, imputando-lhe responsabilidade moral nas manifestações pós-eleitorais que resultaram na destruição de infra-estruturas públicas, especialmente na província de Maputo.
Antes da sua chegada, Mondlane utilizou as redes sociais para convocar os seus apoiantes a recebê-lo, chegando mesmo a convidar o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, a presidente do Conselho Constitucional e o presidente do Supremo Tribunal para se juntarem ao evento, um gesto simbólico que não teve resposta.
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Cenário pós-eleitoral e protestos
Desde a divulgação dos resultados das eleições gerais de 9 de Outubro, Moçambique tem sido palco de sucessivas manifestações organizadas pelos apoiantes de Mondlane, que contestam a decisão do Conselho Constitucional. Segundo dados de organizações da sociedade civil, os confrontos entre manifestantes e as forças de segurança resultaram em quase 300 mortos e cerca de 600 feridos.
O Conselho Constitucional proclamou Daniel Chapo, candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), como vencedor das eleições presidenciais, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi. Mondlane obteve apenas 24% dos votos, mas rejeitou os resultados, alegando fraude eleitoral e exigindo a realização de uma auditoria independente.
A chegada de Mondlane a Moçambique e o discurso proferido reforçam a continuidade da sua contestação aos resultados eleitorais e indicam um possível aumento da tensão política nos próximos dias. Resta saber qual será a posição das autoridades e dos seus apoiantes face ao desfecho deste impasse pós-eleitoral.
Texto: Felisberto Ruco