Há mais de dois meses que o candidato presidencial Venâncio Mondlane fugiu do País, alegando questões de segurança. No entanto, na última comunicação, na sua página oficial do Facebook, o político anunciou o seu regresso a Moçambique, com chegada marcada para esta quinta-feira, 9 de Janeiro, pelas 8h05 (horário moçambicano) no Aeroporto Internacional de Maputo.
Desde então, a capital tem vivido momentos de expectativa, com o assunto a ser tema de fundo de todos os debates, tanto a nível nacional como internacional. Na zona de Mavalane, onde se situa o aeroporto, há já um grande contingente militar, munido com todo o tipo de armamento, pronto para afastar qualquer acção acintosa para com a ordem pública. Algumas vias de acesso ao local contam também já com presença militar.
Nas ruas, os simpatizantes e apoiantes de Mondlane, ouvidos pelo Diário Económico, foram unânimes nas opiniões e mostram satisfação com o seu regresso, afirmando que vai ser uma “data na história”, pois o País nunca assistiu a tal fenómeno, em que um candidato presidencial da oposição fosse capaz de movimentar massas e influenciar, de forma “firme”, a opinião pública.
Na live do passado domingo, 5 de Janeiro, para além de anunciar o regresso, Mondlane convidou os seus apoiantes a irem recebê-lo e afirmou mesmo: “Gostaria de convidar o próprio Presidente da República, o Procurador-Geral da República, a presidente do Conselho Constitucional e o presidente do Supremo Tribunal a irem receber-me”. Algo que, naturalmente, não deverá suceder.
Por se presumir que o 9 de Janeiro seja um dia atípico, o DE conversou com alguns analistas para entender sobre os possíveis acontecimentos que poderão marcar a ocasião, o que realmente se pode esperar, visto que Mondlane carrega consigo vários processos-crime por incitação às manifestações violentas que têm vindo a acontecer no País desde 21 de Outubro e que causaram danos materiais e vários mortos.
Atitude “muito arriscada” que não será vista com “bons olhos”
Em entrevista, o analista e sociólogo baseado no Observatório do Meio Rural (OMR), organização não-governamental (ONG), João Feijó, descreveu a atitude de Mondlane como sendo “muito arriscada”, porque o regime não vê a sua chegada com bons olhos, principalmente faltando uma semana para a cerimónia de tomada de posse do Presidente eleito (Daniel Chapo).
“A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) não quer uma agitação popular e está mais confortável em mantê-lo fora do País para não haver perturbações. Sabemos que Venâncio não está disposto a negociar, nem a jogar, portanto, se ele vier, podem esperar-se muitos cenários”, afirmou.
No que concerne à estratégia de regresso, o sociólogo assevera: “Venâncio Mondlane já nos habituou a um tipo de política-espectáculo, em que tem de criar acontecimentos que provocam grande comoção social, para manter viva a chamada luta na rua, e é nessa onda que ele navega, mantendo as massas activas, exaltadas e emotivas.”
Possibilidade de prisão, assassinato e aumento das manifestações?
Na sua explanação, o sociólogo alerta que se Mondlane aterrar no Aeroporto Internacional de Maputo corre o risco de ser assassinado a longo prazo ou preso à chegada, o que vai provocar uma grande agitação da população, significando o prolongamento das manifestações, pois o povo estará na rua e não terá ninguém para definir linhas claras de manifestação.
João Feijó acredita mesmo que uma possível prisão pode ser “um erro que vai provocar o caos, prolongar a desobediência civil e, ao mesmo tempo, reforçar o carisma político de Mondlane”, visto que vai vender a imagem de “preso político” e embaraçar o regime do ponto de vista internacional.
“Acho que se ele chegar a Moçambique vai ser detido. A Frelimo não vai deixar que ele ande a agitar a população e, mesmo que cheguem a um acordo, este não vai vingar, porque existirão sempre dificuldades para Mondlane exercer a vida política de uma forma ‘normal’, digamos. Nenhuma das partes se olha como confiável”, sustenta.
“Serão momentos tensos, e basta criar-se o rumor de que o Venâncio foi preso ou assassinado para que a população bloqueie estradas e, com a fome, certamente que haverá nova pilhagem de bens. Como tal, é preciso gerir isto com muita responsabilidade e sensibilidade, o que, infelizmente, não existe por parte dos nossos dirigentes”, alertou.
Para o analista, o candidato presidencial do Podemos “deve manter a vinda para Moçambique, mas com uma estratégia mais preparada para o bem de todos”, principalmente numa altura em que a sociedade está dividida, e com as pessoas cheias de ódio em relação ao regime.
“O Estado está fragilizado, a vida está um caos, e com esta desaceleração económica vai haver cada vez mais dificuldades. Actualmente, há salários em atraso, até dos funcionários públicos, e há que se reconstruir o que foi destruído”, sustentou.
Incertezas e possível abertura para o diálogo para o cessar-fogo
Por sua vez, fazendo uma análise criteriosa sobre o regresso de Venâncio Mondlane ao País, Moisés Albino Nhanombe, analista, economista e docente da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), começou por dizer que existem ainda incertezas sobre o que pode significar este regresso para a história das manifestações em Moçambique, pois não se sabe ao certo quais os acordos ou pré-acordos que existem com o Governo.
“A chegada de Mondlane pode significar um reforço da mobilização, porque já longe do País provou que consegue comandar massas para as manifestações, e um possível erro pode levantar mais protestos que, por um lado, podem ser por agradecimento, mas, por outro, por contestação aos resultados”, elucidou.
“Também ele pode voltar para um diálogo político, embora seja menos possível de acontecer, mas Mondlane pode usar o seu regresso para negociar com o Governo, com mediadores internacionais e com os seus apoiantes, de modo a conduzir a uma solução mais pacífica. Na verdade, não se sabe ao certo se há pré-acordos com o Governo”, descreveu.
Nhanombe alinhou também na possibilidade de prisão levantada por João Feijó, recordando: “Há um mandado de busca que pode abrir espaço para a polícia prender Mondlane de imediato e, caso aconteça, é natural que se intensifiquem as acções dos seus apoiantes, o que pode levar a um estado de instabilidade, uma postura que pode atrair críticas adicionais das organizações internacionais de direitos humanos e de governos estrangeiros.”
Pressão internacional e possível unidade da oposição
Uma vez visto como o actual candidato mais forte da oposição, o regresso de Venâncio Mondlane também pode ser servir para unir as forças, segundo o analista. “Pode prever-se um cenário de unidade da oposição, o retorno pode fortalecer as partes para criar uma coesão que promova a mudança e que, juntos, possam contestar a verdade eleitoral.”
“A volta do candidato do Podemos pode criar uma pressão internacional, à medida em que será aumentada a visibilidade da crise e da instabilidade em Moçambique, abrindo espaço para que entidades estrangeiras se envolvam e criem condições para uma maior aproximação, podendo culminar em iniciativas de mediação internacional na procura por um cessar-fogo ou revisão dos resultados proclamados”, argumentou.
“Este regresso pode também aumentar a resiliência da população e, caso mantenha a sua abordagem e maior resistência, poderá pressionar o Governo a implementar políticas mais eficazes, mas tudo dependerá da forma como irá gerir o seu regresso e que comportamento a população terá”, concluiu.
Moçambique tem sido palco de manifestações organizadas por apoiantes do candidato da oposição, que contestam os resultados divulgados pelo Conselho Constitucional. Organizações da sociedade civil referem que os confrontos entre manifestantes e as forças de segurança já resultaram em quase 300 mortos e cerca de 600 feridos.
O anúncio provocou novo caos em todo o País, com manifestantes pró-Venâncio Mondlane – que obteve apenas 24% dos votos – nas ruas, colocando barricadas, promovendo pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar repor a ordem
Texto: Cleusia Chirindza