Daniel Kahneman é um dos economistas mais influentes da actualidade, reconhecido pela sua contribuição para a economia comportamental — uma área que integra a psicologia.
O economista israelita Daniel Kahneman formou-se inicialmente em psicologia e, mesmo assim, redefiniu conceitos económicos tradicionais ao introduzir elementos de irracionalidade e vieses cognitivos (tendências que podem levar a desvios sistemáticos de lógica e a decisões irracionais) nos estudos económicos. Em 2002, foi agraciado com o Prémio Nobel de Economia, um feito notável para alguém sem formação formal em economia, merecido pelas suas descobertas inovadoras na área. São quatro as contribuições principais do pensamento económico de Kahneman: a Teoria da Perspectiva, os Sistemas de Pensamento, os Vieses Cognitivos e a Busca pela Felicidade.
Teoria da perspectiva
Uma das contribuições mais notáveis de Kahneman, desenvolvida em conjunto com o prestigiado psicólogo Amos Tversky, em 1979, foi a Teoria da Perspectiva. Este modelo oferece uma visão alternativa à Teoria da Utilidade Esperada, predominante na economia clássica, que pressupunha a racionalidade das decisões dos indivíduos. A Teoria da Perspectiva demonstra que as pessoas tendem a valorizar ganhos e perdas de forma diferente, e que o medo da perda é um factor mais poderoso do que a busca por ganhos. Este comportamento, conhecido como aversão à perda, é um dos alicerces da economia comportamental, explicando, por exemplo, porque é que investidores evitam vender acções com perdas ou mantêm activos com desempenho abaixo do esperado.
Sistemas de pensamento
No seu livro de 2011, Thinking, Fast and Slow (Rápido e Devagar, Duas Formas de Pensar), Kahneman explora dois sistemas de pensamento humanos. O ‘sistema 1’ é rápido, automático e muitas vezes impulsivo, enquanto o ‘sistema 2’ é mais lento, deliberado e lógico. Kahneman argumenta que grande parte das nossas decisões é tomada pelo ‘sistema 1’, susceptível a vieses cognitivos e erros de julgamento. Este conceito é fundamental para a economia comportamental, pois destaca a influência dos processos automáticos e inconscientes nas decisões económicas, contradizendo a visão racional tradicional.
Vieses cognitivos
Kahneman e Tversky identificaram vários vieses cognitivos, incluindo o viés de confirmação (a tendência de procurar informações que confirmem crenças preexistentes) e o viés de ancoragem (a influência de valores de referência em julgamentos subsequentes). A descoberta desses vieses forneceu aos economistas ferramentas para entenderem porque é que as decisões financeiras e económicas muitas vezes se desviam da racionalidade pura.
Busca pela felicidade
Kahneman também contribuiu para a “economia da felicidade”, estudando como as pessoas avaliam o seu bem-estar. Destacou a diferença entre “experiência de vida” e “memória”, ou seja, entre o que realmente vivenciamos e como recordamos essas experiências. As suas pesquisas revelaram que o conceito de felicidade é complexo, e que as pessoas tendem a recordar picos de experiência (positivos ou negativos) e momentos finais, ignorando o contexto completo. Esta compreensão do bem-estar tem ajudado formuladores de políticas e economistas a pensarem em políticas públicas que considerem o impacto na felicidade e no bem-estar geral da população.
Visão e filosofia de Kahneman
A filosofia de Kahneman baseia-se na ideia de que os seres humanos são irracionais e frequentemente tomam decisões com base em factores emocionais, heurísticas e preconceitos inconscientes, em vez de uma análise lógica dos dados. Em oposição ao “homo economicus” racional das teorias clássicas, Kahneman apresenta um modelo de ser humano mais complexo, vulnerável a erros e influenciado por contextos e emoções.
O psicólogo acredita que, ao entender os vieses e o “ruído”, é possível melhorar a tomada de decisões em áreas diversas, desde investimentos e políticas públicas até decisões pessoais quotidianas. A sua visão de um ser humano irracional e imperfeito serve como alerta para os limites do comportamento humano, incentivando economistas e psicólogos a repensarem teorias e políticas.
Críticas ao seu pensamento
Apesar do reconhecimento, as teorias de Kahneman e o campo da economia comportamental também enfrentam críticas. Alguns economistas argumentam que as suas teorias não são universalmente aplicáveis e que o modelo é excessivamente pessimista, subestimando a capacidade humana de aprender com os erros. Críticos questionam se os vieses e heurísticas observados em estudos de laboratório realmente se aplicam a mercados mais amplos, onde factores como informação e experiência podem atenuar a irracionalidade.
Outra crítica é que a economia comportamental, embora descreva o comportamento humano, nem sempre oferece soluções práticas para problemas económicos. Em vez de fornecer modelos previsíveis, os vieses cognitivos limitam-se, por vezes, a listar as falhas humanas. Existem também debates sobre a aplicabilidade do conceito de “ruído” em decisões práticas e sobre a forma de quantificar e reduzir esse ruído de modo eficaz.
A influência de Kahneman ultrapassou as fronteiras académicas, penetrando em campos tão diversos quanto os da gestão, marketing, saúde e design de políticas públicas e privadas.
Governos e organizações internacionais adoptaram princípios da economia comportamental para criar intervenções mais eficientes.
Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R