A baixa taxa de reinvestimento dos lucros (investir pouco) e, bem assim, a baixa eficiência do reinvestimento (investir mal) são, quando combinados, um dos grandes entraves ao crescimento das PME.
Neste artigo, convido os meus leitores/as a responderem à seguinte questão: que barreiras impedem (em quantidade e qualidade) o (Re)investimento dos lucros nas PME, em Moçambique?
Complementarmente, sugiro a leitura de dois artigos que escrevi nesta coluna: “Empresas Zombie, Negócios em Ponto-Morto”¹; “AfroEmpreendedores? Entre a Necessidade e a Escala”².
1. O Que é o (Re)investimento dos Lucros?
Na minha opinião, uma PME possui boas políticas e práticas de (Re)investimento dos Lucros sempre e quando:
- Apresente, de forma consistente, resultados líquidos positivos;
- E tenha no seu portefólio projectos que estão alinhados com o seu core business (v.g. financiar a P&D e Inovação, expandir operações, melhorar a eficiência e capacitar colaboradores);
- E que tais [Projectos] apresentem um potencial claro de retorno económico;
- E [o Retorno esperado] seja superior ao custo de capital;
- E [o Retorno esperado] supere o custo de oportunidade (v.g. como pagar dividendos aos accionistas ou amortizar dívidas);
- E haja decisão formal, de direccionar parte dos ganhos obtidos, de volta para o crescimento da própria empresa (v.g. criação de uma reserva para (Re)ivestimentos);
- E que [tal Decisão] ocorra de forma repetida (i.e. não é um acto isolado, mas sistemático);
- E garantindo sempre que, apesar dos (Re)investimentos, a empresa mantém liquidez suficiente para enfrentar os chamados “dias de tempestade” e sustentar as suas operações.
Neste contexto, diremos que a empresa (Re)investe os seus lucros em quantidade, e em qualidade.
2. EGOeconomia: um entrave ao (Re)investimento
Contudo, vigora em Moçambique uma realidade amplamente alimentada por uma cultura e mentalidade económica:
- Com foco na acumulação de riquezas e bens para uso individual ou de um grupo específico;
- De consumo imediato;
- De alta informalidade;
- Que combinadas com variáveis macroeconómicas desfavoráveis como a alta inflação e as altas taxas de juro, todas combinadas afectam directamente o ciclo de capital das PME, reduzindo³ ou mesmo impedindo-as de (Re)investir os lucros, e retardando o respectivo desenvolvimento e a competitividade.
Tal realidade, que designo por EGOeconomia⁴, funciona à semelhança de coágulos que impedem a livre circulação do sangue (i.e. do capital) nas PME e caracteriza-se por:
2.1. Muito Baixa Poupança
A taxa de poupança bruta em Moçambique foi de 4,8%5 em 2023, uma diminuição em relação aos 7,6% registados em 2022. Este valor é significativamente inferior ao de países como o Ruanda (22%), Marrocos (26%) e Botsuana (32%). A baixa taxa de poupança limita drasticamente a capacidade das PME acumularem capital para (Re)investimento, tornando-as dependentes de fontes externas de financiamento, como créditos bancários, que podem ser onerosos e difíceis de obter.
2.2. Alta Informalidade
A economia informal desempenha um papel significativo nos países da SADC, representando, em média, cerca de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) da região. Em Moçambique, a informalidade é ainda mais pronunciada. Estima-se que aproximadamente 80% da força de trabalho moçambicana esteja empregada no sector informal, contribuindo com cerca de 44,7% do PIB nacional.
Este ambiente informal restringe o acesso das PME a linhas de crédito formais e a benefícios fiscais essenciais para o (Re)investimento e, bem assim, torna-as menos atractivas para investidores institucionais.
2.3. Alta Fuga ao Fisco
Estima-se que Moçambique perca o equivalente a 12%7 do PIB em receitas fiscais potenciais devido à evasão fiscal (fuga + contrabando), em linha com países como as Maurícias e o Botsuana onde essa fuga ronda entre 10% a 12%.
2.4. Elevada Cultura de Consumismo e Ostentação
Uma dimensão desta EGOeconomia é a tendência para o consumismo desenfreado, a competição exacerbada e o consumo imediato e visível, frequentemente associada ao desejo de ostentar bens de luxo. Estes comportamentos, motivados pela necessidade de status, levam muitos empresários de PME, particularmente em África, a priorizarem o consumo pessoal e imediato, em detrimento do (Re)investimento no negócio.
Embora esta prática não seja universal, ela influencia a mentalidade do empresário moçambicano, levando-o a colocar o lucro como um meio para a ostentação, ao invés de uma ferramenta para a expansão do negócio, através do (Re)investimento. Para as PME, essa mentalidade impede uma visão de longo prazo e dificulta a adopção de boas políticas e práticas de (Re)investimento dos lucros.
3. Estratégias para Superar a EGOeconomia e acelerar o (Re)investimento dos Lucros
Cometendo o pecado da generalização excessiva, pois que cada sector de actividade e cada PME terá as suas especificidades em termos de necessidades de (Re)investimento, sempre adiantarei as seguintes estratégias de aceleração do (Re)investimento:
- Reforço da Educação Financeira: instituições financeiras, microfinanceiras, associações empresariais e universidades podem colaborar na criação de programas de educação financeira para empresários, com foco na importância do (Re)investimento dos lucros e gestão financeira de longo prazo. Esta educação poderá ajudar os empresários i) a distinguirem a esfera pessoal da esfera empresarial; ii) a promover o uso dos dividendos como forma de retirada de recursos da empresa; iii) e a compreenderem que o lucro do negócio deve ser utilizado, pelo menos parcialmente, para sustentar e expandir o negócio.
- Advocacia do (Re)investimento e Promoção de Casos de Sucesso: mostrar exemplos de PME moçambicanas que prosperaram com práticas de (Re)investimento dos lucros pode inspirar outros empresários a adoptarem uma mentalidade de crescimento sustentável. Essas histórias poderão servir i) como modelos de comportamento empresarial; ii) e ajudarão a promover uma cultura de inovação e resiliência no contexto local.
- Promoção do uso dos Incentivos Financeiros e Fiscais ao (Re)investimento: divulgar os mecanismos existentes de incentivo ao (Re)investimento previstos na Lei n.º 8/2023, de 9 de Junho (Lei de Investimento Privado de Moçambique, em vigor desde 8 de Setembro de 2023). Alocar uma percentagem dos lucros em tecnologia, inovação e capacitação do pessoal é uma forma de promover uma economia mais formal e estruturada. Estes incentivos podem incluir créditos fiscais específicos ou isenções para sectores prioritários, atraindo empresas para práticas de (Re)investimento.
- Facilitação de Crédito para PME Formalizadas: oferecer linhas de crédito adaptadas às necessidades das PME formalizadas que comprovem práticas de (Re)investimento. Bancos e instituições financeiras e microfinanceiras, ao disponibilizarem produtos específicos para empresas comprometidas com o (Re)investimento, contribuem para que mais empresas ingressem no mercado formal.
Em conclusão
O (Re)investimento dos lucros pelas PME, quando realizado de acordo com as melhores práticas, é um instrumento poderoso para a consolidação e expansão das empresas e da economia.
Contudo – e não apenas justificado pelo comportamento menos favorável das variáveis macro económicas – uma série de factores sociais e culturais contribuem para que, em Moçambique, o nível de (Re)investimento dos lucros nas PME seja mais baixo do que noutros países da região: (Re)investe-se pouco e mal.
Sugiro, neste artigo, o conceito novo de “EGOeconomia”, o qual, centrado nas necessidades do indivíduo, e afastando as da Comunidade, encapsula uma série de realidades explicativas da baixa taxa de (Re)investimento = muito baixa poupança + alta informalidade + muito alta fuga ao fisco + elevada cultura de consumismo e ostentação.
Transformar a EGOeconomia numa cultura de (Re)investimento sustentável é crucial para o crescimento das PME em Moçambique.
Com medidas como educação financeira; advocacia para o (Re)investimento dos lucros; promoção de casos de sucesso; e dos mecanismos de incentivo fiscal de (Re)investimento, as PME poderão tornar-se mais competitivas e, bem assim, transformar Moçambique e acelerar a sua integração na Zona de Comércio Livre Continental Africana.
(Re)investir não é apenas uma decisão económica: reflecte uma mentalidade de preocupação com a Comunidade (ALTEReconomia), é um investimento no futuro de Moçambique.
¹ https://www.diarioeconomico.co.mz/2023/05/12/opiniao/empresas-zombie-negocios-em-ponto-morto/
² https://www.diarioeconomico.co.mz/2022/10/17/opiniao/afroempreendedores-entre-a-necessidade-e-a-escala/
³ À data da elaboração deste artigo não encontrei estatísticas sobre reinvestimento de lucros pelas PME moçambicanas.
⁴ EGOeconomia, por oposição à ALTEReconomia: Uma abordagem económica centrada no EGO e nos interesses individuais. Aqui, a maximização dos lucros, das vantagens pessoais ou de um grupo restrito prevalecem sobre o bem-estar colectivo. Arrisco a assumir a paternidade da expressão EGOeconomia, porquanto o Google devolve…zero resultados para a pesquisa deste termo!
⁵ https://www.ceicdata.com/pt/indicator/mozambique/gross-savings-rate?utm_source=chatgpt.com
⁶ INE, Inquérito ao Sector Informal – INFOR 2021.
⁷ Fonte: Director-geral-adjunto Fernando Alage, em conferência de imprensa de 13 de Julho de 2022, referido por Diário Económico em https://tinyurl.com/mvbzye2m