Investimento Directo Estrangeiro (IDE) como fonte de desenvolvimento não é algo novo. O Império Romano (27 a.C. – 476 d.C.), ao construir uma extensa rede de estradas ligando Roma aos rincões do império, como Lugduno (actual Lyon, França) ou Palmira (actual Síria), pode ser considerado como praticando uma espécie de IDE. Não importa se o objectivo era facilitar o fluxo de materiais com a movimentação do exército e de produtos para o comércio, o fluxo financeiro dos impostos de volta a Roma ou o fluxo de informação para tomada de decisão; o facto é que este IDE fez com que todos os cidadãos soubessem que “todos os caminhos levam a Roma”. Até os bárbaros sabiam…
O termo IDE consolidou-se nos anos 1960, depois da 2.ª Guerra Mundial, quando organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) incluíram nas suas análises económicas e relatórios a diferenciação entre este tipo de investimento e outras formas de fluxo financeiro internacional, como empréstimos ou investimentos em portefólio, ao acompanhar a entrada de capital estrangeiro que envolvesse controlo e administração de empresas noutro país. Estudos recentes da UNCTAD e dados estatísticos da Comissão Europeia (Eurostat) apontam que o prazo esperado de retorno do IDE varia de 5 a 10 anos para sectores industriais, enquanto sectores mais arriscados e voláteis, como startups e tecnologia, apresentam expectativas mais breves, de 3 a 5 anos. Os romanos não possuíam o refinamento financeiro para calcular a Taxa Interna de Retorno (TIR), mas intuitivamente entendiam a importância de colocar as bases para o desenvolvimento de uma região.
IDE na África Austral e em Moçambique
O IDE global destinado a África reportado nos últimos 50 anos na base do Banco Mundial é, em média, apenas 2,8% do total que circulou pelo globo – variando entre ‘fartura’ (5,1% em 2021) e ‘miséria’ (0,8% em 2000). Indiferentemente do ano analisado, o IDE destinado à região é apenas uma gota de água, que não teve impacto suficiente para germinar resultados significativos no estágio de desenvolvimento económico, social e tecnológico da região ao longo de 50 anos.
De acordo com o World Investment Report 2024 da UNCTAD, entre as nações africanas com maior atracção de IDE em 2023, apenas três países estão na África Austral. Destaque para a África do Sul (#1 USD 80Bi) e Moçambique (#3 USD 32Bi), que acumulam as maiores atracções em moeda corrente no período, e a Namíbia (#10 USD 6Bi), caçula do grupo, que entrou graças aos USD 2,3Bi (38%) de IDE no país realizados apenas no ano de 2023.
Se os fluxos de IDE na região são limitados, como direccionar as gotas que irrigam os países para que possam germinar impactos socioeconómicos significativos? Daron Acemoglu e James A. Robinson, autores do livro “Por que as Nações Fracassam” (2022), deixam algumas pistas nos capítulos (3) “Estado Inclusivo”, (4) “Estado Extractivo” e (6) “Armadilha da Pobreza”.
Analisando o perfil do IDE dos últimos 10 anos na África do Sul, Moçambique e Namíbia, observa-se que os países têm em comum a atracção de capital em sectores como energia (gás), mineração e agricultura, portanto, uma releitura do Estado Extractivo mencionado por Acemoglu e Robinson. O IDE, como todo o investimento, analisa aspectos como risco-retorno frente ao prazo e, apesar de os países terem realizado mudanças nas suas legislações para atrair este tipo de capital, as nações permanecem na Armadilha da Pobreza perpetuada por Acemoglu e Robinson, pois as suas instituições (governos) não conseguem direccionar o capital para o crescimento económico por meio da inovação, resultando na sociedade estagnada revelada pelos autores. Aqui, justiça seja feita para a África do Sul, que atraiu investimentos para projectos de infra-estrutura – inclusive, em 2021, o IDE sul-africano teve como destino novas infra-estruturas de dados, abrindo o seu portefólio para incluir tecnologia, além da tradicional mineração.
O Estado Extractivo é amplamente conhecido pela expressão “país de dono”, comum em análises políticas e económicas para a América Latina e África, onde o poder e os recursos são concentrados nas mãos de uma restrita elite que perpetua a situação pelo controlo das riquezas disponíveis ou através da corrupção, perpetuando a pobreza e a contínua desigualdade social que previnem o progresso.
A ausência de um Estado Inclusivo de Acemoglu e Robinson pode ser pista e solução. Se, por um lado, a falta de instituições políticas e económicas sólidas para moldar as economias da África Austral são uma pista, por outro, a solução é pavimentar o sucesso rumo a um Estado Inclusivo, ao construir instituições com uma governança corporativa robusta.
O leitor certamente conhece pessoas românticas que acreditam que o Estado Inclusivo de Acemoglu e Robinson pode surgir automaticamente: basta promover a participação de todos os cidadãos na vida económica e política com campanhas publicitárias de mobilização, o fortalecimento da protecção dos direitos de propriedade com legislações mais modernas e um sistema judiciário mais transparente, promover a igualdade de oportunidades e incentivar a inovação ao criar um ambiente onde indivíduos e empresas possam prosperar. Por favor, avise o iludido que os exemplos históricos rumo a um Estado Inclusivo são uma colectânea de movimentos sangrentos ou conturbados, como a Revolução Francesa (1789-1799), Guerra Civil Americana (1861-1865), Revolução Industrial/Conflitos Laborais no Reino Unido (século XIX), Unificação Italiana (Risorgimento)/Guerras de Independência (1848-1870), Revolução Meiji no Japão (1868-1912) e a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Se o leitor se questiona: o Estado Inclusivo é somente alcançado através de conflitos violentos? Não necessariamente. A Revolução Gloriosa (1688), a colonização-formação da Austrália (1850) e a Queda do Muro de Berlim (1989) demonstram que é possível uma transição suave quando o ‘zeitgeist’ [espírito da época] da sociedade se apresenta.
Moçambique precisa de lembrar-se diariamente que alcançar o Estado Inclusivo, ao adoptar o IDE como meio, requer vigilância, pois estes recursos são bastante sensíveis a aspectos como infra-estrutura deficiente, falta de mão-de-obra qualificada, condições de mercado restritivas, corrupção, governança e instabilidade política e conflitos internos.
E ao avançar neste campo, as notícias não são encorajadoras. O Índice Global de Competitividade (2020) do Fórum Económico Mundial, ao avaliar a prontidão para a transformação dos países, não lista Moçambique e, no ranking 2023 do Infrastructure Index, Moçambique figura no final da lista, reflectindo os desafios contínuos da sua infra-estrutura deficiente em transporte, energia e comunicações. A falta de mão-de-obra qualificada está relatada na International Trade Administration e também numa recente reportagem da Africa Press. As condições de mercado restritivas impostas pelo Banco de Moçambique (BdM) para remessa de valores para o exterior desestimulam a entrada de IDE sem que se dedique tempo e recursos para assegurar acordos com o Governo que garantam em contratos a sua fluidez de retorno – recentemente, em Junho de 2024, o BdM realizou avanços, porém, nada que mude o actual patamar de IDE no País. Em corrupção, Moçambique ocupa actualmente a posição 145 entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção (CPI, em inglês), com uma pontuação de 25/100, segundo o relatório da Transparência Internacional de 2023. A maturidade de governança de um país envolve uma análise multifactorial, como seja do CPI, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, no qual Moçambique reporta 0,456 em 2020), a qualidade das instituições, como a liberdade de imprensa (nota: 52,42), onde o país figura como 105.º de 180 países, o desempenho económico-crescimento do PIB (+5% em 2023) e a análise comparativa com países similares.
Por fim, ao analisar a instabilidade política e os conflitos internos, as recentes notícias das manifestações ao resultado das eleições em Moçambique, ou o aviso para viagens para Moçambique do Departamento de Estado dos EUA, que coloca o País no “Nível 2: Exercite Cuidado”, com notas especiais para a província de Cabo Delgado e Pemba, são típicos exemplos daquilo que afasta o IDE.
Não fique com a impressão de que há um campo minado à frente e que o artigo apresenta somente más notícias. Saiba que toda a transformação de sucesso rumo ao ‘eldorado’ começa com um sólido diagnóstico e, para evitar a perpetuação da pobreza e contínua desigualdade social que previnem o progresso desejado, é fundamental construir análises – algo que o artigo já proporcionou. Evitar “reinventar a roda” também.
O Índice de Capacidades Institucionais (ICI®), na sua versão de análise de países, concebido e desenvolvido pelo Think Action Tank de Gestão Pública da Fundação Dom Cabral é exemplo do caminho para ajudar governos e IDE a promoverem acções que sejam capazes de promover desenvolvimento rumo a um Estado Inclusivo. Afinal, somente quem pode determinar se “todos os caminhos levam a Moçambique” como potencial ‘eldorado’ ou campo minado é o seu ‘zeitgeist’.