Talvez nunca tenha sido tão difícil escrever sobre um tema como neste momento. Num mundo que se fragmenta em opiniões cada vez mais extremadas, chegou agora a nossa vez de vivermos este fenómeno, com eco em várias partes do globo. Quando se é confrontado com esta tensão, corre-se sempre o risco de se alienarem visões contrárias ou até mesmo de se soar desactualizado.
A situação é delicada. Estamos no epicentro deste temporal e, ao chegar às bancas, esta publicação poderá já estar ultrapassada pelos acontecimentos. Como projectar um discurso relevante, intemporal e resiliente a quaisquer eventos que venham a ocorrer nas próximas semanas? Sem uma bola de cristal, o desafio torna-se quase hercúleo, especialmente num contexto em que novos precedentes se criam quase semanalmente.
Podemos, então, tentar deixar de lado os dados económicos ainda em compasso de espera e focar-nos em reflectir sobre o que este momento pode significar para o futuro, assumindo desde já que nada será como antes. Para tal, torna-se essencial recorrer a ferramentas analíticas como o VUCA – acrónimo inglês para Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade. É com esta estrutura que podemos orientar melhor a nossa análise e lançar um olhar objectivo sobre o panorama nacional.
Volatilidade e Incerteza: As Marcas de Uma Democracia Jovem
Estávamos preparados para, pela primeira vez na nossa jovem democracia, realizar eleições sem o peso de partidos armados, o que oferecia uma base de estabilidade e previsibilidade. Prova disso foi o anúncio do CEO da TotalEnergies, Patrick Pouyanne, a 2 de Outubro, uma semana antes das eleições, de que visitaria Moçambique no final do mês para discutir com o novo Presidente eleito os planos do projecto de gás. No entanto, tal como para esta multinacional, o cenário rapidamente se tornou imprevisível.
Se até a 23.ª maior empresa do mundo em termos de receita foi apanhada desprevenida, o que dizer das demais empresas que aguardavam um 2025 repleto de optimismo, impulsionado pela expectativa de um novo Governo e pela promessa de reformas estruturais? Todas estas previsões, até então consideradas seguras, precisarão de ser recalibradas, numa adaptação ao inesperado.
Complexidade e Ambiguidade: O Crescimento Como Desafio Multissectorial
Durante a campanha eleitoral, os principais candidatos abordaram com intensidade a complexidade do crescimento de Moçambique. Este crescimento é condicionado por múltiplos factores, incluindo as infra-estruturas, o sector energético, políticas agrícolas robustas, parcerias externas estratégicas e um conjunto de desafios ambientais. Estes elementos, longe de serem independentes, estão profundamente interligados e exigem soluções assertivas, multissectoriais e, sobretudo, colaborativas. Já éramos pressionados a melhorar nestes aspectos; agora, essa urgência é reforçada pela necessidade de um caminho mais estável e coeso.
Impacto no Curto Prazo: Uma Sazonalidade Sobressaltada
Para o curto prazo, há pouca esperança de um Verão e uma época festiva particularmente favoráveis para os sectores de retalho, viagens, hotelaria e turismo. Mesmo sem dados concretos à mão, o cenário já parece prenunciar uma onda de cancelamentos, e os prejuízos acumulados até ao momento podem vir a comprometer bónus anuais e outros benefícios que são importantes para criar optimismo junto dos consumidores.
Além disso, é de esperar que, assim como a Total optará agora pelo silêncio, investimentos estratégicos em sectores como infra-estrutura, construção civil e energia enfrentem pausas ou adiamentos, até que o panorama político se torne mais claro. Num cenário ainda mais pessimista, o medo de uma possível desvalorização do metical poderá motivar uma fuga de capital, à medida que investidores optem por suspender novos aportes ou retirar fundos. Essa retracção associada aos constrangimentos logísticos, que já estão a afectar a economia, pode pressionar ainda mais a inflação, dificultando o cenário para empresas e consumidores.
O Médio Prazo: Um Equilíbrio Delicado Entre Ideais e Pragmatismo
A médio prazo, o cenário torna-se ainda mais complexo, pois o que enfrentamos não é um mero confronto de ideologias entre esquerda e direita, entre liberais e conservadores. Independentemente da solução que se encontre para a actual situação, é quase certo que os manifestos eleitorais iniciais terão de ser revistos. Sem uma base estável, podemos prever uma retracção do Investimento Directo Estrangeiro (IDE), especialmente em direcção a países vizinhos como a Namíbia e o Botsuana, que são igualmente ricos em recursos, e têm sido capazes de atrair capital devido à sua imagem de estabilidade.
O investimento nacional também poderá sofrer abalos, na medida em que os nossos próprios empresários comecem a perder a confiança e o optimismo quanto ao futuro. Este cepticismo, inevitavelmente, poderá impactar o consumo interno, conduzindo a uma retracção da procura por bens e serviços e dificultando ainda mais as previsões de crescimento
Uma Visão a Longo Prazo: O Risco de Uma Década Perdida
É difícil ignorar que os efeitos deste momento poderão ressoar muito além de 2028 e 2029, anos das próximas eleições municipais e gerais. A instabilidade actual, se não for contida, poderá causar danos significativos à reputação e competitividade do País, manchando a imagem de Moçambique como destino de investimento seguro. Além disso, para os países vizinhos da SADC, que dependem de um Moçambique próspero e estável, a actual situação deve ser uma fonte de preocupação crescente.
Um impacto adicional, que pode ser menos visível mas não menos relevante, é a provável intensificação da “fuga de cérebros”. Momentos de incerteza tendem a empurrar os talentos para fora das fronteiras, em busca de maior estabilidade e melhores oportunidades. Assim, perde-se capital humano valioso, agravando uma economia que já enfrenta desafios na capacitação dos seus recursos humanos e, a longo prazo, colocando em risco o potencial de inovação e competitividade do País.
A Realidade Demográfica e Económica: Um Roteiro para 2034
Os dados históricos do Banco Mundial são inequívocos em dois pontos fundamentais: primeiro, há uma queda previsível no crescimento do PIB no primeiro ano de um novo Governo; segundo, o crescimento populacional continua a acentuar-se. Todos os anos, temos mais um milhão de moçambicanos que precisam de alimentação, educação e emprego. Projecções indicam que em 2034 seremos cerca de 46 milhões. Com o crescimento actual, corremos o risco de olhar para trás e ver uma década perdida. Se quisermos ser ousados e reduzir a pobreza absoluta pela metade, precisaríamos de um crescimento económico próximo de 6% ao ano. E, mesmo assim, ainda teríamos cerca de 17 milhões de pessoas na pobreza.
Este não é um problema exclusivo de Moçambique. No ano de 2024, líderes incumbentes em várias partes do mundo foram confrontados por um eleitorado cada vez mais exigente: Índia, África do Sul, Botsuana, Japão, Portugal, França e, mais recentemente, os EUA, são alguns exemplos. A mensagem é clara: não há nada de novo neste mundo, e quer no nosso país, quer além-fronteiras, algo precisa de mudar. O que se exige é um sistema mais austero, robusto, previsível e que seja atractivo ao investimento, capaz de criar as condições necessárias para a geração de desenvolvimento e riqueza colectiva.
Reflexão Final: Um Convite à Acção
O que nos resta, então, diante deste cenário desafiador? Resta-nos a responsabilidade de não permitir que a história nos defina pelas dificuldades, mas pela forma como lhes respondemos. É urgente que se dê início a um novo ciclo de confiança, no qual a previsibilidade e a estabilidade se convertam em catalisadores de uma economia pujante e mais justa. Que possamos, com pragmatismo e uma visão de longo prazo, moldar as bases de um Moçambique forte, um país que, embora marcado pela incerteza deste momento, encontre na diversidade das suas vozes e na resiliência do seu povo a chave para um futuro mais promissor.