Três economistas entendem que além de prejudicar as operações comerciais internacionais, a insuficiência de moeda estrangeira prejudica a qualidade de vida das famílias.
A perspectiva dos economistas ouvidos pela E&M sobre a escassez de divisas não difere muito da que é apresentada pelo sector privado. Associam o fenómeno às políticas cambiais restritivas implementadas pelo Banco de Moçambique e acrescentam outros argumentos ao debate, pedindo atenção ao assunto, para evitar que a situação se agrave e desencadeie uma crise ainda mais aguda.
Impacto sobre os investimentos
A economista Naima Nurein considera que a escassez de divisas, apesar de resultar, em parte, da queda do investimento externo, também está a ser determinante para uma queda ainda mais acentuada deste indicador. Como? É que, para os investidores, a dificuldade em repatriar lucros ou realizar transacções internacionais é um obstáculo que os torna mais avessos ao risco. “Este fenómeno pode afectar projectos de grande escala, especialmente nos sectores de recursos naturais e infra-estruturas, que são essenciais para o desenvolvimento económico do País”, alerta a economista, chamando a atenção para o risco de redução do potencial de aumento de postos de trabalho.
O economista Yuran Nhancale acrescenta que a queda do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) pode agravar ainda mais a situação económica do País. “Se os investidores continuarem a perder confiança na capacidade de Moçambique gerir a sua economia de forma eficaz, veremos uma diminuição ainda maior no fluxo de capitais estrangeiros, o que será prejudicial para o crescimento económico”, referiu.
Já o economista Egas Daniel adicionou outro factor do contexto nacional que pode influenciar a redução do potencial de captação do investimento estrangeiro. “Estamos num ano eleitoral e isso traz incertezas para os investidores. Muitos preferem manter os seus depósitos em moeda estrangeira, evitando convertê-los para meticais, até que haja mais clareza sobre o futuro político do País. Esta relutância em converter divisas limita ainda mais a sua disponibilidade no mercado, o que agrava a crise”, explicou.
Impactos na economia
Os economistas alertam ainda para a possibilidade de impactos profundos na economia como um todo. Naima Nurein destaca as dificuldades que as empresas enfrentam para pagar aos fornecedores internacionais, o que ocasiona rupturas de stock e atrasos na produção. E quando isto ocorre, abre-se espaço para, pelo menos, uma de duas situações indesejáveis: ou se corta na capacidade de importação de mercadorias, ou, se se conseguir importar, será a um custo mais elevado. “O aumento do custo das importações é inevitavelmente transferido para os consumidores, resultando num aumento de preços de produtos básicos, como alimentos e combustíveis, pressionando severamente o orçamento das famílias”, alertou a economista.
Os economistas sublinham que o fardo deverá recair sobre o sector familiar, também pela eventual desvalorização do metical, decorrente da insuficiência de divisas. “A desvalorização do metical encarece os produtos importados, especialmente os bens essenciais”, afirmou Nurein. “Este fenómeno tem um impacto desproporcional sobre as famílias, sendo mais severo nas de baixos rendimentos, que são as mais vulneráveis às oscilações de preços”, acrescentou Egas Daniel.
Yuran Nhancale sublinha os riscos para grandes projectos que dependem de importações, particularmente no sector energético. “A acumulação de facturas de importação de combustíveis é um problema real. Se esta situação persistir, alguns grandes projectos poderão sofrer atrasos significativos, o que pode comprometer a credibilidade do País junto dos seus parceiros internacionais”, afirmou.
Faltam ou não divisas?
Durante o ‘economic briefing’ realizado pelo sector privado, em Agosto, o economista-chefe do Millennium bim, Oldemiro Belchior, fez referência a um aspecto que vale a pena explorar. Começou por assumir um posicionamento que parece contrariar as constatações do sector privado no terreno. “Não existe escassez de divisas, mas sim insuficiência de divisas. É bom não confundir. Escassez é falta. Isto significaria que o mercado está seco de liquidez, o que não é possível. O que se verifica é a insuficiência de divisas. Ou seja, o stock de moeda externa disponível no mercado não é suficiente para responder às necessidades de importação de bens e serviços”, explicou.
A seguir, e mais importante, esclareceu que “esta insuficiência [de divisas] depende do balanço de cada banco, uma realidade que não pode ser atribuída a todo o sistema bancário, uma vez que os bancos têm estruturas de balanço diferentes: uns têm mais liquidez em moeda externa e outros não, porque têm uma menor carteira de clientes exportadores. Por isso, também uma menor capacidade de captar divisas e responder às necessidades de importação”. Ou seja, há bancos que de facto têm divisas e outros que não têm. Apesar disso, o sector privado continua com dificuldades em identificar os que realmente apresentam a estabilidade referida por Oldemiro Belchior.
Que saídas?
Deve haver um conjunto de acções a serem coordenadas entre o Governo e o Banco Central, defendem os economistas. Quais, em concreto? “Uma medida imediata seria flexibilizar as actuais restrições cambiais, permitindo que mais divisas sejam disponibilizadas para o sector privado”, sugere Naima Nurein.
A longo prazo, a economista acredita que a diversificação da economia também é essencial para reduzir a dependência das importações. “Precisamos de promover políticas que incentivem as exportações e atraiam mais investimento estrangeiro. O desenvolvimento de sectores como o turismo e a agro-indústria pode ajudar a gerar novas fontes de divisas”, acrescentou.
Egas Daniel concorda, mas avisa que a mudança só será eficaz quando for gradualmente introduzida. “O Banco de Moçambique tem de ser mais sensível às condições de mercado e ajustar as suas políticas de forma gradual. A suspensão do apoio à importação de combustíveis, por exemplo, foi uma medida que teve um impacto profundo [na escassez de divisas] e precisa de ser revista”, afirmou. O economista também sugere que o Banco de Moçambique reavalie a sua política de reservas obrigatórias, actualmente demasiado elevada para uma economia em dificuldades e sedenta de investimentos como a moçambicana.
Yuran Nhancale defende que o Banco de Moçambique deveria retomar os subsídios aos bancos comerciais para a importação de combustíveis. “Retomar esta medida, ainda que de forma moderada, pode ser uma solução eficaz a curto prazo”, defende.
Apesar de reconhecer o impacto positivo das reformas feitas no quadro do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE) tomadas pelo Governo em 2022, o economista sugere que o Governo adopte medidas adicionais, nomeadamente ao nível das políticas fiscal e monetária, que favoreçam a atracção de investimento estrangeiro para garantir um fluxo contínuo de divisas e aliviar a pressão sobre o mercado cambial.
Texto: Felisberto Ruco • Fotografia: D.R.