As reservas obrigatórias dos bancos comerciais em Moçambique atingiram 268,4 mil milhões de meticais (4,2 mil milhões de dólares) em Setembro de 2024, marcando um recorde histórico. Esta medida, implementada pelo Banco de Moçambique (BdM) desde 2022, reflecte uma estratégia monetária restritiva destinada a controlar a inflação, estabilizar o metical e proteger a economia de choques externos. Contudo, economistas alertam que a política tem um impacto desproporcional sobre as Pequenas e Médias Empresas (PME), principais geradoras de emprego e dinamismo económico no País.
Política monetária restritiva e prioridades do BdM
O aumento consecutivo das reservas obrigatórias ao longo dos últimos 18 meses resulta de esforços do BdM para combater pressões inflacionárias e reduzir a volatilidade cambial num contexto de incertezas globais. A economista Yara Neila Aly Alexandre explica que “o Banco de Moçambique adoptou uma abordagem conservadora, priorizando a estabilidade económica e financeira.”
Por sua vez, o economista Moisés Nhanombe salienta que a medida não responde apenas a desafios internos, mas também a pressões externas. “Ao exigir que uma parcela significativa dos activos dos bancos comerciais seja mantida em moeda estrangeira, o BdM procura limitar a depreciação do metical, estabilizar os preços internos e evitar uma maior dolarização da economia”, analisa.
Ainda segundo Yara Alexandre, esta estratégia é indispensável para um país altamente dependente de importações. “Com a estabilidade cambial, é possível mitigar os efeitos das oscilações no custo de bens importados, como alimentos e combustíveis, que têm um peso elevado no consumo doméstico”, acrescenta. Contudo, os analistas sublinham que os benefícios da política vêm acompanhados de custos significativos, especialmente no curto prazo.
Impactos no crédito e nas PME
A retenção de grandes volumes de moeda estrangeira como reservas obrigatórias reduz a liquidez disponível nos bancos comerciais, restringindo o crédito ao sector privado. Este impacto é particularmente severo para as PME, que dependem quase exclusivamente de financiamento bancário para operar e crescer.
De acordo com Yara Alexandre, “os bancos enfrentam custos operacionais mais elevados devido à redução da liquidez, e esses custos são repassados aos clientes sob a forma de taxas de juro mais altas”. Esta situação, acrescenta, “desincentiva investimentos e enfraquece a competitividade das PME, que ficam limitadas na sua capacidade de financiar inovação e modernização.”
O economista Moisés Nhanombe reforça que, além de dificultar o acesso ao crédito, a política intensifica a exclusão financeira das PME. “Os bancos tendem a priorizar grandes empresas, consideradas de menor risco, o que cria um fosso entre grandes e pequenas empresas, prejudicando o dinamismo económico e reduzindo a capacidade das PME de criar empregos e promover inovação”, alerta.
Sectores mais atingidos
Entre os sectores mais afectados pela política estão a agricultura, o comércio e as pequenas indústrias. Segundo a economista Yara Alexandre, a agricultura, que emprega grande parte da população, é um dos sectores mais vulneráveis. “Sem crédito acessível, os agricultores enfrentam dificuldades para modernizar as operações e aumentar a produtividade, tornando-se mais susceptíveis às flutuações climáticas e aos choques económicos”, observa.
Sectores como os do comércio e serviços também sofrem com a redução de liquidez, o que limita os investimentos e a criação de empregos. “A falta de crédito cria um ciclo de estagnação económica, comprometendo o crescimento sustentável do País”, analisa Nhanombe.
Custos e benefícios: um equilíbrio necessário
Embora os custos de curto prazo sejam evidentes, os analistas reconhecem os benefícios da política de reservas obrigatórias elevadas. “A retenção de reservas em moeda estrangeira protege o País de choques externos e reduz o risco de desvalorizações abruptas da moeda, reforçando a resiliência económica”, explica Moisés Nhanombe.
Por seu lado, Yara Alexandre destaca que a política ajuda a estabilizar o metical e aumenta a confiança dos investidores no sistema financeiro. “Esta estabilidade cambial é essencial para criar um ambiente económico mais previsível e seguro”, afirma a economista. No entanto, sublinha que a sustentabilidade económica requer um equilíbrio mais amplo. “O crescimento inclusivo e sustentável depende de um equilíbrio entre a estabilidade monetária e o dinamismo económico. É este equilíbrio que o Banco de Moçambique deve buscar.”
Propostas para mitigar os impactos
Os economistas recomendam políticas complementares para reduzir os efeitos adversos da política de reservas obrigatórias elevadas. Entre as sugestões estão:
- Redução gradual das taxas de reservas obrigatórias: liberar mais liquidez para os bancos financiarem o sector produtivo.
- Estrutura diferenciada de reservas obrigatórias: exigir requisitos menores para empréstimos destinados a PME e sectores prioritários.
- Incentivos fiscais e subsídios: aliviar a carga tributária das PME e oferecer subsídios ao crédito para sectores estratégicos.
- Programas de garantia de crédito: reduzir o risco dos bancos e facilitar o financiamento das pequenas empresas.
- Investimentos em infra-estruturas: criar condições que favoreçam o crescimento económico e a competitividade empresarial.
Conclusão
Os analistas reconhecem que a política de reservas obrigatórias elevadas reflecte o compromisso do BdM em proteger a economia contra choques externos e garantir a estabilidade cambial. No entanto, alertam que os custos para as PME e sectores produtivos são preocupantes.
Yara Alexandre enfatiza que “a estabilidade financeira é crucial, mas deve ser acompanhada de medidas que promovam o acesso ao crédito e ao investimento produtivo, sobretudo para as PME.”
Moisés Nhanombe concorda e conclui que o principal desafio é harmonizar a estabilidade financeira com o dinamismo económico. “Políticas fiscais e monetárias coordenadas podem mitigar os efeitos negativos e reforçar a resiliência da economia moçambicana, sem prejudicar os investimentos necessários ao desenvolvimento do País”, finaliza.
Texto: Felisberto Ruco