Pelo mundo, novas tecnologias conferem maior inclusão e autonomia. Em Moçambique, dois jovens criaram protótipos com potencial para melhorar a qualidade de vida de quem perdeu a visão.
Uma série de inovações, como leitores de ecrã, aplicações de reconhecimento de voz e navegação, tem sido desenvolvida em todo o mundo para melhorar a qualidade de vida de pessoas cegas ou amblíopes (com visão reduzida) e proporcionar maior independência e mobilidade. Os moçambicanos acabam de se juntar ao grupo de inovadores. Dois jovens decidiram aproveitar as suas competências para desenvolver protótipos de dispositivos que ajudam a detectar obstáculos que estejam próximos do utilizador.
João Rêgo Júnior, estudante de engenharia electrónica na Universidade Eduardo Mondlane e especialista em robótica, criou uns óculos inteligentes, designados Vision Hope. Yone Saranga, estudante de engenharia informática no Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTEM), desenvolveu uma bracelete sensorial. Ambas as soluções tecnológicas ajudam na detecção de obstáculos através de sensores que alertam o utilizador de maneira discreta e eficiente, oferecendo uma nova perspectiva de independência e mobilidade para milhares de pessoas com cegueira em todo o País.
Vision Hope
Com capacidade de identificar e detectar obstáculos num ângulo de 100 graus, os óculos Vision Hope cobrem, segundo João Rêgo, uma boa parte da visão humana. Cinco sensores na posição de cada olho são responsáveis por analisar o ambiente em redor, perceber a distância e a velocidade do obstáculo, dando uma indicação rápida através de vibrações. Quando houver um objecto por perto, o lado correspondente dos óculos começa a mexer. Se estiver ao centro, ambos os lados vibram. De acordo com João Rêgo, a vibração não ocorre instantaneamente – varia conforme o ambiente. “Se houver plantas ou lençóis em movimento, o sistema verifica se o objecto representa perigo ou não. Por exemplo, caso o sensor identifique um lençol que aparece e desaparece do seu raio de detecção, realiza cálculos rápidos para determinar se há necessidade de avisar o utilizador. Além disso, a intensidade da vibração aumenta conforme o objecto se aproxima”, esclareceu. Os óculos Vision Hope contam com uma bateria externa e portátil com cinco horas de autonomia.
Melhorias em perspectiva
João Rêgo revelou à E&M que pretende desenvolver integrar um sistema GPS, nos óculos, controlado por telemóvel, permitindo saber a localização dos óculos e o nível de bateria. “Um familiar poderá monitorizar o utilizador”, referiu. Também será possível “evitar que a bateria seja gasta desnecessariamente, desligando os sensores automaticamente quando não houver necessidade de uso”. Outra melhoria prevista consiste em revestir a bolsa dos óculos com painéis solares flexíveis para aumentar a autonomia da bateria.
Os óculos têm um peso de cerca de 300 gramas, o que representa uma evolução comparativamente à primeira geração, que pesava cerca de 500 gramas. “Ainda estão um pouco pesados, mas já a um nível aceitável. Com os óculos da primeira geração, eu só os aguentava, no máximo, durante uma hora. Depois, começava a sentir incómodo. Era um peso muito grande. Com estes, sinto-me mais confortável”, afirma.
Bracelete sensorial
A pulseira sensorial desenvolvida por Yone Saranga foi inspirada por um caso real que diz ter presenciado quando ia a caminho da escola. “Criei uma bracelete sensorial como forma de integrar as pessoas com deficiência visual e permitir que estejam seguras, sobretudo ao caminhar, sabendo o que está à frente delas”, explicou Yone Saranga à E&M.
Ao identificar um obstáculo, a pulseira emite alertas vibratórios ou sonoros, de intensidade variável, dando informação imediata ao utilizador. São alertas intuitivos, fáceis de memorizar e entender, ou seja, o dispositivo apita ou vibra, dependendo da proximidade do obstáculo, o que permite que os utilizadores ajustem a sua rota com mais confiança e independência durante as suas actividades diárias. Yone pretende ainda desenvolver funcionalidades de voz, em que é possível o dispositivo descrever o ambiente envolvente.
Inovação e sustentabilidade
Um dos aspectos a destacar sobre ambos os dispositivos é o facto de serem produzidos com base em materiais reciclados, o que os torna amigos do ambiente. A bracelete sensorial foi desenvolvida com base num relógio antigo, sensores e uma pequena bateria, que é a fonte de alimentação do equipamento. “A bateria é recarregável” com um carregador de telemóvel em duas horas”, explicou Yone Saranga.
Ao identificar obstáculos, a pulseira emite alertas vibratórios ou sonoros, dando informação imediata ao utilizador
Já os Vision Hope foram desenvolvidos com base em óculos de protecção solar antigos, algumas peças para fixação de sensores, fios e cola. “Usei basicamente material reciclado”, referiu João Rêgo. Os óculos têm um aspecto “pouco profissional”. O inventor anseia por ter acesso a uma impressora 3D, para “fazer modelagem e encaixar tudo perfeitamente”.
“Existem impressoras 3D que permitem a utilização de filamentos, mas o grande desafio, aqui em Moçambique, é encontrar esses filamentos. Uma alternativa que eu estou a considerar é a conversão de garrafas de plástico em filamentos para impressão. O processo envolve um método específico de corte, em que a garrafa é dividida em argolas, semelhantes a fatias de laranja”. Esses elementos serão aquecidos e transformados em filamentos, que podem ser utilizados nas impressoras 3D.
Inclusão social
Ambas as inovações foram desenvolvidas com o objectivo de promover a inclusão através do uso de tecnologias. “Nalguns países, há cirurgias que envolvem a inserção de um microchip no cérebro, especificamente na área responsável pela visão”, referiu João Rêgo. “Esse processador recolhe informação do ambiente em redor. Ou seja, os utilizadores têm os seus olhos substituídos por dispositivos electrónicos que transmitem dados directamente para o cérebro”. A tecnologia é promissora, mas invasiva, acrescentou, para destacar uma das vantagens dos óculos: a sua versatilidade de utilização. “Imagine-se, por exemplo, óculos de realidade virtual adaptados para pessoas cegas. Além de serem mais sofisticados, podem melhorar significativamente a qualidade de vida dos utilizadores” explicou João Rêgo. O inventor destacou o exemplo dos Estados Unidos, onde já existem óculos inteligentes que integram tecnologias como o ChatGPT. “A ideia é que possamos adaptar essas tecnologias para a realidade moçambicana, tornando-as acessíveis”, concluiu.
Texto: Ana Mangana • Fotografia: D.R.