A instabilidade social que se vive há mais de um mês e meio em Moçambique, após as eleições de 9 de Outubro, representa “riscos à estabilidade política, à consolidação fiscal e ao crescimento económico”, afirma a Fitch Ratings numa nota divulgada aos investidores. Contudo, não deixa de adiantar que a situação “tenderá a estabilizar ao longo do tempo” e que os desembolsos de financiamento externo por parte dos bancos multilaterais de desenvolvimento “continuarão”, limitando os riscos descendentes para a classificação soberana de ‘CCC+’.
É sabido que os conflitos sociais se intensificaram desde as eleições de 9 de Outubro, após os resultados oficiais declararem Daniel Chapo, do partido Frelimo, como vencedor da eleição presidencial, com relatos de vários mortos em confrontos entre manifestantes e as forças de segurança. Os manifestantes têm interrompido as actividades na capital, Maputo, e as redes de transporte, incluindo ligações entre Moçambique e a África do Sul.
“A instabilidade aumentou o risco de o défice orçamental ser maior do que o assumido quando reafirmámos a classificação de Moçambique em Agosto passado. Na altura, previmos que o défice cairia de 4,2% do PIB em 2024 para 3,1% em 2025”, escreve a Fitch, e prossegue: “por exemplo, as receitas podem ser inferiores devido à redução da actividade económica, ou os gastos podem aumentar devido aos custos de reconstrução ou a despesas com segurança. As autoridades também podem aumentar os gastos de forma mais abrangente como parte de esforços para reduzir os distúrbios sociais. Isto pode levar a desvios em relação às metas de défice fiscal estabelecidas no programa do FMI para Moçambique. O desempenho abaixo do esperado aumentaria as já significativas necessidades de financiamento soberano, num contexto de condições desafiadoras de financiamento.”
O acesso de Moçambique a financiamento suficiente é um factor importante na sua classificação, dado o grande défice externo e fiscal do país. Por isso mesmo, para a Fitch, “a classificação soberana poderá sofrer pressões descendentes se avaliarmos que o acesso ao financiamento foi restringido ou é insuficiente para satisfazer as necessidades financeiras, com potenciais efeitos adversos sobre os pagamentos a credores do sector privado. Atrasos nos pagamentos da dívida em moeda local já ocorreram durante anteriores crises de liquidez e a Fitch não atribui uma classificação de incumprimento do emissor em moeda local a Moçambique”, assinala a nota emitida aos investidores.
A Fitch não acredita, de resto, que a controvérsia em torno das eleições ou a resposta do governo aos conflitos resultem em “restrições ao acesso de Moçambique a empréstimos concessionais de instituições multilaterais”, uma visão reforçada pelo anúncio do Banco Africano de Desenvolvimento, a 30 de Outubro, sobre a aprovação de um empréstimo de 54 milhões de dólares para um parque eólico em Moçambique.
“Também acreditamos que o programa de Facilidade de Crédito Alargado de três anos no valor de 456 milhões de dólares com o FMI, acordado em 2022, é improvável que seja significativamente afectado pelos acontecimentos recentes, embora a instabilidade possa dificultar o cumprimento de metas estruturais e critérios de desempenho quantitativos, especialmente se os conflitos escalarem ou se espalharem. Desvios em relação às metas do programa podem ameaçar a continuidade dos desembolsos no âmbito da facilidade de crédito, dependendo de o conselho executivo do FMI aprovar novos perdões para incumprimento.”
A Fitch previa, há três meses, que o PIB real crescesse 4% em 2024 e 4,2% em 2025 quando foi reafirmada a classificação de Moçambique mas a instabilidade reduzirá esse crescimento em 2024 sendo que está ainda por determinar o impacto real das instabilidade nas previsões do PIB para 2025 e anos subsequentes que dependerá, segundo a consultora, “da duração do impasse em torno do próximo presidente e como isso afectará os principais sectores da economia nacional”. Como por exemplo se a instabilidade afectar a retoma da construção do projecto de gás natural liquefeito (GNL) da TotalEnergies na Área 1, ou mesmo ao cancelamento de novos projectos que com desenvolvimentos previstos para 2025, como o da Exxon Mobil, da Área 4 da Bacia do Rovuma. Riscos que ainda podem vir a aumentar se os já escassos recursos de segurança na Província de Cabo Delgado começarem a ser desviados para restauração da ordem social em Maputo, fazendo perigar a segurança na região, uma condição prévia para o progresso do grande projecto da TotalEnergies.