As notícias económicas da semana mostram-nos que começa a ganhar corpo a consolidação do Fundo Soberano, mas, ao mesmo tempo, há novos desafios relacionados com o aumento da dívida pública e com as pressões internas no mercado financeiro. O desempenho das exportações manteve-se positivo, enquanto o caso das dívidas ocultas continua a ter desdobramentos judiciais de grande relevância para as finanças do País. E claro, tudo sob o pano de fundo da instabilidade política que assola o País nas últimas semanas e que tem prejudicado muitas pessoas e empresas que sentirão o impacto do que se vem passando nos próximos meses.
Fundo Soberano: Um Passo para a Sustentabilidade
Nos primeiros nove meses de 2024, o Estado arrecadou 8,5 mil milhões de meticais (134,6 milhões de dólares) provenientes da exploração de petróleo e gás natural, valores que foram aplicados no recém-criado Fundo Soberano de Moçambique (FSM). Este mecanismo foi desenhado para assegurar uma gestão transparente e eficiente das receitas do gás natural, sendo considerado pelo FMI como um marco essencial para a sustentabilidade económica do País.
De acordo com o Ministério da Economia e Finanças (MEF), as receitas anuais do gás poderão atingir um pico de 379 mil milhões de meticais (6 mil milhões de dólares) na década de 2040. Nos primeiros 15 anos, 60% dessas receitas serão alocadas ao Orçamento do Estado e os restantes 40% ao fundo, uma proporção que será ajustada para 50/50 a partir do 16.º ano.
O FSM conta já com um regulamento aprovado, além de órgãos como o Conselho Consultivo de Investimento e o Comité de Supervisão, que garantem transparência na gestão dos recursos.
Dívida Pública: Pressões Internas e Externas
No campo da dívida pública, o Governo enfrentou desafios significativos. A Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) anunciou a emissão de 327 milhões de meticais (5 milhões de dólares) em Obrigações do Tesouro, como parte de uma operação interna que atraiu uma procura global de 1,4 mil milhões de meticais (21,7 milhões de dólares).
Apesar do sucesso relativo desta emissão, o endividamento interno continua a crescer de forma acelerada. Segundo o Banco de Moçambique, a dívida pública interna aumentou 90,3 mil milhões de meticais (1,4 mil milhões de dólares) em 2024, situando-se agora em 402,7 mil milhões de meticais (6,2 mil milhões de dólares). Embora as reservas internacionais permaneçam suficientes para cobrir mais de cinco meses de importações, o impacto do endividamento é uma preocupação estrutural.
Exportações em Alta, com Desempenhos Mistos nos Sectores
As exportações moçambicanas totalizaram 240,1 mil milhões de meticais (3,8 mil milhões de dólares) no primeiro semestre de 2024, um aumento de 3,2% em relação ao mesmo período do ano anterior. A indústria extractiva liderou o crescimento, respondendo por 57,2% das exportações, com destaque para o gás natural e o carvão mineral.
Por outro lado, a agricultura registou um desempenho positivo, arrecadando 217 milhões de dólares, um aumento de 19,8%, impulsionado principalmente pelo tabaco. No entanto, a castanha de caju e o algodão enfrentaram quedas acentuadas de 28% e 70,7%, respectivamente. Já a indústria transformadora viu uma queda de 12,2%, apesar do alumínio e do açúcar se destacarem como produtos exportados.
Dívidas Ocultas: Tribunal de Londres em Destaque
No âmbito do caso das dívidas ocultas, o Estado moçambicano aguarda a decisão do Tribunal Comercial de Londres sobre o recurso interposto pela construtora naval Privinvest. A empresa foi condenada a pagar 2 mil milhões de dólares em indemnizações a Moçambique, mas solicitou a suspensão do pagamento, alegando falta de transparência na apresentação de documentos pelo Estado.
Descobertas em 2016, as dívidas ocultas continuam a impactar negativamente as finanças públicas, com valores estimados em 170,6 mil milhões de meticais (2,7 mil milhões de dólares). Este escândalo realça os desafios enfrentados pelo País na gestão de recursos financeiros e nas relações com credores internacionais.
Texto: Felisberto Ruco