Na última década, os países africanos investiram muito na expansão de serviços financeiros e alcançaram números impressionantes, mas muitas comunidades permanecem excluídas. É um desafio que África precisa de ultrapassar para encontrar o caminho do desenvolvimento.
Porque é que a expansão dos serviços financeiros continua a deixar de fora parte importante da sociedade africana? E o que se deve fazer para aproveitar todo o esforço feito desde 2011? Um estudo do Banco Mundial, feito durante uma década (2011 a 2022), traz as respostas.
O trabalho intitulado “Inclusão financeira na África Subsaariana – Visão geral” baseou-se em 36 dos 47 países da região e concluiu que o acesso a serviços financeiros (tradicionais ou ‘mobile’) mais do que duplicou desde 2011, abrangendo 49% dos adultos. Mas este resultado não reflecte um desempenho similar de todos os países avaliados. Por exemplo, olhando para os casos extremos, no Sudão do Sul, o aumento foi de 6%. Nas Maurícias foi de 91%. Em 16 das 36 economias avaliadas, mais de 50% dos adultos tinham uma conta em 2022. Outros dos casos de sucesso são o Quénia (79%), Senegal (56%) e África do Sul (85%).
Entre 2017 e 2022, nove das 36 economias registaram um crescimento de dois dígitos no número de contas de serviços financeiros, impulsionado, na sua maioria, pela adopção das designadas carteiras móveis. Os casos mais destacados foram os do Senegal e da África do Sul, cada um com um crescimento de cerca de 15 pontos percentuais. Em contraste, algumas economias, como o Quénia, não mostraram crescimento e outras até regrediram. Segundo o Banco Mundial, as causas para estas variações estão relacionadas com a estabilidade política, regulamentação do sector financeiro, competição entre fornecedores de serviços financeiros, dimensão do ecossistema financeiro e efeitos da pandemia da covid-19.
O papel do ‘mobile money’
As carteiras móveis ou dinheiro móvel, ‘depositado’ e gerido no telemóvel, ganhou uma significativa atenção na África Subsaariana na última década, devido à forma como ajudou a expandir o acesso e uso de serviços financeiros tradicionais. O Quénia é famoso pelo seu mercado robusto e pioneiro. Em 2014, o primeiro ano em que o Global Findex do Banco Mundial fez a recolha de dados sobre as taxas de penetração do dinheiro móvel, 58% dos adultos naquele país já tinha uma conta. Em comparação, 55% dos adultos tinha uma conta bancária tradicional.
A África do Sul também tinha uma taxa relativamente alta de contas tradicionais em 2014, a rondar 70%. A adopção do dinheiro móvel foi mais modesta, apenas 14%, mas esses serviços eram totalmente adicionais, já que quase 100% dos proprietários de contas em dinheiro móvel também tinham uma conta bancária. O país continuou a aumentar a parcela de adultos com contas bancárias (84%, em 2021) e dinheiro móvel (37%, também em 2021).
Em contraste, Mali e Senegal (no extremo oposto) mostram um padrão que é mais comum entre economias que tinham taxas muito baixas de posse de contas bancárias. Mas desde a introdução do dinheiro móvel, ambas as economias têm visto aumentos constantes de posse de contas, de tal modo que 44% e 56% da população, respectivamente, têm agora uma conta (de qualquer tipo). Em ambas as economias, as taxas de adopção de contas de dinheiro móvel cresceram mais rapidamente entre 2014 e 2017 do que as taxas de crescimento de contas bancárias. Mas entre 2017 e 2022, as taxas de crescimento para os diferentes tipos de contas foram mais uniformes.
A exclusão dos “vulneráveis”
Apesar do progresso geral na promoção da inclusão financeira em todo o continente, há lacunas significativas no acesso a contas para mulheres, jovens, adultos mais pobres, com menor escolaridade e para a população rural. No que se refere ao género, a exclusão da mulher na região representa o dobro da registada na média das economias em desenvolvimento.
As economias que fizeram grandes avanços para impulsionar o acesso equitativo incluem o Mali, que reduziu drasticamente a exclusão da mulher: de 20% em 2017 para apenas 5% em 2021. Já a África do Sul é o país da região onde as assimetrias de género são mais reduzidas. Entretanto, em nenhuma destas economias, o dinheiro móvel, por si só, foi responsável por uma redução das assimetrias de género. Em vez disso, tanto no Mali como na África do Sul, mulheres e homens ganharam posse de contas de dinheiro móvel e contas bancárias.
Já no caso do Quénia, onde a disparidade de género permaneceu inalterada, o dinheiro móvel trouxe uma parcela maior de mulheres para o sistema financeiro formal do que os bancos.
No Senegal, a disparidade de género subiu, mas a posse de contas, em geral, aumentou quase dez vezes na última década – uma história de sucesso, apesar de o crescimento ocorrer mais lentamente para mulheres do que para os homens. Assim, no Senegal, são mais as mulheres que têm contas de dinheiro móvel (38%) do que as que têm contas bancárias (24%).
As barreiras à inclusão?
A pesquisa Global Findex perguntou aos adultos não bancarizados porque não têm sequer uma conta tradicional. O motivo mais comum foi a falta de liquidez. Outras razões frequentemente apontadas incluíram a falta de documentação, como um bilhete de identidade ou comprovativo de residência.
A distância de uma agência física e o custo dos serviços financeiros também foram motivos recorrentes, ou seja, parece haver um mercado para produtos mais económicos e acessíveis digitalmente. Mas também há barreiras específicas no contexto dos serviços financeiros digitais como, por exemplo, a falta de um telemóvel.
Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R.