O investigador Pedro Vicente, co-fundador do centro de estudos NOVAFRICA, da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, afirmou que Moçambique representa um caso paradigmático dos desafios e das oportunidades que as alterações climáticas colocam ao continente africano, segundo informou a Lusa.
De acordo com a informação, o investigador explicou que, em países como Moçambique, a pobreza e a falta de recursos para enfrentar os impactos climáticos tornam essencial uma revisão das políticas públicas, especialmente nas áreas da agricultura e do desenvolvimento urbano.
Moçambique, sendo um dos países mais vulneráveis do mundo às mudanças climáticas, enfrenta ameaças constantes, como secas prolongadas e inundações extremas, fenómenos que afectam gravemente a agricultura de subsistência, base da economia rural do País.
Segundo Vicente, a situação abre uma oportunidade para se reconsiderarem políticas agrícolas, de modo que se tornem mais produtivas e resilientes. “As alterações climáticas estão a exigir dos governos uma resposta que vá além das medidas paliativas. Em Moçambique, a agricultura não é suficientemente produtiva, e isso exige transformações estruturais”, afirmou.
Outro desafio específico de Moçambique é a gestão da crescente urbanização. Vicente destacou que, apesar de o êxodo rural para as cidades estar a aumentar, ele ocorre sem políticas eficazes de integração e desenvolvimento urbano.
Em Moçambique, a urbanização não resulta de uma política pública activa, mas sim da falta de alternativas para as comunidades rurais, que se deslocam para os centros urbanos em busca de melhores condições de vida. “A urbanização [em Moçambique] acontece porque as pessoas não têm alternativa, não por ser uma política pública”, observou o investigador.
A questão fundiária é também apontada como um obstáculo às reformas necessárias. Em Moçambique, a terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida ou hipotecada, de acordo com a Lei do Direito de Uso e Aproveitamento de Terra. Vicente considera que essa política limita o desenvolvimento e sugere que a flexibilização do regime de terras poderia incentivar uma agricultura mais dinâmica e modernizada.
Para além das políticas internas, Vicente sublinhou que Moçambique e outros países africanos, apesar de serem pouco responsáveis pelas emissões globais de gases com efeito de estufa, são altamente impactados pelas consequências das mudanças climáticas.
O investigador defende que as nações africanas devem usar a COP29, que ocorre este ano em Baku, no Azerbaijão, para exigir maior apoio financeiro dos países desenvolvidos, responsáveis pela maior parte da poluição global. “Os países africanos precisam de clarificar que necessitam de ajuda, numa lógica de justiça, e que merecem ser compensados pelos danos que estão a sofrer devido à poluição gerada pelos países desenvolvidos e emergentes”, reiterou.
Apesar da baixa contribuição de África para as emissões globais, o continente contribui significativamente para a desflorestação, um problema que, segundo o investigador português, pode ser abordado com apoio internacional. “É relativamente barato apoiar as comunidades locais para não praticarem a desflorestação, e o mundo desenvolvido deve investir mais neste tipo de medidas”, defendeu o investigador.
A COP29, que reúne representantes de 197 países e da União Europeia, será um momento crucial para que os países africanos apresentem as suas necessidades específicas no combate às alterações climáticas. A cimeira, que decorre este mês em Baku, é vista por organizações ambientalistas como uma oportunidade para reforçar compromissos de redução de emissões e para aumentar o financiamento climático, com vista a preparar os países mais vulneráveis para enfrentar os desafios climáticos até 2030 e além.