Moçambique e, mais concretamente, a capital do País, Maputo, está em alerta máximo desde as primeira horas do dia, antevendo-se uma escalada nos protestos em torno das eleições disputadas do mês passado, com a oposição a anunciar um protesto nunca antes visto rumo à baixa da cidade, estando as forças de segurança em estado de alerta.
O líder da oposição, Venâncio Mondlane, engenheiro florestal, ex-deputado da Renamo e pastor evangélico, tem apelado nas últimas semanas para que os seus apoiantes saiam em massa às ruas nesta quinta-feira para reforçar a sua alegação de que venceu a eleição presidencial do mês passado. Os resultados oficiais mostraram o candidato do partido no poder (Frelimo), Daniel Chapo, como vencedor.
Venâncio Mondlane não estará hoje em Maputo
Mondlane, que deixou o País no mês passado por temer pela sua vida, recuou na promessa de regressar para liderar a manifestação após ter sido alertado de que não seria seguro fazê-lo. “Houve milhares de mensagens de moçambicanos em Moçambique e na diáspora a implorar para que eu não fosse a Maputo”, disse, numa mensagem de texto, a partir de uma localização desconhecida. “Houve cartas, áudios, vídeos, e-mails.”
A instabilidade levou um operador de terminais do porto de Maputo a suspender as operações e abalou a confiança dos investidores no País. Os eurobonds de Moçambique, no valor de 900 milhões de dólares, com vencimento em 2031, caíram 0,2% até às 11h46 desta quinta-feira em Maputo, para 83,59 cêntimos por dólar. Um fecho neste nível seria o mais baixo desde 25 de Julho.
Este contexto em que o Pais se encontra deixa-o num impasse político, social e económico nunca visto nos últimos 50 anos, desde a luta pela independência. Pelo menos 24 pessoas morreram nos protestos que eclodiram após as eleições de 9 de Outubro, e o ministro da Defesa até confirmou, esta segunda-feira, que existe um plano em marcha para tomar o poder de forma ilegal.
Mondlane prometeu que quinta-feira seria um “dia de libertação de Moçambique” do partido que governa desde a independência de Portugal (Frelimo) há 49 anos. Chapo manteve-se, em grande parte, discreto desde as eleições, afirmando que o diálogo deve ser a base para resolver os conflitos.
Capital sitiada e exército na rua
A avenida Julius Nyerere, em Maputo, onde se situam várias embaixadas, sedes de empresas e, claro, o centro do poder político, com a Presidência, está completamente deserta desde a manhã desta quinta-feira, enquanto veículos blindados militares e polícias patrulhavam a área. Noutros locais da cidade, a polícia tem tentado dispersar manifestantes com gás lacrimogéneo embora haja relatos e vídeos a circular nas redes sociais em que se percebe que têm existido alguns confrontos entre a Polícia e os próprios membros das FADM que estão nas ruas a controlar a movimentação das pessoas e, aparentemente, a garantir a segurança dos manifestantes.
No entanto, há uma grande multidão a mover-se pela avenida Eduardo Mondlane, provinda de toda a cintura urbana de Maputo, pelas principais vias de acesso à capital e há registo de tiros e disparos na zona da Coop e em várias das artérias principais da cidade. Mais perto da Presidência, a Julius Nyerere está fechada, e a guarda presidencial bloqueou a avenida a partir do cruzamento com a Mao Tsé Tung, da Provedoria da Justiça até ao destacamento feminino, com veículos blindados, enquanto os manifestantes gritavam “povo no poder!”
Com receios de uma violência crescente, várias embaixadas em Moçambique apelaram à contenção. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, apelou para uma desescalada imediata e para o respeito pelo direito de reunião pacífica.
A vizinha África do Sul fechou a sua principal fronteira terrestre e apelou à calma, avisando os seus cidadãos para evitarem viajar para Moçambique.
Acesso à avenida Julius Nyerere está fechado
Restrições na Internet
As autoridades em Maputo têm restringido repetidamente o acesso à Internet desde o fim-de-semana, dificultando que Mondlane oriente os seus apoiantes através de transmissões ao vivo diárias, que atraíram milhões de visualizações desde que anunciou ter deixado o País a 21 de Outubro.
O engenheiro florestal tem procurado o apoio de milhões de jovens desempregados num país onde a idade média é de 17 anos, e um em cada três jovens está desempregado e não frequenta a escola.
O ministro da Defesa, Cristóvão Chume, disse na terça-feira que o Governo está a investigar o uso potencial de força excessiva por parte da polícia, que tem utilizado munições reais para conter os protestos. Pelo menos um agente policial morreu.
Um grupo influente de bispos católicos apelou ao diálogo entre os líderes políticos. Mondlane afirmou estar disponível para negociar, com condições, incluindo a restituição do que alega ser o verdadeiro resultado das eleições.
Verificação dos votos
O Presidente cessante, Filipe Nyusi, afirmou que o Conselho Constitucional deve primeiro verificar os resultados finais, e que as partes em disputa devem construir confiança antes de iniciar o diálogo.
O tribunal superior de Moçambique deu à comissão eleitoral até quinta-feira (14) para esclarecer discrepâncias no número de votantes nas três eleições diferentes do mês passado — presidencial, parlamentar e assembleias provinciais.
“A resolução mais provável para a actual crise política será uma recontagem dos votos em vários distritos”, afirmou o grupo Eurasia numa nota esta semana.