Os serviços financeiros chegam a cada vez mais Moçambicanos, mas os custos de transacção, as exigências feitas às ‘‘fintech’’ e a parca educação financeira travam maiores progressos. A análise de Carlos Mondle, gestor de serviços financeiros digitais da FSD Moç.
A Financial Sector Deepening Moçambique (FSD Moç.), associação para a inclusão financeira, foi criada há dez anos, trabalhando com empresários, reguladores do sector financeiro, seguros e telecomunicações, com os quais assinou memorandos de entendimento. Nos últimos anos, passou de um programa co-financiado pelo Reino Unido e Suécia para uma cooperativa e, mais recentemente, converteu-se numa fundação (em processo de lançamento público). O seu âmbito deve alargar-se para as finanças verdes e impacto das mudanças climáticas. Em representação da FSD Moç., Carlos Mondle, gestor de serviços financeiros digitais, fala à E&M dos grandes desafios do sector.
Têm sido criadas soluções digitais que expandiram o acesso aos serviços financeiros. Em que medida?
A avaliar pelos esforços feitos no quadro da Estratégia Nacional de Inclusão Financeira 2016–2022, houve uma subida bastante significativa. Um relatório recente do Banco de Moçambique sobre inclusão financeira indica que nove em cada dez adultos tem uma conta de moeda electrónica – o que não acontece, por exemplo, com as contas bancárias. Este progresso aconteceu graças à informatização e cobertura por Internet móvel, que chegou às províncias, distritos e localidades. Muitos procuram, hoje, ter uma conta electrónica, mas também querem um agente que tenha dinheiro para possibilitar depósitos e levantamentos. Aí está o próximo desafio: tornar o processo útil, dispensado o numerário.
Ou seja, discute-se um acesso mais eficiente e disseminado aos meios financeiros electrónicos? O que está a faltar?
A transformação qualitativa já começou: digitalmente já é possível pagar serviços e produtos como energia eléctrica, água, televisão, recargas de telemóvel, mas é preciso alargar muito mais o leque de serviços até ao ponto em que o numerário comece a ser dispensável. A preocupação, agora, é pôr os utilizadores a fazer transacções usando as suas diversas contas electrónicas [interoperabilidade]. Outra questão é que ainda não se acumulam muitas poupanças e isso é preocupante, porque é a poupança que tem influência no desenvolvimento económico. Quanto aos empréstimos, sinto que o mercado cresceu, embora ainda haja muito espaço por explorar. Por exemplo, verifica-se que as pessoas estão cada vez mais endividadas no M-Pesa (carteira virtual da Vodacom) e solicitam cada vez mais serviços do E-Mola (Movitel) para fugir à dívida. Isto pode ser mais uma razão para o crescimento no número de subscritores do e-Mola. Mas isto não é qualidade. Então, o que é que podemos fazer do ponto de vista de educação financeira para as pessoas perceberem que é com a mesma conta que usam no dia-a-dia que devem procurar pequenos financiamentos? É isto que faz parte do desenvolvimento. Um relatório do Banco de Moçambique, que avalia a educação financeira no País, refere que o nível de conhecimento em finanças ainda é reduzido para a maioria da população, ou seja, está muito aquém do desejável. Assim, a próxima Estratégia de Inclusão Financeira, até 2030, poderá ter a educação financeira como prioridade, depois de uma primeira fase em que o foco era a expansão de serviços.
Mas não há iniciativas do Banco de Moçambique e dos bancos comerciais na promoção da educação financeira?
Há um esforço do regulador que deve ser reconhecido. A educação é feita através de programas de rádio e de outros órgãos públicos de comunicação social. Mas, infelizmente, a maioria das pessoas não tem o hábito de escutar rádio ou ler jornais. Penso que a solução deveria passar por introduzir este tipo de conhecimento no ensino básico, até ao sétimo ano de escolaridade. Em relação aos bancos comerciais, noto que fazem um tipo de educação ou literacia em finanças que está mais focado em publicitar o seu produto. Por isso, acredito que a solução seja, além da educação no ensino básico, que o Banco de Moçambique comece a supervisionar todos os operadores (bancos, micro-bancos, operadores de moeda electrónica e ‘fintech’) num trabalho conjunto para aprimorar a educação financeira. Infelizmente, não há sinal de que isso venha a acontecer.
Em Janeiro deste ano, o Banco de Moçambique reportou a redução do número de caixas ATM em 12%, desde 2020. Estaremos perante os primeiros sinais de desinvestimento na expansão física dos bancos?
Para um banco, ter uma ATM numa região remota representa um custo diário com colocação de dinheiro, energia, segurança, limpezas, toda a manutenção. Todo este custo, às vezes, não compensa. Para que a ATM seja lucrativa, tudo depende do número de transacções nela feitas, pelo que alguns bancos mantêm as suas ATM apenas por uma questão de imagem ou de marketing, não por serem rentáveis. O que os bancos vão fazer, tendencialmente, é alargar a rede junto de pequenos comerciantes através de aparelhos POS. Temos notado também que muitas pessoas que têm conta bancária, fazem um movimento por mês, para levantar ou transferir o salário para uma conta móvel – que é muito mais flexível e prática. As três instituições de Moeda Electrónica (e-Mola, mKesh e M-Pesa) têm entre si um número maior de contas do que todo um sistema bancário, que já existe há cerca de 50 anos.
Quais são os grandes problemas regulatórios que a FSD Moç. identificou no sector financeiro, e que, eventualmente, estejam a influenciar o aumento dos custos de transacção?
O Banco do Moçambique fez uma revolução notória na componente regulatória. Primeiro, mexeu na lei das instituições e sociedades financeiras, e permitiu que estas reconheçam as instituições de moeda electrónica e os provedores de serviços de pagamentos como novos actores, a par dos bancos e micro-bancos. Segundo, criou a regulamentação específica para os provedores de serviços de pagamentos. As ‘fintech’ têm hoje um
regulamento. O problema disso é que o banco central exige que esses provedores aprimorem critérios de risco e tenham um capital social mais elevado. O capital social mínimo para estar no mercado é de cerca de 100 mil dólares (6,3 milhões de meticais). E as ‘fintech’, que são empresas pequenas, não têm capacidade para cobrir esse custo. De um modo geral, não acho que haja um problema da regulamentação. A grande questão é: como tornar a regulamentação mais leve para que os pequenos actores possam operar em melhores condições?
As ‘fintech’ também manifestam insatisfação com o aviso emitido pelo Instituto Nacional de Telecomunicações de Moçambique (INCM) de introduzir novas cobranças sobre as suas actividades, a partir de 2025. Não estaremos a desincentivar as ‘fintech’?
Há cerca de quatro anos, a FSD Moç. fez um estudo que se referia aos elevados custos de transacção. Até hoje, estes custos continuam altos e impedem uma maior inclusão financeira por via das contas electrónicas. Felizmente, o INCM publicou um anúncio, há poucas semanas, a pedir propostas de empresas que vão fazer consultorias visando a redução desses custos. Só para ter uma ideia, cada vez que alguém vai ao telemóvel consultar um saldo, fazer uma transferência ou pagar um serviço, o operador em causa (M-Pesa, mKesh ou e-Mola) paga uma taxa ao INCM. É com base nestes custos que se marcam os preços de transacções para o consumidor final que ficam, obviamente, mais elevados. O que seria desejável era que essa cobrança fosse feita uma vez por dia, independentemente do número de transacções que vierem a ser realizadas.
Então, podemos prever um futuro em que estes custos possam baixar?
Sim, porque essa é também, por um lado, uma forma de impulsionar a inclusão financeira, e, por outro, de aumentar a qualidade, no sentido em que as pessoas vão poder fazer transacções, sem receio de várias cobranças. Os bancos estão cientes de que é preciso baixar os custos, seja no ‘internet banking’, seja nos aparelhos POS ou nas ATM. Eventualmente, poderemos esperar uma situação em que a primeira transacção do dia seja gratuita. Ou um cenário em que, simplesmente, haverá uma redução de tarifas.
Falou em finanças verdes como um dos novos focos da FSD Moç. Do que se trata e quais as metas que pretendemos alcançar enquanto País?
Fizemos um estudo e desenvolvemos um cronograma para acções que têm de ser desenvolvidas, para identificarmos actores que devem ser envolvidos, para implementar as finanças verdes em Moçambique. Temos de definir qual é o papel de cada um, bancos, seguradoras, e instituições do Governo. E esse guião foi entregue ao Ministério da Economia e Finanças, que é a tutela financeira do Estado. Por exemplo, como podem, as seguradoras financiarem um sector agrícola pouco mecanizada e que depende da chuva? Em épocas de fraca pluviosidade, os produtores não conseguiriam produzir quantidades suficientes para comercializar e honrar os seus compromissos financeiros. Aí entram as finanças verdes, que pressupõem linhas que financiam a produção em situações de maior risco, a par de financiamento a projectos amigos do ambiente. Quénia, Zâmbia e Uganda já desenvolveram essas soluções financeiras e apresentam bons resultados.
Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R.