As empresas públicas publicam pouca informação e dispõem de poderes que abrem portas à corrupção. Como contrapartida à linha de crédito concedida ao País, o FMI exige o cumprimento de medidas para a economia ganhar transparência.
Os alertas acerca da corrupção em Moçambique repetem-se, de tempos a tempos, e às vezes são feitos pelas próprias autoridades, num acto de reconhecimento da gravidade do problema. As receitas para lidar com a situação são conhecidas, mas falta implementá-las. O Fundo Monetário Internacional (FMI) está a fazer um esforço para que as medidas anticorrupção se concretizem, exigindo a aplicação de algumas delas como contrapartida da linha de crédito concedida ao País, há dois anos, no valor de 456 milhões de dólares.
No último relatório periódico de avaliação, que serve para validar novos desembolsos, o fundo pede “atenção” aos riscos de corrupção no Sector Empresarial do Estado (SEE) e exige medidas de transparência na gestão por parte do Governo. Nestes programas de apoio do FMI, o que se diz nas avaliações periódicas é tão importante como a entrada dos desembolsos nos cofres do Estado, pelo sinal que dá para o resto do mundo e pelo que isso implica para a confiança na economia do País.
“É importante melhorar a transparência nos processos de contratação pública das empresas públicas para abordar as vulnerabilidades à corrupção e melhorar a eficiência da despesa pública”. O que está em causa é o quadro jurídico que “concede às empresas públicas um amplo poder” para realizarem aquisições directas em situações não competitivas, aumentando os riscos de corrupção”. Este poder permite fazer contratos sem respeitar princípios ou concursos, invocando “processos excepcionais em situações de força maior”, sem indicar “critérios objectivos ou salvaguardas”. Dada a dimensão do sector, o Governo e os cidadãos devem prestar atenção aos processos de aquisição das empresas públicas”, aponta o relatório. No entanto, a tarefa afigura-se como uma missão de detective, porque “falta divulgação regular de dados sobre o desempenho do SEE”.
FMI apoia, mas exige reformas
No relatório, o FMI referiu que está a trabalhar com o Ministério da Economia e Finanças com vista a reformar o SEE e pediu, como primeiro passo para uma maior transparência”, a publicação das políticas de aquisição das empresas públicas, juntamente com os planos anuais de aquisição” ou a implementação de políticas de transparência da propriedade beneficiária e anticorrupção”. O compromisso está estabelecido e há prazos para cumprir, entre Dezembro e Março de 2025.
É certo que as autoridades costumam fazer referência a recentes reformas do quadro jurídico das empresas públicas e aos “esforços em curso”, mas o FMI diz que não chega. É necessária mais atenção aos quadros de governação corporativa para melhorar o desempenho”do SEE e mais independência. O relatório defende o fortalecimento “da independência e da autonomia dos conselhos de administração das empresas públicas” com “objectivos claros”, clarificando os papéis do Estado (como proprietário), dos conselhos de administração e da gestão.
Escolher com base na competência
O processo de indicação do conselho “deve ser formalizado e realizado com base no mérito competitivo e em princípios transparentes que busquem profissionalismo e competências relevantes”, acrescenta o relatório do FMI. Por outras palavras, devem ser combatidos outros critérios de proximidade na hora de indicar administradores. O FMI sublinha a necessidade de “garantir que os membros do conselho das empresas públicas não assumam outras funções em órgãos reguladores ou de supervisão” e “declarem a sua propriedade, se houver, em todas as empresas públicas”.
Atenção à folha salarial
O FMI repetiu ainda um alerta que divide analistas independentes: o Fundo defende a redução dos gastos com os salários da função pública moçambicana e diz que está a ser “mais difícil do que o esperado”, alertando para o “pesado fardo” para as finanças públicas. Essas dificuldades na implementação da reforma, aponta o FMI, resultaram em derrapagens de 3,3% do PIB em 2022. Em 2023, o peso da massa salarial caiu para 15,1% do PIB, face aos 16,1% em 2022, mas ficou acima do limite orçamental fixado em 13,8% do PIB.
“As despesas com a massa salarial representam um pesado fardo para as finanças públicas – equivalente a 72% das receitas com impostos em 2023”, alerta-se no documento do FMI, apontando-se que esse volume de despesa limita os gastos do Estado com apoios sociais e outras necessidades de desenvolvimento.
Texto: Redacção • Fotografia: D.R.