Apesar de Moçambique despertar o interesse de grandes operadores da aviação, não há mercado com dimensão para que permaneçam e imprimam eficiência ao transporte aéreo. O que está a falhar?
Globalmente, o volume de mercadorias transportadas por via aérea representa menos de 1%. Em Moçambique, a realidade não é diferente. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), referentes a 2022, considerando todas as mercadorias transportadas pelos diferentes meios (rodoviário, ferroviário, marítimo e aéreo), o peso do transporte pelo ar foi de 0,02% (ver infografia nas páginas 27 e 28). Ainda assim, a via aérea é a preferida para o transporte de mercadorias de alto valor, perecíveis ou que precisem de ser entregues rapidamente. Este é um sector que tem enfrentado problemas em Moçambique, vários e antigos obstáculos. Comecemos pela ponta do icebergue.
Caos na aviação
Enquanto o Governo adopta medidas para tornar o País mais atractivo ao investimento externo (como a isenção de vistos), as condições no mercado da aviação, que é o principal interessado no processo, movem-se no sentido contrário. Durante muito tempo, têm-se registado problemas estruturais. O mais recente está relacionado com a insuficiência de divisas no mercado cambial, que sofreram uma redução significativa nos últimos meses, prejudicando a actividade dos operadores, sobretudo internacionais.
O que é que está efectivamente a acontecer? O presidente do pelouro do Turismo da Confederação das Associações Empresariais de Moçambique (CTA), que também é CEO da agência de viagens Cotur, Muhammad Abdullah, mantém contacto com os operadores da aviação e ajuda-nos a perceber a dimensão do problema.
Air France bloqueia operações
Recentemente, a companhia francesa Air France pretendia voar para Moçambique, e até chegou a anunciar voos para o País. Mas desistiu, no segundo trimestre deste ano. No entanto, antes de tomar este passo, a Air France restringiu as tarifas mais baixas. Isto é, o mercado moçambicano só tinha acesso às ‘full-fare’ (mais caras). Por exemplo, uma viagem Maputo-Paris-Maputo, que pode custar entre 50 a 60 mil meticais, no mercado moçambicano estava disponível apenas por 160 mil meticais.
Quando as maiores agências do mercado de viagens em Moçambique (Cotur, Avitum, etc.) confrontaram a companhia, a Air France argumentou que não conseguia expatriar as divisas para França, no sentido de fazer face aos custos das operações. Por isso, compensou esse obstáculo, aumentando o preço, o que culminou, mais tarde, com o bloqueio total do mercado moçambicano.
“Hoje, se quisermos viajar pela Air France, não podemos comprar passagens aéreas em Moçambique. Temos de o fazer através da África do Sul ou outro país em que esta companhia esteja activa. Isto é preocupante e degradante para as nossas aspirações”, lamentou Muhammad Abdullah. Entretanto, a companhia Cathay Pacific, de Hong Kong, que também estava activa em Moçambique, desistiu pelas mesmas razões.
Mais companhias ameaçam sair
Neste momento, o mercado tem 23 companhias aéreas activas, que permitem o acesso a outras que não estão activas no País. Mas a insuficiência de divisas faz com que estas também ponderem restringir as vendas, podendo juntar-se às que anunciaram o cancelamento da sua presença em Moçambique. Muhammad Abdullah refere ter recebido um ultimato de operadores dirigido ao mercado: “Estamos a dar mais uma oportunidade para ver se as coisas melhoram. Mas, se continuarem assim, muito em breve vamos anunciar a interrupção”, disse o CEO da Cotur.
Além disso, de acordo com o responsável, companhias como a Ethiopian Airlines e a Qatar Airways também ameaçam cancelar voos para Moçambique, caso as divisas continuem a escassear. “Algo tem de ser feito antes de ‘batermos no fundo’, principalmente nesta área das viagens”, referiu aquele responsável.
Apesar das contrariedades, de acordo com o relatório da Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), o sector das viagens aéreas gerou um volume de negócios da ordem dos 150 milhões de dólares no primeiro semestre deste ano, comparativamente a 100 milhões em igual período do ano passado, o que revela um nível de crescimento assinalável.
É um nível de crescimento que se pode perder caso o mercado das divisas continue escasso.
Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R.