Porque é que o transporte marítimo doméstico não funciona num país com uma costa tão extensa como Moçambique? Saiba o que vai mal.
O sório Lucas, director-executivo da Sociedade de Desenvolvimento do Porto de Maputo (MPDC), empresa concessionária do Porto de Maputo, é uma das vozes que reconhecem a importância da cabotagem – navegação doméstica, porto a porto – num país marcado pela insegurança e pela má qualidade das estradas. Entende que seria mais apropriado que a carga fosse transportada pelo mar. Mas porque é que isso não acontece?
“Há razões que fazem com que a retoma da cabotagem leve tempo (no passado, a cabotagem já esteve activa na costa moçambicana). Primeiro, nem todos os portos têm infra-estruturas para suportar a cabotagem. O Porto de Nacala, por exemplo, agora, tem guindastes. Mas antes, os navios, tinham de ter os seus próprios postes de carga, o que obrigava a custos de operação maiores”, argumentou.
Depois, falta completar a cabotagem com a entrega à porta do armazém. Pelo mar, o fornecedor leva a carga até ao porto, onde demora até sair para um camião, para ser levada por estradas, na sua maioria em mau estado. “No fim de tudo, o tempo de entrega e o custo logístico acaba por ser maior” que por via terrestre, explicou o PCA do MPDC, antes de concluir: a cabotagem não escapa ao problema de infra-estruturas, que afecta todos os sectores da economia”.
Excesso de burocracia
António Simões, country manager da Rangel Logistics Moçambique, diz que já fez um estudo sobre a cabotagem em Moçambique, e entende que há factores que tornam esta modalidade de transporte inviável. Aponta, concretamente, as diferenças de fluxo económico entre o norte, centro e sul do País, como um factor a ter em consideração. Ou seja, a cabotagem só seria rentável no sentido sul-norte, e não no sentido contrário, já que os navios seguiriam cheios para abastecer o norte, mas regressariam vazios por falta de massa crítica. E isto desencorajaria o investimento nesta modalidade de transporte.
A esta questão acrescenta-se a excessiva burocracia. “Se eu tiver 20 camiões de mercadorias, levar o equivalente a essa quantidade para Pemba por via marítima seria muito mais económico do que seguir por estrada. O problema é que, efectivamente, a burocracia inerente à colocação dessa mercadoria dentro do navio é quase como fazer uma exportação”. O que acontece? É que o processo passa pelos mesmos procedimentos aduaneiros de uma exportação, em termos de documentação e de outras formalidades aduaneiras, excluindo o pagamento do IVA e outros encargos inerentes. “Isso limita os fluxos para rentabilizar um navio de pequena dimensão a fazer cabotagem nos portos moçambicanos”, revelou.
António Simões sublinha que a combinação de obstáculos como a burocracia e os longos períodos de paragem nos portos para movimentação de mercadorias faz da cabotagem uma actividade inviável. “Por isso é que várias empresas já apareceram com o objectivo de fazer cabotagem, mas todas desistem a meio do percurso. Fazem uma ou duas tentativas e não resistem porque, efectivamente, não encontram soluções. É que, para todos os efeitos, quem compra quer receber a mercadoria em casa, por questões de controlo da qualidade e da quantidade”. E é natural que um distribuidor que está em Pemba, Nacala ou Nampula não vá querer assumir qualquer risco em relação à recepção das mercadorias”, anotou.
De facto, nada avança
Há quatro anos, o grupo francês de logística Peschaud e o Governo moçambicano relançaram o serviço de cabotagem, transporte marítimo de mercadorias, porto a porto, em Moçambique, com a ambição de ligar o País de norte a sul. Mas o projecto ficou pelo caminho.
O objectivo era “criar a maior auto-estrada marítima do País”, referia a Sociedade Moçambicana de Cabotagem (SMC), detida pela empresa Peschaud Moçambique (75%) e pela estatal Transmarítima (25%). O serviço ainda ligou, durante cerca de um ano, o Porto de Maputo, capital do País, até Afungi, na província de Cabo Delgado, onde estava a ser construído o maior investimento privado em África, liderado pela petrolífera francesa Total, para exploração de gás natural. O investimento da SMC rondava os seis milhões de dólares (417 milhões de meticais).
A SMC publicava na Internet as movimentações das suas embarcações, Ylang e Greta. A última publicação da empresa no Facebook é de Janeiro de 2021. Dois meses depois, um ataque armado a Palma suspendeu o investimento no complexo industrial de gás natural. Esse ataque, com um número de mortes até hoje por revelar, paralisou o investimento (até hoje) e afastou o maior cliente da SMC. Em Novembro de 2021, foi a própria SMC a interromper a navegação porque, “com a paralisação das actividades da Total”, a embarcação Greta viajava “apenas com 15% da sua capacidade”, justificou Luís Carvalho, administrador da SMC.
Um fracasso antigo
Mas já antes tinha havido outras tentativas de fazer da cabotagem a opção para transportar boa parte das mercadorias e passageiros em Moçambique. Algo que se assume como natural num país com mais de 3 mil quilómetros de costa. Em 2020, por exemplo, a SMC diagnosticava uma necessidade de “processos simplificados, menos onerosos e que dêem resposta às críticas existentes no passado”. Os anos passam, os obstáculos prevalecem.
Texto: Celso Chambisso & Redacção • Fotografia: D.R.