Volvidos 3 (três) anos desde que a Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) de Moçambique iniciou funções, afigura-se oportuno destacar os principais desenvolvimentos na aplicação da legislação de concorrência em Moçambique ao longo deste período, bem como as perspectivas para o futuro. Essa análise prospectiva é especialmente relevante no contexto da integração de Moçambique na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e na União Africana, em particular no âmbito do Acordo da Zona de Comércio Livre Continental Africana (afCFTA), que Moçambique ratificou.
Comecemos por considerar brevemente os principais resultados atingidos até agora pela ARC. No que respeita ao controlo prévio de concentrações, de Agosto de 2021 a Junho de 2024, foram submetidas à aprovação da ARC quarenta e seis (46) notificações de controlo de concentrações, envolvendo um volume de negócios total de 533 mil milhões de dólares dos Estados Unidos da América. Os três sectores de actividade com o maior número de notificações de controlo de concentrações são os sectores do comércio, da energia e da indústria transformadora. No domínio das práticas anticompetitivas, foram investigados vinte e um (21) casos de práticas anticompetitivas, incluindo três (3) casos de abuso de posição dominante e um (1) de gun-jumping, ou seja, de implementação de uma operação de concentração antes da aprovação por parte da ARC. A ARC já sancionou empresas em três (3) processos. Além disso, realizou quatro (4) estudos económicos nos seguintes sectores: sector do transporte aéreo de passageiros, sector da produção e distribuição de açúcar, sector dos serviços de táxi e de transporte com base em aplicações e sector da produção de clínquer e cimento de construção.
Cabe a este propósito assinalar que o objectivo último do direito da concorrência é o de promover uma concorrência efectiva nos mercados, que permita gerar preços mais baixos, mais inovação e maior diversidade de escolha para os consumidores. Tendo isto presente, pode considerar-se, com propriedade, que a ARC tem procurado desempenhar com diligência o seu papel de garante do cumprimento das regras de protecção da concorrência.
Com a ARC agora em pleno funcionamento, afigura-se pertinente antecipar quais poderão ser as tendências para o futuro em termos da aplicação da legislação de concorrência em Moçambique, uma vez que o País faz parte da SADC e ratificou o afCFTA, onde se têm verificado desenvolvimentos significativos em termos de política de concorrência. Estes desenvolvimentos requererão ajustamentos no actual quadro legal da concorrência em Moçambique, com vista a alinhar a mesma com as políticas e directrizes regionais e continentais da concorrência. Embora esta convergência pareça promissora em teoria, existem desafios práticos que devem ser considerados.
Concorrência na SADC
A nível regional, Moçambique é membro da SADC. No seio da SADC, no que respeita à política de concorrência e protecção do consumidor, existem dois instrumentos fundamentais: (i) o Protocolo de 1996 sobre o Comércio – em particular o Artigo 25, que se centra na política de concorrência – e (ii) a Declaração da SADC de 2009 sobre a Cooperação Regional na Política de Concorrência e do Consumidor. Ao assinarem estes instrumentos, os Estados-membros comprometeram-se a aprovar e aplicar legislação de concorrência e de defesa do consumidor nos seus respectivos países, a estabelecer um sistema de escrutínio judicial adequado e a criar um sistema eficaz de cooperação regional nestas áreas. Além disso, em 2015, foram criados a nível da SADC grupos de trabalho especializados em cartéis, controlo de concentrações e abuso de posição dominante.
Recentemente, o Secretariado da SADC elaborou uma política-quadro de concorrência e um modelo de lei da concorrência, mas que aguarda a aprovação final do Comité de Comércio do Conselho de Ministros da SADC. Estão também a decorrer discussões sobre a potencial criação de uma autoridade de concorrência regional, semelhante à Comissão de Concorrência da COMESA ou a Comissão da CEMAC.
No âmbito da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), um instrumento crítico a ter em conta é o Protocolo sobre a Política de Concorrência, adoptado durante a 36.ª sessão da Assembleia da União Africana, realizada de 18 a 19 de Fevereiro de 2023 em Adis Abeba, Etiópia. Este instrumento entrará em vigor 30 dias após o depósito do 22.º instrumento de ratificação, o que ainda não ocorreu. O Protocolo sobre a Política de Concorrência da ZCLCA proíbe as práticas comerciais consideradas anticompetitivas e/ou incompatíveis com o mercado integrado e unificado da ZCLCA.
Este Protocolo estabelece objectivos ambiciosos em matéria de concorrência em todo o continente africano, em particular a criação de um regime de concorrência africano uniforme alinhado com os objectivos de integração económica previstos para o continente.
No âmbito desta convergência regional e continental da política de concorrência entre as nações africanas, há importantes desafios que devem ser considerados. Por exemplo, em matéria de controlo de concentrações, as jurisdições das autoridades regionais da concorrência e da autoridade continental da concorrência devem ser claramente delimitadas. O objectivo é evitar sobreposições desnecessárias de jurisdição relativamente a uma mesma transacção transfronteiriça, que poderia implicar uma redundante multiplicação de análises do impacto da transacção na concorrência e, consequentemente, atrasos significativos na sua conclusão. Acresce que aplicação das regras de concorrência nos Estados que integram uma organização regional ou continental como a SADC e a União Africana deve ser tendencialmente uniforme entre eles, por uma questão de segurança jurídica, que é crucial para os agentes económicos. Com efeito, entre os objectivos condutores da integração regional e continental devem estar precisamente a redução da burocracia e da incerteza regulatória para as empresas, de forma que se aumente a competitividade no mercado.
Delimitação de competências
Todos estes factores concorrem para a necessidade de uma delimitação clara de poderes e competências entre os diversos níveis – nacional, regional, continental – de aplicação do direito da concorrência, mas também para a necessidade de introdução de regras de concorrência uniformes e claras, que permitam às empresas distinguir condutas legais de condutas ilegais, não apenas num país em específico, mas também nos mercados regional e continental em que esse país está integrado. Outro aspecto fundamental diz respeito ao comércio entre as nações africanas. De acordo com o mais recente relatório da Comissão Económica para a África (CEA) sobre a avaliação dos progressos da integração regional em África, a integração regional africana está a progredir, embora a um ritmo reduzido. Com efeito, os países africanos continuam a efectuar mais trocas comerciais com o resto do mundo do que entre si − o comércio intra-africano em percentagem do comércio global situa-se na ordem dos 13%.
Deste modo, por muito robustas e integradas que sejam as políticas de concorrência, se as nações africanas não estiverem dispostas a adoptar políticas favoráveis ao comércio intra-africano, como a eliminação de direitos e tarifas de importação, a convergência regional em matéria de direito da concorrência não trará as vantagens desejadas.
Desta forma, a questão crítica que se coloca é se as nações africanas estão política, económica e socialmente preparadas para criar um mercado único africano semelhante ao que existe, por exemplo, na União Europeia. Em nossa opinião, isso determinará em larga medida o sucesso ou insucesso da convergência regional e continental em matéria de direito da concorrência.