A principal via do País é uma manta de retalhos. Os motoristas têm de contornar cada buraco da estrada para o camião não se partir. Entre o norte e o sul, há milagres diários para fazer chegar mercadorias ao destino. Pelo mar, a cabotagem parece inviável; pelo ar, procura-se nova gestão. O Banco Mundial aprovou ajuda, mas os processos burocráticos parecem infindáveis.
As cadeias de logística e a sua interligação desempenham (ou deveriam desempenhar) um papel crucial no desenvolvimento económico de Moçambique, facilitando o transporte de mercadorias e a integração regional. Com uma localização estratégica na costa sudeste de África, Moçambique serve como um corredor vital para os países sem saída para o mar, como Zimbabué, Zâmbia e Maláui, oferecendo acesso aos portos de Maputo, Beira e Nacala (os três grandes corredores logísticos do País).
No entanto, o País enfrenta desafios significativos, incluindo falta de infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, o que limita a eficiência das operações logísticas. Investimentos contínuos são essenciais para melhorar a articulação, reduzir custos de transporte e impulsionar o comércio e o crescimento económico, quer no País, quer na região da África Austral. Mas o que é que, de facto, acontece?
Estradas: uma grande dificuldade
Ao nível rodoviário, por onde circula a maioria das mercadorias, Moçambique tem sobrevivido sem uma espinha dorsal: conseguir atravessar a Estrada Nacional Número 1 (N1) de autocarro ou em veículos pesados é quase um milagre, porque a estrada só existe nos mapas. Na realidade, aquilo a que se chama N1 são pedaços de vias sem condições de circulação, sem manutenção adequada e sem correcções de traçado, mesmo nos troços identificados há décadas como zonas de inundação ou onde os terrenos estão a ceder.
Outras infra-estruturas, como as pontes, só não caem graças à ajuda externa. As sucessivas promessas de reabilitação feitas pelas autoridades nunca se concretizaram. Talvez seja graças à ajuda externa que a recuperação da N1 venha a acontecer, se o País conseguir aplicar as verbas aprovadas há dois anos pelo Banco Mundial.
O processo burocrático parece não se conseguir resolver e, agora, a previsão é que as obras comecem em 2025, entre Inchope e Caia, no coração de Moçambique, onde se encontram as províncias de Sofala, Manica e Zambézia. Mas, como os adiamentos têm sido constantes, resta esperar para ver.
“As estradas são vitais para a actividade económica, crescimento, inclusão social e redução da pobreza”, disse Idah Z. Pswarayi-Riddihough, directora do Banco Mundial para Moçambique, Madagáscar, Comores, Maurícias e Seicheles, na altura da aprovação do apoio financeiro equivalente a 850 milhões de dólares. “Esta operação é fundamental”, justificou.
Entretanto, as empresas de transportes de passageiros e de mercadorias relatam aventuras para conseguir trabalhar; outras fecham porque a actividade é um prejuízo constante. Ainda há dois anos, a empresa de transporte de passageiros Maningue Nice paralisava a actividade em todo o País, devido à degradação da N1: “Fomos obrigados a parar, porque estávamos a trabalhar para comprar peças, sem receita, sem poder pagar salários, nem dívidas aos bancos”, explicou o administrador Bakari Shemwaliku. Rotas que os autocarros da companhia percorriam num ou dois dias, ligando as províncias moçambicanas, passaram a fazer em três ou quatro, aumentando o esforço financeiro da empresa e afastando os clientes, acrescentou.
Outro testemunho que ficou no livro de memórias da degradada N1 foi o de Flávio Naiene, dirigente da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), quando disse à Lusa que viajar por aquela estrada “é um grande martírio”. “Temos de ‘namorar’ os buracos. Se não forem ‘namorados’, o camião fica pelo caminho”, descreveu.
As estradas são apenas a parte mais visível de um problema muito mais profundo e transversal.
Legislação desajustada
A E&M ouviu António Simões, Country Manager da Rangel Logistics Moçambique, uma das empresas de logística de peso no mercado, presente em 220 países. Conhece os sistemas logísticos de vários mercados, como Portugal e Angola. No caso de Moçambique, faz um alerta: “Há uma série de contingências legais que impedem medidas normais em qualquer ponto do mundo”. A que se refere? Por exemplo, se um agente económico quiser enviar uma simples palete de mercadoria ou comida para animais, de Maputo para a Beira, tem de ter uma licença de agricultura. E esta mercadoria, seja importada ou produzida em Maputo, não dispensa o pagamento de uma taxa ao Ministério da Agricultura para poder transitar para a Beira. Logo, se um comerciante tiver um armazém em Maputo e quiser vender a nível nacional tem custos e obstáculos.
O processo não compensa e é empurrado para a sua área – onde não precisa de apresentar licenças. Além disso, para levar mercadorias importadas para outro ponto do País, é preciso carregar uma série de documentos. É preciso comprovar que foram pagos direitos alfandegários, apesar de a mercadoria estar a ser transportada dentro do País. Mas há mais obstáculos.
Situação crítica nos portos
“Por exemplo, na actividade portuária, a lei estabelece que um navio só pode atracar no Porto de Maputo se tiver uma quantidade muito significativa de contentores para a capital. Caso esteja carregado de contentores destinados a países vizinhos, está interdito de parar. Ou seja, a lei não permite o trânsito de contentores nos portos nacionais, isto é, toda a mercadoria que é descarregada tem de ser obrigatoriamente desalfandegada”, descreveu.
Uma situação que “não acontece noutras realidades”. “Geralmente, os navios podem atracar num determinado porto e deixar mercadorias para outros países – que são depois transportadas em embarcações de menor dimensão para o destino final”. “Por isso costumo dizer: o que é verdade em Moçambique, é mentira no resto do mundo. E vice-versa”, ironizou.
António Simões argumentou que, por causa destes e outros obstáculos, demora muito tempo ligar os continentes a Moçambique (geralmente três meses), já que as companhias têm de criar uma massa crítica suficiente para deslocar um navio só para Maputo, evitando cargas de outros destinos. “Isto acontece também na carga aérea”. Moçambique teria vantagens em ser um ponto de trânsito de mercadorias, mas “a lei o não permite”, acrescentou António Simões.
Resultado: perda de competitividade
Há cada vez menos navios de mercadorias com destino a Maputo, Beira ou Nacala devido a barreiras legais sem lógica para o mercado. “Num passado recente, tínhamos mais de um navio por mês, da mesma companhia, a passar por Maputo. Hoje temos um de mês a mês. Nalgumas situações, temos um em cada dois meses”, lamentou António Simões.
Como resultado, todas estas voltas pelo mar e por um universo legal repleto de burocracias e regras sem sentido acabam por tornar os produtos mais caros. As mercadorias são importadas em navios maiores, que são relativamente mais onerosos. Mas, acima de tudo, o que está em causa é a demora para fazer a gestão de um fluxo suficientemente grande que justifique a entrada do navio no porto.
Os custos de operação de serviços aéreos em Moçambique são elevados devido a factores como taxas aeroportuárias altas, custos de combustível e tarifas de navegação aérea
Trata-se de um processo com custos elevados, porque exige vários pagamentos, a várias entidades, não só fiscalizadoras, como ao próprio porto. E quanto maior o navio, maiores os custos. “Logo, o que é que as companhias fazem? Deixam esses contentores noutros portos de onde depois um navio menor os recolhe e os traz a Maputo. Mas esta solução também tem um ponto fraco: provoca atrasos significativos. Tudo inconvenientes que, do ponto de vista legal, podiam ser eliminados”, concluiu.
Centro e norte sem massa crítica
Outra das grandes preocupações da logística em Moçambique são as assimetrias regionais. É que a distribuição física de mercadorias funciona de sul para norte, mas não há fluxos no sentido contrário. Ou seja, os camiões seguem cheios para o norte, mas voltam vazios. Portanto, não há massa crítica nas regiões centro e norte que viabilize o retorno dos camiões com carga. Quando existe mercadoria, é de baixo preço e, consequentemente, não pode equilibrar a factura do transporte. Assim, quem paga a factura é quem envia e, em última análise, o custo reflecte-se no preço final ao consumidor.
Os problemas da logística aérea
Relatórios da Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO), Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) e do Instituto Nacional de Aviação Civil de Moçambique (INAC) são elucidativos sobre a dimensão dos problemas da aviação, que prejudicam tanto a eficiência quanto a competitividade do sector. Eis alguns dos principais desafios:
Ferrovias sem entrepostos
A ferrovia é uma alternativa à estrada, mas a rede está orientada da costa para o interior, de forma transversal. Não existe uma linha longitudinal que ligue o sul ao norte, apesar de ter sido projectada há vários anos. Não existem estações associadas a entrepostos de mercadorias, nem equipamentos para fazer uma movimentação rápida de mercadorias, como acontece nos países desenvolvidos, por exemplo, movendo-a de carruagens para camiões. Esta é mais uma limitação logística crucial.
Joaquim Zucule, administrador-executivo dos CFM, acrescenta a necessidade de consolidar a informatização de processos, acabando com despachos em papel nas fronteiras, para aumentar a eficiência na movimentação de pessoas e bens – não apenas na parte interna, mas na relação com as empresas de logística e transportes dos países vizinhos. O Porto da Beira, por exemplo, “apresenta sérios problemas de eficiência. À entrada no terminal de combustíveis, registam-se filas muito longas. Por isso, a meta, para já, é aumentar a capacidade de movimentação de combustíveis”, revelou.
Novos investimentos à vista
Estão previstos investimentos para a transformação do sector, mas é ‘ver para crer’, face ao histórico de promessas por cumprir. O administrador-executivo dos CFM promete informatização e formação de recursos humanos (maquinistas, revisores, chefes de estação, entre outros) para concretizar a modernização da empresa.
Paralelamente, os CFM pretendem criar rotas directas Maputo-Harare (Zimbabué), Maputo-Essuatíni, Maputo-África do Sul, Beira-Harare e Nacala-Maláui. “Para isso, já estamos a trabalhar com as nossas congéneres para a implementação, a curto prazo”, disse Joaquim Zucule.
A meta é trazer divisas para o País, já que cerca de 80% da actividade ferroviária corresponde a volumes de carga que envolvem os países sem acesso ao mar. Assim, parte dessas divisas deve ser reinvestida na compra de locomotivas, por exemplo.
Zucule admite que o Porto de Nacala, apesar de ser novo, moderno e “gigante” ao nível da África Austral, enfrenta a concorrência dos investimentos que estão a ser feitos no porto de Lobito, em Angola. “Temos de estar preparados para, rapidamente, vender a nossa ambição e visão em relação ao porto de Nacala”.