Se deixarmos de usar carvão vegetal, o planeta agradece. Mas isso é impensável para a maioria das famílias que ainda depende desta fonte de energia. Como contornar o dilema?
Como forma de encontrar alternativas sustentáveis ao uso do carvão vegetal, a Biomotta, uma empresa moçambicana que actua na protecção e preservação do meio ambiente, desenvolveu o projecto de formação “Eco Mulembja”, num bairro com o mesmo nome (Mulembja), no distrito da Manhiça, em Maputo. A actividade durou um mês (entre 5 de Julho a 5 de Agosto). A capacitação focou-se principalmente nas mulheres e foi pensada para encontrar respostas a desafios ambientais críticos, tais como a necessidade de adopção de fontes renováveis, gerir resíduos sólidos e acautelar a exploração de recursos florestais.
Como fazer? Este projecto trabalhou quatro aspectos importantes da sustentabilidade: a protecção dos recursos florestais; a formação e emancipação das mulheres e de outros membros da comunidade em técnicas de produção de biomassa; a gestão e reaproveitamento de resíduos sólidos; e a criação de uma fonte de rendimento para as famílias e comunidades envolvidas.
Protecção dos recursos florestais
O carvão ecológico proposto pela Biomotta às comunidades é produzido a partir de material reciclado e resíduos sólidos (lixo) de vegetais e papel, explicou o engenheiro ambiental e presidente do Conselho de Administração da Biomotta, Michaque Mota. É uma forma de “travar a exploração dos recursos florestais, como a lenha das árvores”. Este seria um passo importante na luta contra os riscos ambientais que a comunidade enfrenta.
De acordo com um estudo intitulado “Cadeia de Valor e Mercado de Combustíveis Lenhosos em Moçambique”, realizado pela consultora ambiental Greenlight (que se dedica à área das energias), “a procura de biomassa para a produção de carvão vegetal tem trazido impactos ambientais e socioeconómicos adversos”. Tais impactos traduzem-se no uso excessivo dos recursos florestais, causando a desflorestação, o que provoca erosão e destruição de ecossistemas.
A produção do carvão ecológico
O projecto Eco Mulembja, que abrangeu cerca de 100 membros da comunidade, na sua maioria mulheres, consistiu em treiná-las em todas as técnicas envolvidas na produção do carvão biodegradável, num processo “simples”, garante o PCA da Biomotta. “Inicia-se com a recolha da matéria-prima, derivada de resíduos agrícolas, solos urbanos e materiais orgânicos biodegradáveis de origem animal. Trabalhamos com serradura, bagaço de cana-de-açúcar, papel descartado, casca de amendoim e outros tipo de substratos”, explicou.
Neste processo, ainda segundo o responsável, o primeiro passo consiste na trituração da matéria-prima, transformando-a em substrato. De seguida, junta-se a um ingrediente aglutinador, para ficar uma pasta consistente, obtendo-se assim um material pronto para moldar, como pedaços de carvão. O processo termina com a secagem desse novo carvão, ao sol.
Reaproveitar resíduos sólidos
Com todo este processo, a comunidade aprendeu a valorizar o lixo, como o bagaço de cana-de-açúcar, casca de mandioca, restos de alface e de outros vegetais, além do papel descartado, recolhido maioritariamente nas escolas. Este conhecimento, transmitido à comunidade, serve como medida para solucionar outro problema, que é o excesso de lixo acumulado. Ou seja, os membros da comunidade passaram a ver o lixo como matéria-prima e a recolhê-lo para posterior transformação – quer dizer, reciclando-o.
Rendimento para as comunidades
Segundo Eliel Jonas Mahanuque, coordenador do projecto Eco Mulembja e professor na comunidade beneficiária do projecto, a capacitação é uma solução importante para o crescente desemprego, constituindo uma nova fonte de rendimento para as famílias. “É uma iniciativa que surge num momento oportuno, visto que a comunidade está a passar por um período difícil, em que muita gente ficou desempregada devido ao encerramento da açucareira da Maragra. Esta era uma indústria que empregava uma boa parte da comunidade da Manhiça e que gerava rendimento para muitas famílias”, revelou.
Estas palavras encontraram eco nas declarações de Felismina Mbeve, uma das donas de casa beneficiárias do projecto. “É uma grande alegria ter aprendido a fazer carvão, porque é muito simples e consigo fazê-lo sozinha para vender. Aprendi coisas bastante importantes e faço questão de as transmitir aos meus filhos e a outras pessoas que, inicialmente, não se identificavam com o projecto”, concluiu.
E no futuro?
Michaque Mota revelou que um dos principais objectivos da Biomotta, a curto prazo, é expandir o projecto para mais regiões, partilhando as boas práticas. “Acreditamos que esta é uma tarefa fundamental para a construção de resiliência a nível das comunidades locais, criando oportunidades, especialmente para as mulheres, que são o nosso foco”.
Texto: Filomena Bande • Fotografia: D.R.