O conflito em Cabo Delgado e o elevado valor das reservas da bacia do Rovuma, num mundo ainda sedento de gás, deverão tornar realidade o que era visto como uma hipótese distante: Moçambique vai ter uma segunda plataforma flutuante de exploração e liquefacção de gás natural. No estaleiro, na Coreia do Sul, só se espera por uma decisão do Governo moçambicano.
A plataforma flutuante Coral Sul, que em 2022 deu início à exploração de gás da bacia do Rovuma, foi a primeira plataforma do género em águas profundas e o primeiro projecto do tipo desenvolvido em África. Agora, vai ter uma irmã gémea: Coral Norte. No mesmo estaleiro em Geoje, Coreia do Sul, em que foi construída a primeira, a Samsung Heavy Industry (SHI) posiciona-se: espera que lhe seja entregue o quanto antes a construção da segunda plataforma flutuante para servir a Área 4 de concessão do Rovuma – em que a operação offshore é liderada pela italiana ENI (à ExxonMobil cabe liderar a parte em terra, ‘onshore’, mas a decisão de investimento continua adiada).
A construção pode arrancar ainda neste terceiro trimestre, anunciou, em Seul, o vice-presidente da multinacional sul-coreana. “Estamos ansiosos pela oportunidade de construir a segunda plataforma flutuante para Moçambique”, disse Young Kyu Han à comunicação social durante uma visita do Presidente da República, Filipe Nyusi, à Coreia do Sul, em Junho.
Um estaleiro movimentado
De lá para cá, sucedem-se as movimentações no estaleiro, que tem recebido um número recorde de encomendas de todo o mundo para a indústria de gás natural, sobretudo relacionadas com cargueiros: são navios com grandes depósitos abobadados para manter sob pressão, no estado líquido, quantidades gigantescas de gás natural que circulam para os países consumidores através do mar.
Comparando com os cargueiros que mais têm ocupado os estaleiros da SHI, construir uma plataforma é uma obra muito mais complexa e demorada. A Coral Norte terá a mesma capacidade da já instalada, para produzir, por ano, 3,4 milhões de toneladas métricas e será montada em colaboração com empresas da França e do Japão.
À espera do plano do Governo
“O arranque da construção da plataforma está condicionado à aprovação do plano de desenvolvimento pelo Governo de Moçambique, de modo que os trabalhos comecem no terceiro trimestre”, ou seja, até final de Agosto, explicou o vice-presidente Young Kyu Han.
Para o consórcio da Área 4, é um investimento de sete mil milhões de dólares (6,3 mil milhões de euros) e, se o cronograma correr como previsto, a plataforma pode começar a produzir no segundo semestre de 2027 – ou seja, antes dos projectos em terra, parados e sem se saber quando serão retomados, dependendo de implicações de segurança devido à insurgência armada em Cabo Delgado. No mar, a Coral Norte ficará estacionada 10 quilómetros a norte da Coral Sul.
Um negócio vital
A produção do projecto Coral Sul está a ser toda vendida à petrolífera BP e assim será durante 20 anos, com opção de extensão por mais 10. Sobre a Coral Norte, ainda não houve nenhum anúncio quanto aos contratos de venda.
Ainda está longe, muito longe, do potencial transformador da bacia do Rovuma, mas a entrada em funcionamento da plataforma Coral Sul gerou um impacto visível na economia moçambicana. As vendas de gás natural por Moçambique ascenderam a 1,7 mil milhões de dólares (1,5 mil milhões de euros) em 2023, três vezes mais do que em 2022, aproximando-se do carvão mineral, que ainda lidera entre as exportações moçambicanas.
De acordo com dados compilados pela agência Lusa a partir de relatórios estatísticos do Banco de Moçambique, a exportação de gás natural em 2023 aumentou 218% face ao ano anterior, em que essas vendas atingiram os 541,6 milhões de dólares (499,2 milhões de euros).
A agência de notação financeira Standard & Poor’s considera que Moçambique terá ganhos significativos dos projectos de gás a partir de 2028, mas até lá enfrentará grandes desafios, incluindo um forte aumento nos montantes dos pagamentos da dívida. A S&P tem mantido o ‘rating’ de Moçambique em CCC+, argumentando que as boas perspectivas de exportação de gás são anuladas pelos elevados riscos financeiros actuais.
Texto: Redacção • Fotografia: D.R.