Há aterros sanitários que se transformaram em fontes de sustentabilidade, nas suas três dimensões: Ambiental, Social e de Governança (ou, no caso, gestão), conhecidas pela sigla inglesa ESG. Mas isso não acontece em Maputo. Uma pesquisa da jurista e estudiosa em assuntos ambientais, Vânia Cavel, mostra o que está a falhar e como mudar este paradigma.
A pesquisa “Análise Ambiental da Lixeira de Hulene e a Responsabilidade Jurídica do Conselho Municipal” aborda o aterro sanitário de Hulene, Maputo, para alertar as autoridades. A autora salienta que há uma tendência para repetir os erros de Hulene nos novos aterros, anulando a possibilidade de estes servirem de pólos de criação de valor, como acontece noutros países.
Falando à E&M, após apresentar o tema nas Jornadas Científicas da Universidade Politécnica, Vânia Cavel apontou para um problema de génese. “Definiu-se um espaço para servir de lixeira e, logo a seguir, começou a deposição indiscriminada de resíduos. A lixeira foi crescendo no mesmo espaço em que se ergueram habitações. O resultado é que o aterro, que deveria ser uma fonte de rendimento para centenas e milhares de famílias, e até de produção de energia, representa o contrário: um perigo crescente à saúde pública com um custo social incomensurável. Está longe de ser um local gerador de ganhos”.
Falta de preparação do solo
Um dos objectos de estudo e comparação na pesquisa é a lixeira de Itajaí, no Estado de Santa Catarina, Brasil. Neste aterro, criado em 2008, foram seguidas todas as etapas de preparação do solo. A técnica consistiu em impermeabilizá-lo para evitar que o líquido lixiviado (produzido pelas reacções químicas do lixo) se infiltre na terra e atinja os lençóis freáticos. Além disso, foi colocada na superfície uma camada de argila que ajuda a impedir a aproximação das aves. Este investimento permite a operacionalização do sistema de captação de biogás para a produção de electricidade, cuja central foi instalada nas imediações da lixeira.
Com estas condições criadas, foi instalado um sistema de captação de biogás, que traz duas vantagens: a primeira é evitar a poluição do meio, e a outra é extrair o máximo do que pode ser reaproveitado para transformar em energia eléctrica, enquanto as águas residuais que saem da lixeira são tratadas para a limpeza dos espaços públicos.
Na prática, os aterros sanitários, incluindo o de Hulene, não foram preparados para serem fontes de créditos de carbono e este potencial é desperdiçado. Um recurso que pode ser valioso
Na lixeira brasileira, a central de biogás começou a operar em 2014 e produz energia distribuída na rede pública. Cálculos feitos pelos responsáveis indicam que a mesma continuará a produzir por mais 15 anos, ainda que o aterro já só receba lixo por mais cinco. No caso de Hulene, isto não foi observado. A falta de preparação do solo para acolher a lixeira é apontada por Vânia Cavel como um factor de perigo: a lixeira vai expandir-se além dos limites, comprometendo a saúde e integridade de um número crescente de famílias. Vai provocar contaminação do ar, do solo e da água, directamente no lençol freático (visto que o lixo é depositado directamente sobre o solo).

Perdas em crédito de carbono
Devidamente preparado, o aterro sanitário serviria para produzir energia a partir de uma fonte alternativa, ou seja, teria um determinado valor em “créditos de carbono”. O que são? À luz do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, instituído internacionalmente, por cada tonelada de CO2 não emitida, países como Moçambique têm a possibilidade de atrair investimentos de países que já esgotaram as suas metas, e assim gerar rendimentos avultados pela quota de CO2 poupada, o “crédito de carbono”. Na prática, os aterros sanitários, incluindo o de Hulene, não foram preparados para serem fontes de créditos de carbono e este potencial é desperdiçado. Um recurso que pode ser valioso.
Falta de controlo e monitorização
Vânia Cavel critica as autoridades municipais pelo que considera ser falta de controlo e monitorização da actividade no aterro de Hulene, resultando na deposição de resíduos fora dos limites da lixeira. Por isso, defende que há espaço para a responsabilização civil e constitucional das autoridades (há infracção dos artigos 90, 92, 96 e 117 da Constituição da República). A esta questão sobrepõe-se a necessidade de remoção da lixeira para outros locais, o que é muito difícil de concretizar.
A sugestão de Vânia Cavel é que se invista na contratação de uma empresa especializada (a partir da África do Sul, Brasil ou China) para, gradualmente, sistematizar a transferência da lixeira. Mais importante: que as obras de futuras lixeiras sejam antecedidas de estudos e investimentos apropriados. A propósito, recentemente, a Bélgica anunciou que vai financiar a construção de dois aterros sanitários em Nampula, avaliados em 125 mil milhões de meticais, que vão servir também para criar centros de reciclagem e compostagem do lixo. Poderá ser um sinal de viragem de ciclo?

Texto: Filomena Bande • Fotografia: D.R