O Governo anunciou no início da semana passada um acordo extrajudicial com três bancos, incluindo o português BCP, no litígio que decorre em Londres, sobre o caso das dívidas ocultas, prevendo a redução da “exposição do Estado” de 88,4 mil milhões de meticais para 13,9 mil milhões de meticais (de 1,4 mil milhões para cerca de 220 milhões de dólares).
Economistas contactados pelo DE defendem que, com o novo acordo, o País deixará de estar em incumprimento (default) e poderá melhorar a sua imagem, podendo ter acesso ao mercado de capitais internacional para procurar mais financiamento.
País deixa de estar em incumprimento
O analista e pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP), Borges Nhamire, explica que “Moçambique deixou de estar em incumprimento, pois tinha um crédito malparado. Alguém pegou em dinheiro emprestado e não o conseguiu devolver. Então, com este acordo, o País deixa de estar em ‘default’, o que abre espaço para que possa voltar a emitir garantias para financiar outros projectos de valor estratégico como, por exemplo, a comparticipação da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) na exploração de gás na bacia do Rovuma”, disse.
O pesquisador refere ainda que das dívidas da MAM e da ProIndicus, sobre os quais o País pediu emprestados cerca de 88,4 mil milhões de meticais (1,4 mil milhões de dólares), o Estado irá devolver apenas cerca de 13,9 mil milhões de meticais (220 milhões de dólares) e o caso estará encerrado. “Isso significa que Moçambique foi perdoado em cerca de mil milhões de dólares da dívida”, aponta.

Já Estrela Charles defende que o acordo “é benéfico para Moçambique”, uma vez que vai reduzir o fardo do pagamento das dívidas e terminará com um processo muito longo e que acarretava custos bastante elevados para o País em relação às despesas com advogados e outros factores. “Podemos dizer que se trata de uma redução do valor da dívida, porque ainda existe um valor que deve ser pago. O ideal seria que o Governo tivesse mecanismos e formas de cancelar e não pagar a dívida, mas, infelizmente, o Estado tenta, através de acordos e negociações, pagar e sair deste problema”, começa por explicar.
A economista assinala que, em termos de consequências positivas ou impactos, “nota-se a redução de 84% do valor a pagar, que é bastante elevado. Temos a questão de abertura a novos investimentos, o que significa que Moçambique, a nível internacional, tem espaço para contrair mais dívidas externas, pois sabemos que estas têm taxas de juro mais baixas. Há também a destacar a questão de redução de riscos na fuga de investimentos e a melhoria da imagem do País, pois já não seremos conotados como uma nação que não paga as suas dívidas”.
A pesquisadora destaca, por outro lado, alguns dos aspectos negativos no processo. “O primeiro está relacionado com a falta de transparência, pois não são publicados os contornos desse acordo, quando teve início e quais são os trâmites. Depois, não se explica como o valor remanescente será pago; e, por fim, há a questão da impunidade, pois o Governo não fala da punição dos envolvidos no escândalo, ou seja, a continuidade dos outros processos que existem para responsabilização, principalmente a nível nacional”, lamenta.
Com o novo acordo, o País deixará de estar em incumprimento (default) e poderá melhorar a sua imagem, podendo ter acesso ao mercado de capitais internacional para procurar mais financiamento
Por sua vez, o economista sénior do International Growth Center (IGC) da London School of Economics (LSE), Egas Daniel, entende que o acordo para Moçambique significa, de facto, uma etapa de recuperação da imagem e credibilidade do País perante os parceiros internacionais. “De um Estado não pagador que entrou em ‘default’ em termos de dificuldade de pagamento, passa para uma nação em cumprimento. O acordo melhora o stock da dívida sobre o PIB, embora isso não se reflicta imediatamente na redução do serviço das prestações que o País tem que pagar que, neste momento são elevadas, mas marca uma etapa importante rumo à sustentabilidade da dívida. Isso não podemos negar”, explica.
O economista do IGC refere ainda que o acordo também significa que o Estado tem muito que fazer, pois, se se conseguiu trabalhar muito bem na dívida externa, o mesmo esforço de renegociação, adequação e equilíbrio deverá ser feito a nível doméstico. “Mas não se deixa de sublinhar o quão positivo é este acordo para o País, para o stock da dívida, credibilidade da nação, atracção e facilidade de acesso ao mercado internacional de capitais, para uma visão de um perfil de risco menor depois desta situação (o que não acontecia antes, pois o perfil de risco era bastante alto). Aliás, até isso pode melhorar a classificação do rating do País, se esta tendência de controlo da dívida e da caminhada rumo à sustentabilidade se mantiver”, apontou a fonte.
Lições a retirar
Borges Nhamire explica que podem tirar-se várias ilações sobre este caso, pois é importante que se perceba que se o Estado for pedir dinheiro e assinar garantias vai ter de pagar. “Moçambique pagou estes valores, pois foram destinados a projectos que não têm nenhuma importância para o Estado. Aquelas empresas foram declaradas insolventes e o País não retirou nenhum benefício delas”, explicou, destacando “que é preciso que o Estado estude bem os projectos para os quais está a fazer garantias”.
Já para Estrela Charles, “o mais importante é a questão da gestão do risco da dívida pública. Há a necessidade de se analisar o risco para sabermos em que nível estamos, quais as formas de pagamento e se há necessidade de um nível de dívida tão elevado para satisfazer algumas despesas internas correntes. Então, o Governo deveria pegar esta lição das dívidas ocultas e elaborar um plano de gestão para compreender os contornos que existem. Temos a questão da falta de transparência e participação da sociedade civil: é muito importante, em todas as questões de dívida pública, principalmente sobre montantes bastante elevados, que a sociedade civil e o Parlamento tenham conhecimento e entrem no debate para conhecerem todos os contornos da dívida. Temos de olhar para a questão do aperfeiçoamento dos mecanismos para a contratação da dívida, tanto interna como externa, quem aprova e controla. Isto não pode estar apenas concentrado no Ministério da Economia e Finanças”, realça.

Borges Nhamire começa por esclarecer que o Governo que contratou as dívidas não é o actual. “O Executivo envolvido nas dívidas não é o do actual Presidente da República. Normalmente dizem que as pessoas inteligentes aprendem com os erros dos outros. Agora, não sei se o Governo do Presidente Filipe Nyusi não contratou outras dívidas que desconheçamos, razão pela qual acho que não foi aprendida alguma lição”, disse.
“Agora, o Presidente Filipe Nyusi também está a fazer acordos estranhos, a faltar um ano para o fim do seu mandato. Logo, diria que parece que não se aprendeu nada. Não consigo ver, pelo ponto de vista prático, se o Governo actual terá aprendido alguma coisa com os erros cometidos pelo anterior”, conclui Borges Nhamire.
Já Egas Daniel entende que todo o processo das dívidas ocultas até aqui, em si, é uma grande lição e “é possível ver já hoje reformas estruturais que foram executadas ao nível do Governo. Falo concretamente do Ministério de Economia e Finanças, onde houve a transformação da direcção do Departamento da Dívida”, assinala.
O economista aponta que todo o processo de maior controlo da despesa do Estado mostra a preocupação e as boas lições que foram tiradas do processo das dívidas ocultas. “Que o futuro permita que esta memória e estas lições conduzam a um aperfeiçoamento constante na gestão da dívida para não entrarmos numa situação igual no futuro”, concluiu.