Convidado da última edição do Digital Club, promovido pela EY, Sérgio Ferreira integra a equipa de Human Experience da consultora. Aborda a influência crescente da Inteligência Artificial (IA) em negócios e serviços públicos, como está a revolucionar a automação, a análise de dados e a interacção com clientes, além de melhorar serviços públicos como a saúde e a segurança.
Na última sessão do EY Digital Club, a IA e as suas implicações económicas, no trabalho e na liderança foram temas em debate numa troca de ideias que reuniu alguns dos principais gestores e figuras ligadas ao mundo dos negócios em Moçambique. Um evento que contou com a presença de Sérgio Ferreira, EY Partner & Business Transformation, que trouxe a Moçambique a sua experiência de mais de 15 anos na matéria. Na sua alocução, aludiu aos desafios e oportunidades em países em desenvolvimento e enfatizou a importância de requalificação e adaptação contínua dos profissionais face a uma “realidade que, bem enquadrada, é já hoje uma ferramenta indispensável nos negócios”.
Começando pela sua apresentação no Digital Club, o que é hoje a IA e para onde está a evoluir no mundo dos negócios?
A IA tem-se revelado como uma das forças mais disruptivas e transformadoras, tanto no mundo dos negócios, como na área pública. Está actualmente integrada numa variedade de aplicações, desde análises preditivas e automação de processos, até interacções avançadas com clientes através de chatbots e sistemas de recomendação personalizados. Um dos últimos estudos que realizámos sobre a utilização e adopção de IA nas organizações mostra que cerca de um terço das empresas globais já utilizam alguma forma de IA em pelo menos uma função de negócio. Estima-se que o mercado global de IA valerá aproximadamente 826 mil milhões de dólares até 2030, segundo a Statista. No sector empresarial, a IA está a revolucionar a tomada de decisão, a eficiência operacional e a criação de novos produtos e serviços. Empresas de todos as dimensões estão a utilizar IA para Automação Inteligente de Processos; automação de processos de negócios que pensam, aprendem e se adaptam de forma autónoma; análise de dados e insights, ferramentas de machine learning são aplicadas para prever tendências de mercado, comportamentos do consumidor e para optimizar cadeias de abastecimento; e interacção com o cliente em chatbots e assistentes virtuais. Estudos como os da Statista sugerem que a IA poderá ter um impacto até 11,4% no PIB mundial em 2030, com ganhos significativos em produtividade e consumo pessoal.
E na esfera pública?
Aí, a IA tem o potencial para melhorar significativamente os serviços públicos, a segurança e as políticas sociais. Algumas aplicações incluem serviços de saúde em que algoritmos de IA são usados para diagnóstico médico, gestão de epidemias e personalização de tratamentos; segurança e vigilância nos quais sistemas de reconhecimento facial e análise preditiva são utilizados para aumentar a segurança pública e, por exemplo, na gestão urbana em que a IA ajuda na optimização de tráfego, planeamento urbano e gestão de recursos.
E para onde podemos olhar no que respeita à evolução da IA?
Tudo parece apontar para preponderância da ética e governança, com o crescimento da IA – em que instituições como a UE estão a desenvolver regulamentações, como o EU AI Act, para abordar estas questões; a sustentabilidade e a IA autónoma, com o desenvolvimento de sistemas que podem aprender e operar independentemente em ambientes complexos. A IA não só está já profundamente enraizada em várias vertentes da vida moderna, mas continua a evoluir para enfrentar novos desafios e oportunidades. O compromisso com uma IA ética e responsável será crucial para o seu desenvolvimento sustentável e aceitação social.
Esteve recentemente em Moçambique, em Angola, países e mercados em desenvolvimento com desafios específicos. Com que impressão ficou destes mercados? Há desafios próprios em áreas como a banca, a indústria, o desenvolvimento?
A minha recente visita a Moçambique e Angola foi reveladora e ilustrou as particularidades e desafios que estes mercados enfrentam, bem como as oportunidades únicas que oferecem. A adopção de tecnologia pode ser uma grande alavanca para o desenvolvimento. Um estudo de 2020 de uma consultora internacional sugere que a digitalização pode contribuir significativamente para o crescimento económico em mercados emergentes, aumentando o PIB em até 10% numa década. As soluções para muitos desses desafios podem vir através de uma maior adopção de tecnologias inovadoras, como a IA, a desempenhar um papel vital em sectores como a banca e os seguros, a educação e as infra-estruturas. A colaboração entre os governos, as empresas locais e investidores internacionais será fundamental para concretizar esse potencial.
Que realidades de países mais desenvolvidos podem adaptar-se à situação de um país como Moçambique?
Certamente, o potencial da IA para transformar vários sectores é já evidente em muitos países mais desenvolvidos. Há diversas iniciativas e estudos que podem ser adaptados ou servir de inspiração para países como Moçambique. Nos EUA e na Europa, sistemas de IA como o IBM Watson Health estão a ser utilizados para ajudar no diagnóstico oncológico, análise de imagens médicas e recomendação de tratamentos personalizados. Estudos publicados pelo Journal of the American Medical Association demonstram que a precisão do diagnóstico pode ser significativamente aumentada com o auxílio de IA. Dada a escassez de médicos especializados em áreas rurais de Moçambique, a IA pode ser usada para realizar diagnósticos preliminares e fornecer consultas de saúde à distância. Segundo o Banco Mundial, apenas cerca de quatro médicos estão disponíveis por 10 000 habitantes em Moçambique, o que compara com uma média de 33 nos países da OCDE. Plataformas como a Khan Academy e Coursera usam algoritmos de IA para adaptar o conteúdo de aprendizagem ao ritmo e estilo de aprendizagem do aluno, o que tem demonstrado melhorar o desempenho académico, conforme estudos da Stanford University. Implementar plataformas de aprendizagem que utilizam IA para personalizar a educação pode ajudar a superar alguns dos desafios educacionais em Moçambique, como a alta taxa de abandono escolar e as grandes discrepâncias de desempenho entre áreas urbanas e rurais. A UNESCO relata que a taxa de conclusão do ensino primário em Moçambique ainda é inferior a 50%.
Mas como adaptar essas tecnologias à realidade moçambicana?
A implementação de IA requer uma infra-estrutura tecnológica básica, que inclui acesso confiável à Internet e disponibilidade de hardware. Segundo o Banco Mundial, apenas cerca de 17,6% da população de Moçambique tinha acesso à Internet em 2019. E cerca de 20% em 2023, segundo Tauha Mote, presidente do Conselho de Administração (PCA) do INCM. É necessário investir na formação de profissionais locais em tecnologias de IA, o que pode ser realizado através de parcerias com universidades e instituições internacionais. Estabelecer parcerias com organizações internacionais e procurar financiamento de agências de desenvolvimento pode acelerar a implementação e adaptação dessas tecnologias.
O ‘elefante na sala’ é a questão do desemprego que a IA pode propiciar. Como é que se lida com isto?
Este é um tema complexo que abrange não apenas as implicações económicas, mas também questões sociais e éticas. A introdução de IA no local de trabalho tem potencial, tanto para substituir empregos existentes, quanto para criar novas oportunidades de trabalho. Um relatório do Fórum Económico Mundial, de Agosto de 2023, indica que 83 milhões de empregos em todo o mundo serão perdidos nos próximos cinco anos por causa da IA – e 69 milhões serão criados (significando uma perda de 14 milhões de postos de trabalho durante este período), resultado da automação e devido às tecnologias digitais, incluindo a IA. A chave para gerir o impacto da IA no emprego é o foco em estratégias de requalificação e transição para a força de trabalho.
A OCDE recomenda que as políticas públicas promovam a educação e a formação contínua, permitindo que os trabalhadores adquiram novas competências necessárias para os empregos do futuro. Por exemplo, a procura por competências tecnológicas, analíticas e de gestão deve crescer substancialmente. Além da substituição de alguns empregos, a IA também está a criar novas categorias de emprego e sectores inteiros de actividades económicas que não existiam anteriormente. Sectores como desenvolvimento de IA, engenharia de dados, cibersegurança e gestão de sistemas automatizados estão em rápida expansão. Há um alerta para a requalificação com literacia de dados para agarrar oportunidades no futuro. Embora seja verdade que a IA pode substituir certas funções desempenhadas actualmente por humanos, ela também traz consigo a criação de novos empregos e a necessidade de competências até agora vistas como secundárias. O desafio está em preparar a força de trabalho para estas mudanças por meio da educação, formação e políticas públicas adequadas, garantindo que os benefícios da IA sejam acessíveis e equitativos.
E aqui entra uma outra questão que foi abordada: qual será o perfil do profissional do futuro a médio e longo prazo e como é que ele deverá ter de lidar com a IA?
Segundo a Future of Jobs Report da World Economic Forum (2023), espera-se que a IA, um dos principais impulsionadores da potencial substituição algorítmica, seja adoptada por quase 75% das empresas pesquisadas e leve a uma alta rotatividade, com 50% das organizações a esperar que ela crie crescimento de empregos e 25% esperando que motive perda de empregos. A capacidade de resolver problemas complexos será ainda mais valorizada, uma vez que muitas das tarefas simples serão automatizadas. A IA muitas vezes lidará com análises e processos, enquanto os humanos serão chamados para intervir em situações onde o julgamento e a empatia são cruciais. Profissionais que conseguirem combinar conhecimentos de diferentes áreas com a tecnologia serão altamente valorizados. O profissional do futuro será caracterizado por um amplo conjunto de competências, incluindo valências técnicas em IA, habilidades sociais e emocionais robustas e uma capacidade notável para se adaptar a um ambiente de trabalho em rápida evolução.
Texto: Pedro Cativelos • Fotografia: EY & D.R.